O lobisomem e o ditador

 

 

 

                        Reza a lenda que o sétimo filho homem de uma família transforma-se em lobisomem à meia-noite de uma sexta-feira de lua cheia e sai faminto à procura de carne e sangue, matando a todos que encontra pela frente.

                        Na antiga Rússia, tornou-se tradição que o Czar fosse o padrinho dos sétimos rebentos, que com isso se livrariam da maldição. Esse costume foi trazido para a Argentina em 1907, quando um casal de emigrantes alemães, que antes havia vivido na Rússia, ao ter o sétimo filho do sexo masculino rogou ao então presidente Figueroa Alcorta que apadrinhasse o menino. O presidente não só atendeu ao pleito, como concedeu uma bolsa para amparar o afilhado e garantir seus estudos.

                        Em 1973, o populista Juan Domingo Perón transformou o costume em lei, que foi estendida em 2008 para as sétimas filhas pela não menos populista Cristina Kirchner, sob o fundamento de que não queria discriminação de sexo.

                        No ano de 1977, em plena ditadura, Roberto Castilho, operário de uma fábrica de frangos e sem militância política alguma, foi sequestrado pelos militares. Sua mulher Josefa estava grávida de cinco meses e quando seu filho nasceu, o sétimo, teve a vã esperança de que pudesse ter o marido de volta ao se tornar comadre do ditador Jorge Rafael Videla, que em cumprimento da lei se tornou padrinho do pequeno Gastón.

                        Somente no ano passado os ossos de Roberto Castilho foram afinal encontrados e indicavam que ele tinha sofrido torturas terríveis, se é que existe algum tipo de tortura que não seja terrível.

                        Gastón, já homem feito e católico fervoroso, não quis continuar como afilhado do algoz do pai e pediu à sua paróquia que Videla não mais figurasse como seu padrinho. A paróquia negou e chegou a lhe dizer que a solução mais fácil seria abandonar a religião. Inconformado, Gastón precisou recorrer ao cardeal primaz de Argentina, Jorge Bergoglio (o mesmo que há pouco tempo declarou que o casamento gay é obra do diabo), argumentando que o apadrinhamento de Videla fere, mortifica e infama o ato sagrado do batizado, para que finalmente conseguisse remover o padrinho assassino.

                        Essa história trágica e absurda, que daria um ótimo tango ou uma grande novela do realismo mágico, é verdadeira e foi relatada pelo jornalista Ariel Palacios, no programa Estúdio i, comandado pela simpaticíssima Maria Beltrão, no canal Globo News.

                        Também eu prefiro me tornar lobisomem a ser afilhado de ditador, mais besta-fera do que qualquer lobo esfomeado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 comentários

  1. Lilian
    14/10/10 at 15:20

    Que vontade de ler tudo isso e comentar!
    O tempo anda curto; vamos ver quando consigo.

  2. Lilian
    15/10/10 at 17:15

    Afilhado de ditador? E na Argentina, ainda, onde as coisas são naturalmente mais esquentadas?
    E ter sete filhos também é meio demais, né não?
    Já que se falou em populismo, se a tradição atravessa a fronteira… o número de “bolsa família” alcançaria a estratosfera na maior facilidade, explodindo nossas finanças e o saco também.

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