No seu tardio e espirituoso livro de estreia, Manual para aprendiz de fantasma , Annibal Augusto Gama, entre outros, se vê às voltas com um poetinha anônimo que de vez em quando, durante sua ausência, deixava-lhe um poema entre os papéis sobre a mesa do seu escritório.
Não chegou a descobrir quem fosse o bisbilhoteiro, nem se fantasma ou vivente. “Como, porém, sou apenas um escrevinhador não contaminado pela vaidade, não me oponho a transcrever outro poeminha do tal poetinha, mesmo porque, como já disse, quero registrar aqui tudo o que está acontecendo desde que me propus a escrever este manual”, resolveu o autor e aprendiz de fantasma.
Também a mim, desde que comecei a escrever com certa regularidade neste blog, tem ocorrido alguns fatos estranhos.
Ontem de manhã, por exemplo, ao passar rapidamente pelo meu pequeno escritório ao lado da garagem da minha casa, para apanhar algumas anotações para as aulas que iria dar, eis que encontro sobre a mesa um poeminha manuscrito, com um desenho ilustrativo.
A caligrafia não me é de todo estranha, mas não consegui identificá-la.
Quem sabe por haver de certo modo e muito desajeitadamente me tornado também um escrevinhador, e com o aproximar da idade madura, os fantasmas começaram a me dar o ar da graça? “Não! Os fantasmas nunca pretenderam amedrontar ninguém! / Eles apenas querer brincar de esconde-esconde / pelos infinitos corredores da Eternidade, / cheios de velhos guarda-roupas / de antigos pianos encalhados no porão do Tempo / e de desvãos de nunca-jamais…”, esclarece o poetinha anônimo em alguns dos versos que deixou para Annibal Augusto Gama. Será o mesmo que agora se apresenta a mim?
Pelo sim, pelo não, e porque o poetinha incógnito me deixou uns versos sobre Manuel Bandeira de quem tanto gosto e até tenho um retrato na parede (o que revela que me conhece bem), como fez Annibal Augusto Gama no referido livro, transcrevo abaixo o seu poeminha:
Manuel Bandeira,
a vida inteira
que podia ter sido
e não foi…
Foi… Foi… Foi…
A andorinha lá fora
está dizendo
“passei a vida
à-toa… à-toa…”
A vida foi boa
ou foi má?
Vida, vida, vida,
pedaços de desgraça
e farrapos de graça.