Ribeirão e seu quarteirão da saudade

 

 

 

 

                         Havia muito tempo que não andava pelo centro de Ribeirão Preto, o que acabei fazendo nesta manhã para comprar ingressos para a apresentação da Prosa Afiada, no SESC da Rua Tibiriçá, às vinte e uma horas de hoje (13) e amanhã (14). Aliás, estão todos convidados.

                        Como o SESC estava fechado e só abriria à tarde (precisei voltar, pois, para finalmente conseguir os ingressos), resolvi subir até a Praça XV e tomar um café de coador na Única, que ainda resiste bravamente, apesar de já oferecer também café expresso.

                        Ao percorrer o chamado Quarteirão Paulista, onde se localizam o magnífico Theatro D. Pedro II e o famoso Pinguim, passei pelo lindo prédio do Palace Hotel, que se acha há nem sei quantos anos em processo de restauração. Parte do que foi feito já se encontra até mesmo degradando e nada de terminar a obra. É um inesgotável jogo de empurra e desculpas esfarrapadas que se arrasta por várias administrações municipal, estadual e federal, cujos órgãos burocráticos não se entendem no tocante a verbas, financiamentos, prazos e competências.

                        Impossível não lembrar os versos de Drummond (que também se prestam para este período eleitoral):

 

                                               POLÍTICA LITERÁRIA

 

                                               O poeta municipal

                                               discute com o poeta estadual

                                               qual deles é capaz de bater o poeta federal.

 

                                               Enquanto isso o poeta federal

                                               tira ouro do nariz.

 

                        Ribeirão Preto, outrora cognominada de Capital da Cultura, e mais recentemente de Califórnia Brasileira e Capital do Agronegócio, é a cidade principal de uma das regiões mais ricas do país. Seria pretender demais que nossos notáveis empresários, usineiros e o que valha chamassem a si a responsabilidade de custear a restauração do prédio, como ocorre nos países mais desenvolvidos e civilizados?

                        Outro exemplo da tão alardeada responsabilidade social de nossos empresários está logo ali, na esquina de cima, onde se achavam as instalações tradicionais de outro Pinguim (conhecido entre nós como Pinguim I)

                        O grupo empresarial, vindo de fora, que há muitos anos adquiriu o Pinguim e vem enchendo as burras explorando a força da marca e o folclore que a cerca, havia transformado o local em uma espécie de loja de souvenir, até que, demonstrando não ter a mínima consideração pela memória da cidade, simplesmente resolveu fechar o estabelecimento, cujas dependências foram alugadas então para uma rede de lojas de calçados denominada Humanitarian que já toma quase metade da quadra e, na calada da noite, teve a desumanidade de destruir as antigas instalações para exibir seus sapatos e bolsas nas vitrines modernosas! Jurei solenemente jamais comprar nada de tal loja, nem mesmo um par de sandálias havaianas.

                        Depois disso, prosseguindo na caminhada até a Única, já pressentia que o seu delicioso café me saberia amargo, por mais que o adoçasse.

                        Na volta, tropeçando e afundando o pé nos desníveis do nosso péssimo calçadão, mais um dissabor. Amargurado e saudoso, resolvi entrar na velha Biblioteca Altino Arantes, esperando um refrigério. Qual o quê!

                        Conquanto também resista bravamente, a biblioteca está decadente, com apenas três ou quatro salas acomodando algumas estantes de livros desgastados

                        Na primeira sala, de literatura estrangeira (incluída a portuguesa), na estante à direita com obras de autores franceses, consolou-me a presença de vários livros de Camus e de Simenon. Mais ao fundo, em outra estante acanhada, o essencial de Camões e Eça, mas em poucos exemplares.

                        Nas duas salas seguintes livros técnicos e infanto-juvenis. Não vi nada de Monteiro Lobato. Perguntei a um dos funcionários onde ficavam as obras da literatura brasileira.

                        — Lá na última sala, no fundo.

                        Alguns volumes de Érico Veríssimo, Jorge Amado, Machado de Assis. Não tive tempo de procurar outros.

                        — Sinto muito, já são onze horas e vamos fechar. Reabrimos a uma, se o senhor quiser voltar.

                        Agradeci e fui embora chutando as pedras do meu desencanto até o estacionamento em que havia deixado meu carro.

 

 

3 comentários

  1. Lilian
    13/07/10 at 23:58

    Obrigada pelo convite para a peça! Mas estou na fase minguante… De qualquer forma, faço votos de muito sucesso!
    Sinto informá-lo, mas desde quando eu frequentava a biblioteca Altino Arantes (há uns 30 anos) que ela tem apenas três ou quatro salas. É um espaço bem acanhado para tudo o que dizem que esta cidade é. Fazem com Ribeirão o mesmo que fazem com o Brasil: tentam convencer lá fora pra ver se a gente acredita aqui dentro. No que depender de mim, podem parar com a propaganda e investir nosso dinheiro em coisas concretas e não em ilusões. Hoje, chegou alguém lá no meu trabalho perguntando aonde ficava a sala com os projetos de… alguma coisa futurista que ele deve ter ouvido na tv ou sei lá onde. O cara era forasteiro, com certeza. Pra começar, era educado, bem vestido. Não era mesmo de Ribeirão… (Quando ouço alguma coisa sem sentido, imediatamente entro no piloto automático; faço sem perceber, por isto não me lembro que raio de projeto o moço procurava. Encaminhei-o para a sala da tortura, – uma delas.)
    A biblioteca de São José do Rio Preto dava umas dez (ou mais) da Altino Arantes. Livros e mais livros. Curiosamente, a cidade não cobra para si o título de capital da cultura ou da prosperidade, como faz Ribeirão. Deve ser a capital da honestidade, o que não interessa a ninguém.
    Também gosto daquele quarteirão. Mas, de dia, tenho medo das pessoas; de noite, também. Já faz tempo que não vou ao Pedro II. O máximo que faço é passar pela Duque de Caxias à noite, de carro, quando tudo está mais calmo e dá pra viver por alguns momentos a ilusão de que a paz ainda é possível. E nem acredito que já morei na General Osório… (será que era esse mesmo o nome da rua? – Acho que sim, embora tenha ficado muito diferente com o calçadão, que a descaracterizou sem piedade.)
    Como vê, não gosto muito desta cidade onde nasci. Só espero não descobrir, um dia, que eu era feliz e não sabia. Se isto acontecer, será muito triste, porque eu realmente detesto isto daqui.
    (Da série “mais ácida, impossível”)

    • Antonio Carlos
      14/07/10 at 11:45

      Lilian

      Veja só como a memória é construída por nós e passa a ser parte nossa e da vida que vivemos, ou lembramos ter vivido.
      Confesso que pouco frequentei na minha época de estudante a Biblioteca Altino Arantes. Fui lá algumas poucas vezes com colegas à procura de livros cuja leitura era exigida no antigo curso Clássico do Otoniel Mota. Nesse aspecto fui e sou um privilegiado, pois conto com a esplêndida biblioteca de meu pai.
      Mas guardava na (falsa) memória que a biblioteca era bem grande, com muitas salas e livros. Talvez em razão da beleza e suntuosidade do antigo casarão que a abriga.
      Você me corrige agora esclarecendo que ela sempre foi acanhada, com poucas salas e pequeno acervo. De todo modo, é uma grande pena e desperdício que não fosse, nem seja, como a imaginava minha lembrança.

      Um beijo.

  2. sonia k.
    19/07/10 at 15:49

    Sempre adorei andar e passar muitos momentos bons em grandes livrarias de SP (La Selva, da Vila e outras que a meória já me trai e não me lembro dos nomes). Aqui, pelo menos uma vez por mês vou à Nobel, sento nos almofadões com uma porção de livros que vou pegando ao passar e ali permaneço um bom tempinho curtindo as novidades e até as antiguidades. Tenho de tomar cuidado com minhas idas pois hoje não posso dispor de compras como antigamente e pra mim é muito difícil voltar sem trazer nada. Agora está pra ser inaugurada na cidade uma Biblioteca grande e bem montada. O prédio é de uma arquitetura moderna, o espaço é amplo e parece que será bem interessante, com café instalado na parte interna e salões para simpósios e outros eventos. Estou aguardando pra visitar. A Secretária de Cultura daqui é uma pessoa muito dinâmica e interessada na realização de inúmeros eventos no Teatro Municipal, na Casa do Povoador e no Centro Turístico instalado na Rua do Porto.
    Realmente v. tem o privilégio de contar com a biblioteca do Annibal e a sua também deve andar rica e com obras seletas e importantes.
    Eu choro ter doado muitos de meus livros quando me mudei pra cá há 11 anos. Ia morar em uma casa bem menor e não teria condições de espaço.
    Duas coisas que me dói muito ter me desfeito na última hora: meus livros amados e meus discos (LPs de vinil) queridos. Mas….
    Quando inaugurar a biblioteca daqui contarei pra vocês se realmente vale a pena e se não será mais um prédio fantasma.

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