Posts from outubro, 2010

Mau conselho

 

 

 

 

Deus só ajuda quem cedo madruga,

porém amo a lua e as estrelas

passo a noite a ouvir e a vê-las

“e tenho muito sono de manhã”.

 

 

Mais vale um pássaro na mão

do que muitos a voar,

prefiro todos eles no ar

a tê-los presos no alçapão.

 

 

Quem avisa é amigo

mas não ligo ao que me grita,

de que vale esta vida

sem correr nenhum perigo?

 

 

Com as minhas pernas cansadas e tortas

não chego onde Judas perdeu as botas,

pensei em ir-me embora pra Pasárgada,

mas lá não serei amigo do rei.

 

 

Me mandaram a Cochinchina

mas não sei qual o caminho,

quem quiser saber de mim

vá lá ver se estou na esquina.

 

 

 

 

 

O poetinha insistente

 

 

 

                        No seu tardio e espirituoso livro de estreia, Manual para aprendiz de fantasma , Annibal Augusto Gama, entre outros, se vê às voltas com um poetinha anônimo que de vez em quando, durante sua ausência, deixava-lhe um poema entre os papéis sobre a mesa do seu escritório.

                        Não chegou a descobrir quem fosse o bisbilhoteiro, nem se fantasma ou vivente. “Como, porém, sou apenas um escrevinhador não contaminado pela vaidade, não me oponho a transcrever outro poeminha do tal poetinha, mesmo porque, como já disse, quero registrar aqui tudo o que está acontecendo desde que me propus a escrever este manual”, resolveu o autor e aprendiz de fantasma.

                        Também a mim, desde que comecei a escrever com certa regularidade neste blog, tem ocorrido alguns fatos estranhos.

                        Ontem de manhã, por exemplo, ao passar rapidamente pelo meu pequeno escritório ao lado da garagem da minha casa, para apanhar algumas anotações para as aulas que iria dar, eis que encontro sobre a mesa um poeminha manuscrito, com um desenho ilustrativo.

                        A caligrafia não me é de todo estranha, mas não consegui identificá-la.

                        Quem sabe por haver de certo modo e muito desajeitadamente me tornado também um escrevinhador, e com o aproximar da idade madura, os fantasmas começaram a me dar o ar da graça? “Não! Os fantasmas nunca pretenderam amedrontar ninguém! / Eles apenas querer brincar de esconde-esconde / pelos infinitos corredores da Eternidade, / cheios de velhos guarda-roupas / de antigos pianos encalhados no porão do Tempo / e de desvãos de nunca-jamais…”, esclarece o poetinha anônimo em alguns dos versos que deixou para Annibal Augusto Gama. Será o mesmo que agora se apresenta a mim?

                       

 Pelo sim, pelo não, e porque o poetinha incógnito me deixou uns versos sobre Manuel Bandeira de quem tanto gosto e até tenho um retrato na parede (o que revela que me conhece bem), como fez Annibal Augusto Gama no referido livro, transcrevo abaixo o seu poeminha:

 

 

Manuel Bandeira,

a vida inteira

que podia ter sido

e não foi…

Foi… Foi… Foi…

 

A andorinha lá fora

está dizendo

“passei a vida

à-toa… à-toa…”

 

A vida foi boa

ou foi má?

 

Vida, vida, vida,

pedaços de desgraça

e farrapos de graça.

 

 

 

 

 

 

 

Sobre a brevidade da vida

 

 

 

 

“Assim os bens máximos são possuídos em clima de insegurança. Nenhuma fortuna inspira mais preocupação do que a máxima. O sucesso depende de outro sucesso. Os auspícios postulam outros auspícios. Tudo que advém do azar é inseguro porque quanto mais altaneiro tanto mais propenso a desmoronar.” (Lucius Annaeus Seneca “Sobre a Brevidade da Vida”, capítulo XVIII)

 

 

                        Sobre a brevidade da vida talvez seja a obra mais conhecida de Sêneca. Foi escrita há cerca de dois milênios, sob a forma de cartas dirigidas a Paulino (cuja identidade é controvertida), que abordam o real sentido da existência diante do seu célere transcurso temporal. Entre outras reflexões, adverte Sêneca que o problema não é a velocidade do fluxo vital, que tanto nos aflige e lamentamos, mas sim a forma como se utiliza o tempo.

                        O pequeno trecho acima é um bom exemplo do seu pensamento sobre a insegurança e efemeridade da fortuna e do sucesso.

                        Se as cartas e os ensinamentos são dirigidos a Paulino, caem como uma luva para o já saudoso polvo Paul (mera coincidência de nomes?), que fez um estrondoso e merecido sucesso durante a última Copa do Mundo, ao prever certeiramente todos os resultados da seleção alemã e também o resultado da final entre Holanda e Espanha, passando a gozar de merecida “aposentadoria” desde então.

                        Segundo o comunicado oficial, “A administração e a equipe do Oberhausen Sea Life Center ficaram arrasadas ao descobrir que o polvo Paul, que alcançou a fama mundial durante a última Copa do Mundo, morreu na última noite”. Consta, ainda, que Paul será cremado e construída uma estátua em sua homenagem.

                        A morte de Paul é um dos assuntos mais comentados do dia, na internet e pelo Twitter. Tiago Leifert, sempre bem humorado e criativo, exibiu uma divertida matéria lamentando o infausto acontecimento no programa  Globo Esporte SP  de hoje, quando fiquei sabendo do passamento do querido molusco, que o Boca do Inferno incluiu entre as dez melhores coisas da Copa de 2010 no seu balanço final, lá nas Pílulas.

                        Confirmando Sêneca, Paul viveu brevemente, apenas dois anos, tempo médio de vida da sua espécie, Octopus vulgaris.

                        Resquiecat in pace!

 

 

 

 

O 10 é 70

 

 

 

 

                        O 10 — quem diria? — faz 70 anos, como John Lennon poucos dias atrás.

                        Dois ídolos da minha juventude que corre célere para alcançá-los,

                        Pelé entrou antes na minha vida. Comecei a admirá-lo, e por meio dele o futebol, ainda na primeira infância, a partir da Copa do Mundo de 58, que vô Tufy e meu pai ouviam angustiados pelo rádio, cuja transmissão às vezes caía ou ficava ruim, com muita estática. Foi gol? Pênalti? O que aconteceu?

                        Não compreendia muito bem a importância daquilo tudo, o trauma da perda da Copa de 50, que ambos sentiram na pele e comentavam a todo instante.

                        Ainda era pequeno, apenas começava a ler e jogava futebol esporadicamente. O mundo que me fascinava então era o dos heróis dos gibis e livros de aventuras para crianças, dos seriados das matinês, dos filmes de faroeste, de capa e espada. Pouco mais tarde descobriria Monteiro Lobato.

                        Mas com o decorrer dos jogos, a entrada de Pelé e Garrincha na seleção na partida contra a União Soviética (que a gente chamava de Rússia) e a vitória final, minha paixão pelo futebol foi despertando para nunca mais adormecer.

                        Era o Brasil desenvolvimentista de JK, depois da era Vargas, cinquenta anos em cinco, a construção de Brasília, a Bossa Nova que nascia. Mas eu ainda não me dava conta de nada disso.

                        Algum tempo depois do encerramento da Copa de 58 — dias, semanas, meses? O tempo tem outro ritmo na infância — viajei para São Paulo com meu pai e numa noite, enquanto ele e alguns amigos jogavam pôquer na casa de um deles — o adorável Melinho, que apesar do diminutivo era corpulento e me impressionava não apenas por sua delicadeza e atenção, mas também porque tinha automóvel e televisão —, assisti sozinho numa outra sala ao filme do jogo final contra a Suécia, que de vez em quando ainda se vê por aí.

                        Foi então que realmente conheci o negrinho (sim, é politicamente incorreto, que se dane!) franzino de que tanto se falava, que depois de dizimar a outra equipe de homenzarrões louros (também será politicamente incorreto?), com uma grande participação de um outro anjo mulato (também?) de pernas tortas, chorava como uma criança, amparado pelo goleiro Gilmar.

                        Daí em diante foi uma sucessão de maravilhas, ou de alumbramentos, se já conhecesse a Evocação do Recife, de Manuel Bandeira.

                        Na década de 60, morando em São Joaquim da Barra e já absolutamente louco por futebol, vinha com frequência a Ribeirão Preto na linda Bel Air cupê do médico, amigo e afinal compadre de meu pai, Tonico Martorano (cuja figura, não sei bem por que, me remete a John Wayne, talvez pelos olhos e por ser um exímio atirador), assistir aos jogos do inigualável esquadrão do Santos F. C. contra o Comercial e o Botafogo, ainda nos antigos campos de Vila Virgínia e Vila Tibério. Embora tanto o Comercial quanto o Botafogo tivessem times muito bons na época, o placar final era quase sempre de goleadas acachapantes, 6×1, 7×4, 5×2.

                        Também havia algumas transmissões pela TV Tupi, e nós já tínhamos finalmente televisão em casa. O elegante Mário Morais narrava os jogos sem estardalhaços, apenas pontuando com comentários precisos e ótimas tiradas. A certa altura deixou de se referir a Pelé pelo nome para dizer simplesmente “ele” ou “lá vai a fera”.

                       

Quando “ele” fez o milésimo gol eu já era um rapaz que amava os Beatles e os Rolling Stones, mas me emocionei às lágrimas. O gol custava a sair, todas as cidades em que o Santos jogava queriam o privilégio, mas os deuses do futebol decidiram que teria de ser no Maracanã e de pênalti para que houvesse tempo para a liturgia digna de um rei. Pelé foi muito criticado pela mensagem emocionada em favor das “criancinhas”. Não foi ouvido e elas continuam por aí, agora cheirando crack, assaltando e matando nos sinais, sendo mortas e seviciadas.

                        Pelé foi um prodígio. Atleta perfeito e natural, sem as técnicas de desenvolvimento muscular e anabolizantes que sobrevieram. Afora a distensão muscular na Copa do Chile, jamais sofreu uma contusão grave, apesar de caçado em campo. Deixou os gramados absolutamente inteiro, com os joelhos intactos, e só foi operar os meniscos com mais de 60 anos, depois de se lesionar numa brincadeira.

                        Soube o momento exato de parar, ainda em grande forma, o que muito poucos conseguem. Voltou a jogar brevemente nos EUA porque foi enganado por pessoas de sua confiança e se viu em situação financeira delicada.

                        Profissional impecável, disciplinado, jamais invocou prerrogativas. Treinava normalmente como todos os outros e dizem que até mesmo mais do que os outros.

                        João Saldanha, que era um grande tipo, mas adorava fanfarrices, pouco antes da Copa de 70 chegou a dizer que ele estava quase cego, não enxergava à noite e o colocou na reserva da seleção. Pelé ficou no banco, comportadamente (com a camisa nº 12 se não me engano) sem criar caso. Após voltar ao time, num jogo noturno contra a Argentina meteu um gol de longe e por cobertura no excepcional Cejas, que como a maioria dos goleiros argentinos gostava de ficar adiantado, além da pequena área, e nunca mais se falou da sua vista.

                        Jamais se envolveu em escândalos na vida profissional ou privada e até mesmo como Ministro dos Esportes.

                        O único fato que talvez o desabone seja a resistência em assumir a paternidade de uma filha e em se aproximar dela. Sabe-se lá que razões teria.

                        Mesmo assim, fiéis à máxima jobiniana de que no Brasil o sucesso é ofensa pessoal, muitos continuam a criticá-lo e a negar seus méritos.

                        Outra crítica que se lhe faz é a declaração — esta sim polêmica — de que o povo brasileiro não sabia votar. Da mesma forma que, segundo o poeta, “caminhante não há caminho, se faz o caminho ao andar”, votar se aprende votando, e ficamos longo tempo sem votar. Mas será que já aprendemos ou estamos aprendendo?

                        A camisa 10, por causa dele, passou a ser o símbolo do craque do time. Alguns a usaram com galhardia: Zico, Rivelino, Ademir da Guia, Platini, Zidane, Maradona (que os “hermanos” e alguns outros idiotas que nem sequer chegaram a ver Pelé jogar teimam em afirmar que foi o melhor).

                        Como fazem os norte-americanos em relação aos seus grandes ídolos, a camisa 10 deveria ser definitivamente excluída do futebol, em respeito e homenagem ao seu primeiro e único rei.

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=rP4xQ86K2gE]

 

 

 

 

 

 

Peixes na rede

 

 

 

 

                                    Eu blogo

                                    Tu twittas

                                    Ela facebook

                                    Nós googleamos

                                    Vós updates

                                    Eles messengeiam

 

 

                                    Enquanto isso a vida se deleta na tela

                                    salta pela janela e não se sabe mais dela.

                                    Um dia, na caixa postal virtual

                                    noticia um e-mail viral que ela

                                    morreu de Orkut supurado

                                    sem que pudesse salvá-la

                                    o Rhum Creosotado.

 

 

 

 

 

 

O parto da montanha, a fênix e os abutres

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                       

 

                      

                        Já se disse que a morte do nosso bichinho de estimação nos comove e afeta mais do que saber que milhares de crianças morrem diariamente de desnutrição ou sobre um genocídio ocorrido em terras distantes. Assim somos, os seres humanos. Presos às nossas vidinhas, ao nosso quintal, às nossas aflições e alegrias imediatas. Humano, demasiado humano.

                        Todavia, paradoxalmente, somos capazes também de ações extraordinárias de solidariedade, sacrifício, amor e superação. Aquilo a que chamamos de inteligência caracteriza-se por sua flexibilidade, plasticidade e inovação, ou seja, pela capacidade de adaptar meios existentes para uma nova finalidade, pela possibilidade de enfrentar de maneira diferente situações novas e inventar novas soluções. Tudo isso esteve presente no resgate dos mineiros no Chile, tanto na conduta deles mesmos, quanto de todos os que se envolveram de corpo e alma nas operações de salvamento, cumprida com pleno sucesso.

                        Mas nem tudo são flores. A onipresença simpática e risonha do presidente chileno, o seu papel de mestre de cerimônia tipo Silvio Santos, os vários discursos ufanistas proferidos ao longo das operações me incomodaram e soaram oportunistas.

                        É claro que como chefe de Estado ele tinha a obrigação de ali estar. Bem que poderia, entretanto, se manter mais discreto e distante dos holofotes. Bastaria um pronunciamento ao final dos trabalhos, de agradecimento e de louvor ao que foi realizado, mas também de reflexão sobre os fatos. Como se explica o funcionamento de uma mina em condições tão precárias e com uma única saída? Quais serão as medidas tomadas contra os empresários inescrupulosos e demais responsáveis por isso? É bem verdade que o presidente Sebastian Piñera assumiu o cargo herdando duas grandes tragédias: o terremoto devastador e o desmoronamento da mina. Mesmo assim, e não obstante o sucesso da operação de resgate, ele se aproveitou claramente para surfar na onda.

                        Alguns se lembraram — e eu também — de um grande filme de Billy Wilder, Ace in the hole, ou The big carnival, como foi rebatizado depois, lançado em 1951 e um fracasso de bilheteria, que retrata a hipocrisia e os interesses reinantes em uma situação parecida.

                        Charles Tatum, um repórter veterano interpretado pelo sempre ótimo Kirg Douglas, rechaçado nos grandes centros por condutas pouco recomendáveis, busca refúgio em um pequeno jornal da província, em Albuquerque, no estado do Novo México. Após um longo e tedioso ano, ele finalmente encontra uma matéria que pode levá-lo de volta ao grande circuito: um homem preso em velhas ruínas indígenas, justamente na Montanha dos Sete Abutres, que dá o título do filme em português.

                        O drama humano, as circunstâncias reais ou inventadas pelo repórter e a abordagem sensacionalista logo chamam a atenção do público e da grande mídia. O jornalista manipula o xerife para ter acesso exclusivo às ruínas, controla a mulher da vítima para que ela (que estava prestes a abandonar o marido) aceite desempenhar o papel teatral de esposa desesperada. Por fim, obriga o empreiteiro responsável pelo salvamento a adotar um método de resgate que demoraria uma semana, em vez de outro que libertaria a vítima em menos de 24 horas, pois precisava prolongar o espetáculo ao máximo, o que acaba por resultar na morte da vítima por causa de uma pneumonia, provocando um surto de remorso no jornalista.

                        “Eu posso cuidar de grandes notícias e pequenas notícias, e se não houver notícias eu saio e mordo um cachorro”, diz o Charles Tatum ao pedir emprego no jornal da pequena Albuquerque, cujo lema exibido orgulhosamente num quadro é “Tell the truth”.

                        Segundo prega Tatum, a morte de centenas ou milhares de pessoas é apenas um número, enquanto a morte de uma única pessoa (ou dos 33 mineiros encurralados) tem “interesse humano”, faz com que as pessoas “tenham interesse em saber tudo sobre ele” (ou eles, como foi o caso). Veja-se, por exemplo, a curiosidade em saber se seria a mulher ou a atual namorada de um dos mineiros que iria recebê-lo (ou ambas, o que seria melhor ainda), entre outros aspectos da vida pessoal de cada um dos mineiros. O gosto e o desejo da massa, dos consumidores de notícias, é na verdade por uma desgraça ou acontecimento incomum que lhes traga alguma emoção à vida. Por isso a turba grita “pula, pula, pula,” ao suicida indeciso no alto do prédio.

                       

 

Outro filme excepcional, o premiadíssimo Rede de Intrigas (Network) — a que voltei a assistir recentemente — de Sidney Lumet e estrelado entre outros pelos excelentes Faye Dunaway, Willian Holden, Peter Finch e Robert Duval, é quase uma atualização do filme de Wilder para a década de 70, retratando a informação, não mais impressa, mas televisiva, em adiantado estado de mercantilismo e putrescência, transformada em produto de uma indústria feita não mais para informar, mas apenas para ser consumida.

 

 

                       Como num parto, um a um os mineiros foram saindo do ventre da terra rumo à luz da vida (uma nova vida?). Mas depois que o quarto ou quinto havia sido alçado à superfície sem nenhum incidente, disse à minha mulher que a tudo assistia comigo:

                        — Isso já está ficando chato. Me chame se acontecer alguma coisa ou quando o último sair…

 

P.S.                Quando já havia escrito este post e pouco antes de publicá-lo recebi um e-mail da Carol e do Marcel com o esboço de um roteiro (uma paródia hollywoodiana)  que elaboraram para um filme sobre os mineiros, que achei genial e transcrevo abaixo. Se houver algum interessado em produzi-lo  já me autonomeei advogado e empresário dos autores, visando assegurar o futuro da Manuela.

 

 

Queridos, um roteiro de Carol e Marcel para os acontecimentos da Mina.

Já estamos em negociação com Warner, Fox e Miramax. beijos.

 

Trinta e três homens e uma descoberta valiosa.

Um país de terceiro mundo governando por um presidente corrupto e fantoche dos Estados Unidos.

Uma empresa disposta a lavar com sangue os seus erros.

70 dias de insanidade e provação.

 

MINEIROS

 

Era um dia normal, Frank (Kurt Russel) acorda mais disposto que o usual, sabedor de que estavam prestes a encontrar as pedras que lhe assegurariam a sonhada aposentadoria. Mike (Ryan Gosslin), seu filho, dorme no quarto ao lado completamente absorto do compromisso com o pai. É preciso que Frank o desperte, o relembre do que é mais importante. Acabou a farra, Mike! É hora de trabalhar. Você tem que ser mais responsável. Frank sabe que somente ele pode dar algum juízo a Mike. Quando todos já desistiram dele, é Frank quem lhe estende a mão, sabe que talvez será o último a fazê-lo.

O filho acorda de mau-humor, ressabiado. Se meter em uma mina, a setecentos metros da superfície com o pai é a última coisa que pensou que faria da vida. Mas agora era tarde. Tinha aprontado muito e sabia que seu pai ainda apostava nele.

Os dois se juntam aos outros trinta e um homens. Homens fortes, homens justos, um sábio, Papa Jack (Robert Duval). Todos começam o dia dispostos, cada um na sua função até que um grita: algo estranho aqui. Um minério reluzente, de uma cor nunca vista antes desponta. Todos se juntam em volta dele. É inacreditável.Na superfície, o inescrupoloso Conrad (Liev Schreiber), CEO da Rockmann Enterprise acabou de receber a notícia por seu ipad: eles acharam.

O segredo devia ser absoluto, Conrad lembra o tolo capataz Mac (Kevin Bacon) que nada pode sair errado, ele deve garantir que seus companheiros mineiros permaneçam no escuro e nada saibam da descoberta. Trata-se de um minério poderossíssimo, capaz de fazer uma liga de metal indestrutível, e a venda do mesmo para os EUA daria um novo fôlego a já combalida guerra.

Mas os mineiros tinham Papa Jack. E Papa Jack sabia da existência do minério. Algo que seu pai, mineiro do inicio dos anos 20 já havia lhe falado a respeito. Uma lenda daquele deserto que ele pensou se tratar apenas de uma lenda. Mas estava lá e eles descobriram. Algo capaz de tornar o pequeno país subdesenvolvido em um país de verdade.

Papa Jack convoca a reunião. Esclarece do que se trata. É necessária uma renegociação. Os mineiros devem ter participação no achado. Contatar alguém do governo. Seriam heróis.

Mac, o infiltrado, informa Conrad. Tudo errado, eles já sabem.

É hora do plano B. Conrad, que já sabe a exata localização do seu achado e os meios de chegar até ele por túneis previamente definidos manda implodir a mina. Saia Mac, e mate todos. Você será recompensado.

Mac arruma tudo para a implosão tantas vezes planejada. Quando avisa que está tudo pronto, que sairá pelo túnel 3.5 antes da implosão, Conrad ri com satisfação. A mina implode. As saídas estão todas bloqueadas. Mas algo dá errado. Mac, imbecil, não dinamitou o suficiente para matar os homens na implosão. Mas apenas para prendê-los como animais em uma gaiola. E Mac está com eles.

Agora são 33 homens. Um traidor para ser desmascarado.

Um pai e filho que trocaram experiências, brigam e se reconciliam.

O velho Papa Jack, que não resistirá.

Um presidente dividido em salvar os trinta e três mineiros, ou ceder a sua ganância.

(….o enredo continua nessa linha de previsibilidade. até que…)

O clamor popular aumenta. O presidente está prestes a ser derrubado. Ele não tem alternativa senão buscar o auxílio do então desacreditado mas genial Professor Lemon (Morgan Freeman). Ele promete que conseguirá construir uma cápsula para liberar os mineiros e salvá-los da morte. O Presidente e Conrad tentam fingir que estão em lados opostos, o presidente chega a assegurar ao CEO que o transloucado Professor Lemon não terá êxito. Mas sessenta dias depois de intermitente trabalho em seu laboratório — sobe música e cortes rápidos com o Professor trabalhando sozinho com alguns estudantes, a beira da exaustão —, a cápsula Phoenix está pronta. Antes que pudesse passar pelo crivo do governo, o Prof. Lemon, sabedor da intenção do presidente em vê-lo fracassado, anuncia a sua invenção pelos quatro cantos do mundo, inclusive internet. Agora ele já está consagrado e ficou tarde demais para o presidente recuar. Ele dá carta branca para Conrad: “Faça o que você quiser. Eu não posso mais intervir”.

Os mineiros, que a esta altura já são heróis, já passaram por tudo na mina, inclusive a morte e enterro de Papa Jack, fome, sede e picada de cobra — cujo veneno foi extraído pelo jovem Mike para orgulho maior de seu pai —, começam a ser retirados. O jovem Mike ficaria por último. Vinte e nove mineiros já saíram. O povo, a imprensa, todos vibrando. É a vez de Mac. Com ele, lá embaixo, só restam Frank e Jack, pai e filho. Antes que suba, Frank agarra o braço de Mac e fala em seu ouvido: “Nós dois sabemos de tudo”. Mac treme. Não dá tempo para mais nada quando ele é içado. Os planos de Conrad, de evitar com que os mineiros saiam com vida, não vingam. Ele está desesperado e fica sabendo por Mac, ao lhe abraçar mantendo o teatro armado, que Frank e seu filho poriam tudo a perder. Os únicos que descobriram o plano todo. Conrad recorre ao último ás de sua manga. Pelo menos aqueles dois não sairiam dali com vida. Ele determina uma última implosão na mina, tudo armado para parecer acidente. Nesse momento, a mina começa a ruir e, com ela, o túnel da cápsula. Frank percebe que em breve tudo estará soterrado. Ele lança Mike para dentro da cápsula e aperta o botão que aciona o equipamento quando ele está pronto para subir. Mike grita. “Nãããããããããão”. Frank olha para o filho saindo daquele lugar maldito, esquecido por Deus e pelo diabo. Tudo está cedendo, deslizando. Mas Frank, estranhamente, se sente em paz.

Na superfície, o resgate foi um sucesso. Apenas Mike se dá conta do que aconteceu. Uma perda contabilizada para um resgate tão difícil é muito pouco. Daqui a poucos dias quase ninguém falará o nome de Frank. Mike e sua mãe estão sozinhos, num cerimonial solitário do jardim da casa, onde enterram a camiseta de futebol do pai e seu capacete quando chegam os outros mineiros. Apenas eles. E pouco a pouco, ao som de uma música melosa, eles tiram o capacete e cantam o hino dos mineiros.

Corta- Em um tribunal Mike aparece engravatado, com um advogado ao lado. Ele diz que seu cliente sabe de tudo e falará tudo. No banco dos réus está Conrad. Corta. Fim.

 

 

 

 

O lobisomem e o ditador

 

 

 

                        Reza a lenda que o sétimo filho homem de uma família transforma-se em lobisomem à meia-noite de uma sexta-feira de lua cheia e sai faminto à procura de carne e sangue, matando a todos que encontra pela frente.

                        Na antiga Rússia, tornou-se tradição que o Czar fosse o padrinho dos sétimos rebentos, que com isso se livrariam da maldição. Esse costume foi trazido para a Argentina em 1907, quando um casal de emigrantes alemães, que antes havia vivido na Rússia, ao ter o sétimo filho do sexo masculino rogou ao então presidente Figueroa Alcorta que apadrinhasse o menino. O presidente não só atendeu ao pleito, como concedeu uma bolsa para amparar o afilhado e garantir seus estudos.

                        Em 1973, o populista Juan Domingo Perón transformou o costume em lei, que foi estendida em 2008 para as sétimas filhas pela não menos populista Cristina Kirchner, sob o fundamento de que não queria discriminação de sexo.

                        No ano de 1977, em plena ditadura, Roberto Castilho, operário de uma fábrica de frangos e sem militância política alguma, foi sequestrado pelos militares. Sua mulher Josefa estava grávida de cinco meses e quando seu filho nasceu, o sétimo, teve a vã esperança de que pudesse ter o marido de volta ao se tornar comadre do ditador Jorge Rafael Videla, que em cumprimento da lei se tornou padrinho do pequeno Gastón.

                        Somente no ano passado os ossos de Roberto Castilho foram afinal encontrados e indicavam que ele tinha sofrido torturas terríveis, se é que existe algum tipo de tortura que não seja terrível.

                        Gastón, já homem feito e católico fervoroso, não quis continuar como afilhado do algoz do pai e pediu à sua paróquia que Videla não mais figurasse como seu padrinho. A paróquia negou e chegou a lhe dizer que a solução mais fácil seria abandonar a religião. Inconformado, Gastón precisou recorrer ao cardeal primaz de Argentina, Jorge Bergoglio (o mesmo que há pouco tempo declarou que o casamento gay é obra do diabo), argumentando que o apadrinhamento de Videla fere, mortifica e infama o ato sagrado do batizado, para que finalmente conseguisse remover o padrinho assassino.

                        Essa história trágica e absurda, que daria um ótimo tango ou uma grande novela do realismo mágico, é verdadeira e foi relatada pelo jornalista Ariel Palacios, no programa Estúdio i, comandado pela simpaticíssima Maria Beltrão, no canal Globo News.

                        Também eu prefiro me tornar lobisomem a ser afilhado de ditador, mais besta-fera do que qualquer lobo esfomeado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                        Vale a pena ver na página inicial do Google uma singela e linda homenagem aos 70 anos de John Lennon (como o tempo voa, meu Deus!). Basta clicar na seta (quem se interessar, é bom ver logo, pois não sei quanto tempo permanecerá).

 

 

Prêmio Jabuti

 

 

 

                        Premiações literárias, ou de qualquer outra manifestação artística, sempre são passíveis de controvérsia, não apenas pelo grau inelutável de subjetividade dos juízos críticos, mas também pelo jogo de interesses sempre presente em tais disputas.

                        Mesmo assim, o Prêmio Jabuti outorgado anualmente pela Câmara Brasileira do Livro merece o respeito e a consideração da grande maioria dos autores, editores e leitores.

                        O romance de estreia de Edney Silvestre, Se eu fechar os olhos agora, acaba de receber o prêmio da categoria, batendo Leite Derramado, de Chico Buarque, e Os Espiões, de Luis Fernando Veríssimo, classificados respectivamente em segundo e terceiro lugares.

                        Há muito tempo acompanho e admiro as ótimas entrevistas de Edney Silvestre no programa Espaço Aberto Literatura, no canal Globo News. A exemplo de Geneton Moraes Neto, além de saber conduzir a entrevista com rara sensibilidade e conhecimento do assunto, demonstra verdadeira paixão pela literatura.

                        Por isso não hesitei em comprar o seu livro em janeiro deste ano, quando o vi exposto na Livraria da Travessa, enquanto passava alguns dias de férias no Rio. Curiosamente, também comprei no mesmo dia Os Espiões, de Luis Fernando Veríssimo. Sobre Leite Derramado, do Chico, já escrevi neste blog.

                        Embora bem distintos, os três romances têm qualidades suficientes para credenciá-los à premiação, não importa a ordem de classificação.

                        Nem sempre um bom início reflete o que é ou será o livro, mas não deixa de ser uma boa pista.

                        Há começos arrebatadores, que se tornaram clássicos e são sempre lembrados, especialmente porque no caso os livros também se tornaram clássicos.

 

                        “Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira” (Leon Tolstói, Ana Karênina)

 

                        “Hoje minha mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: “Sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames.” Isso não esclarece nada. Talvez tenha sido ontem.” (Albert Camus, O Estrangeiro)

 

                        “Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi o berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: a diferença radical entre este livro e o Pentateuco.” (Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas)

 

                        “— Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade.” (Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas)

 

                        “A bem dizer, sou Ponciano de Azeredo Furtado, coronel de patente, do que tenho honra e faço alarde. Herdei do meu avô Simeão terras de muitas medidas, gado do mais gordo, pasto do mais fino. Leio no corrente da vista e até uns latins arranhei em tempos verdes da infância. (João Cândido de Carvalho, O Coronel e o Lobisomem)

 

                        “Era no tempo do Rei.

                        Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente, chamava-se nesse tempo — O canto dos meirinhos —; e bem que lhe assentava o nome, porque era aí o lugar de encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de não pequena consideração). Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; formavam um dos extremos da formidável cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo em que a demanda era entre nós um elemento de vida: o extremo oposto eram os desembargadores. Ora, os extremos se tocam, e estes, tocando-se, fechavam o círculo dentro do qual se passavam os terríveis combates das citações, provarás, razões principais e finais, e todos esses trejeitos judiciais a que se chamava o processo.” (Manuel Antonio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias. Publicado em folhetins entre 1852 e 1853, a descrição sobre os trâmites processuais e o aparelho judiciário ainda impressiona pela fidelidade e atualidade!)

 

                        “Esperei muito tempo por você.

                        Meu nome é Rudolf Flügel.

                        Como os mendigos e as putas, a gente logo percebe quais os que vão parar diante de nós para o gesto de oferenda. Para esses não estendemos as mãos. Com eles não trocamos o que temos, mas o que somos.” (Roberto Freire, Cleo e Daniel, um dos livros amados e marcantes da minha adolescência).

 

                        Esses são apenas uns poucos exemplos, que poderiam se multiplicar. O que pretendo assinalar é que alguns inícios são quase irresistíveis. Por vezes basta a primeira frase, outras, um ou dois parágrafos, para que sejamos tomados pela mão e arrastados para dentro do livro. Dependendo do gosto e das inclinações de cada um, alguém não estará tentado agora a ler um dos livros acima, se ainda não leu, ou até mesmo o reler?

                        Os romances de Edney Silvestre e de Luis Fernando Veríssimo, embora não se limitem a isso, têm esse tipo de início:

 

                        “Se eu fechar os olhos agora, ainda posso sentir o sangue dela grudado nos meus dedos. E era assim: grudava nos meus dedos como tinha grudado nos cabelos louros dela, na testa dela, nas sobrancelhas arqueadas e nos cílios negros, nas pálpebras, na face, no pescoço, nos braços, na blusa branca rasgada e nos botões que não tinham sido arrancados, no sutiã cortado ao meio, no seio direito, na ponta do bico do seio direito.” (Se eu fechar os olhos agora)

 

                        “Formei-me em Letras e na bebida busco esquecer. Mas só bebo nos fins de semana. De segunda a sexta trabalho numa editora, onde uma das minhas funções é examinar os originais que chegam pelo correio, entram pelas janelas, caem do teto, brotam do chão ou são atirados na minha mesa pelo Marcito, dono da editora, com a frase “Vê se isso presta”.” (Os Espiões)

 

                        Veríssimo já é bastante conhecido e merecidamente consagrado. Os seus livros são sempre gostosos de ler, inteligentes, divertidos, instigantes. Nada disso falta a Os Espiões, conquanto me pareça que neste caso o romance começa bem melhor do que acaba, perdendo um pouco o fôlego no final. Mesmo assim é um bom livro, ainda que não seja o melhor já escrito por Veríssimo.

                        Edney Silvestre, ao contrário, mais conhecido como jornalista, e já tendo escritos outros livros, foi para mim uma grata surpresa na sua estreia como romancista.

                        Difícil definir o gênero do livro: a partir de uma trama policial em que dois meninos se envolvem ao encontrar numa pequena cidade do interior o corpo de uma jovem mulher assassinada com requintes de barbárie, desenrolam-se reminiscências e impressões sobre a história recente do Brasil e o próprio cenário político e cultural da primeira metade do século passado.

                        Talvez o traço predominante seja de um romance de formação dos dois meninos, um pobre e o outro de classe média, que na investigação do crime passam a contar com o auxílio, a princípio relutante, de um velho que vive num asilo e fora preso político na ditadura Vargas, o qual a certa altura lhes diz: “Nada neste país é o que parece”.

                        O sentimento e o significado da amizade, a descoberta das cruezas do mundo, da violência, dos preconceitos sociais, da corrupção, das perversões, do sofrimento, das perdas inevitáveis marcarão a travessia dos dois adolescentes para a idade adulta.

                        A impressão que Edney Silvestre de longe me passava como homem — culto, inteligente, sensível e refinado — confirmou-se plenamente na persona do romancista e na sua obra. O Prêmio Jabuti ficou em boas mãos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Por desencargo de consciência

 

 

                        Quando passo, como agora, por um período em que os muitos quefazeres me impedem de escrever neste blog — e as ideias e os assuntos me assolam — fico ansioso e até mesmo angustiado.

                        Li em algum lugar que essa angústia de atualização dos blogs tem aumentado em muito o número de ataques cardíacos nos EUA.

                        Isso me fez lembrar da fantástica novela O Mandarim, de Eça de Queiroz: já pensou se, a exemplo da campainha acionada por Teodoro, por ficar eu alguns dias sem postar nada aqui, alguém que não conheço cai duro e seco em plena Times Square?