Sempre me pareceram profundamente ingênuas, de uma ingenuidade que beira o patético, quando não se trata de mera exploração da boa-fé alheia por parte dos organizadores, essas campanhas ditas cívicas ou de conscientização social, do tipo “Sou da paz”, “Chega de violência”, “Basta de corrupção”, “Não à baixaria”, abraços coletivos a logradouros, caminhadas em prol de alguma coisa ou causa.
Creio mesmo que a maioria dos participantes esteja imbuída das melhores intenções, mas, como se diz, o inferno está calçado de boas intenções.
Trata-se de convencer os convencidos, de converter os convertidos. Ou alguém imagina que com tais apelos os criminosos, os corruptos, os violentos, os poluidores serão tocados nos seus corações e, prostrados aos pés do altar da Pátria, se redimirão?
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) acabam de lançar uma dessas campanhas redentoras e educativas: “Não vendo o meu voto”.
Segundo o presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, cerca de 6 mil juízes devem participar da campanha. Ele afirmou que a intenção é mostrar para a população a importância da democracia e de conhecer os candidatos em quem pretende votar: “É importante que o eleitor vote conscientemente.”
Pois eu digo o contrário: venda o seu voto, e venda bem caro!
O voto é um direito subjetivo e político do eleitor, que pode fazer dele o que bem entender. E cá entre nós, não é atribuição dos juízes (nem de autoridade alguma) tutelar os eleitores ou lhes ministrar lições de democracia. Bem fariam se dessem o exemplo cumprindo seus altos deveres funcionais sem delongas e se empenhando na melhoria da eficiência do aparelhamento judiciário, que há muito opera abaixo da crítica.
Quem vota por ideologia, vende o seu voto à ideologia. Quem vota no programa de um partido, em determinado candidato que considera capacitado, no amigo, no padrinho ou no parente, idem.
Aliás, os candidatos se apresentam a nós da mesma forma que as campanhas publicitárias nos oferecem sabonetes, cervejas ou remédios miraculosos, e a Justiça Eleitoral, além de nada fazer a respeito, ainda proíbe que sejam criticados ou ridicularizados publicamente.
Constitui uma impostura supor que nós outros, debaixo do nosso teto sem goteiras ou da nossa toga vistosa, sentados à mesa farta, na sala refrigerada, com os filhos em boas escolas, a assistência médica assegurada por plano de saúde particular, locomovendo-nos de um lado para o outro no nosso carro do ano, em veículos oficiais ou de avião, sabemos votar conscientemente, ao passo que o povão, no seu barraco de zinco, sem eira nem beira, faminto, desempregado, desdentado, debaixo do sol nas filas de ônibus ou do SUS, sempre é capaz de vender o seu voto, por uma casinha da Cohab, por algumas cestas básicas, por um emprego, uma dentadura, uma consulta ou cirurgia urgente, um par de óculos, uma bolsa família ou o que valha.
Se o fizer, fará muito bem, e o seu voto terá tanto valor e significado quanto o nosso. Esse o princípio da democracia representativa, que representa o que somos.
De minha parte, declaro com todas as letras que meu voto está à venda para quem der mais.
Por enquanto, os candidatos a presidente, deputado e senador têm oferecido muito pouco.
Até hoje nunca deixei de votar em alguém (a maioria das vezes no menos ruim, e quase sempre me estrepei). Mas como o voto é só meu, dou ou vendo a quem me apetecer ou ofertar mais.
Se nenhum o fizer até o dia da eleição, como um louco que rasga dinheiro, rasgarei meu voto, anulando-o ou votando em branco. Esse é o único jeito de não vender meu voto e assim me tornar um cidadão consciente, engajado na campanha do TSE e da AMB.