Posts from maio, 2011

Paradoxo V

 

 

 

                                   O galo cantou,

                                   mas não sabes onde.

                                   A vida passou,

                                   enquanto esperas o bonde.

 

 

 

 

Fernando Pessoa e a Confraria do Chapéu-Panamá

 

 

            No Rio de Janeiro, recomendado pela querida amiga Selma Barcellos, fui com minha filha Bell à exposição sobre Fernando Pessoa, no Centro Cultural dos Correios.

            Trata-se da mesma exposição já realizada em São Paulo pelo Museu da Língua Portuguesa, onde estive num dia ruim, em que várias escolas levaram seus alunos. Acho isso ótimo, mas eu tinha pouco tempo, a balbúrdia era muito grande e não pude percorrer toda a exposição com a calma e atenção necessárias, o que foi possível desta vez, no Rio.

           

 

O conjunto de elementos visuais e informativos da exposição é absolutamente empolgante. Vídeos, fotografias, reproduções de manuscritos, jogo de espelhos que nos multiplicam como as tantas pessoas de Pessoa, uma simulação de caixa de areia em que versos vão sendo escritos, apagam-se com a chegada da onda, e voltam a ser inscritos, uma simples mesa com diversos exemplares da obra de Pessoa, para que as pessoas visitantes folheiem e leiam à vontade. Um alumbramento!

 

 

            Emocionou-me em especial a perfeita reprodução do manuscrito do célebre poema Autopsicografia com a grafia do poeta e as correções por ele feitas, de modo a permitir que se acompanhe o processo de criação. Na primeira estrofe, por exemplo, a versão originária era:

 

                                   O poeta é um fingidor

                                   Finge tão completamente

                                   Que chega a fingir que é dor

                                   A dor que ele próprio sente.

 

            O último verso foi riscado e substituído pelo definitivo “A dor que deveras sente”.

            Apenas por isso já valeria ter ido à exposição!

            Saímos de lá ao sol poente, e contrariando os conselhos do taxista que nos havia levado, resolvemos caminhar algumas quadras pelas cercanias.

            Numa ruazinha transversal, deparamos com várias mesas perfilhadas, em que todos os comensais, homens e mulheres, estavam de chapéu. Ouvia-se música ao fundo. Não resistimos a nos aproximar para saber do que se tratava.

            Era a “Confraria do Chapéu-Panamá”, que ali se reúne num almoço mensal. O grão-mestre é o dono de uma barbearia (daquelas de antigamente, com lindas cadeiras de couro e ferro trabalhado), que sabe tudo a respeito do chapéu-panamá, cujos modelos diversos expõe e vende na própria barbearia, defronte da qual se realiza a confraternização por ele organizada todos os meses.

            Há muito andava atrás de um panamá genuíno para personificar meu heterônimo carioca, Tom Gama, mas sempre que encontrava era muito caro. Depois de uma aula sobre a feitura do chapéu, seus diversos tipos, e como usá-lo (a aba abaixada na frente, a cerca de dois dedos da sobrancelha), acabei por cobrar um para mim e outro para a Bell, a preço bem razoável

 

O grão-mestre disse que nasci para usar chapéu-panamá, e, mesmo não morando o Rio de Janeiro, fez questão que assinássemos a ficha de inscrição na confraria. Prometeu-nos comunicar por e-mail as promoções e os almoços para que deles participemos doravante, caso estejamos no Rio.

 

            Tenho agora mais um motivo, entre tantos, para ir à Cidade Maravilhosa, que sempre me surpreende com novos encantos a cada novo encontro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A ilustre casa de livros

 

 

 

           Era no país do carnaval.

           Um dos seus poetas mais queridos e festejados havia cantado:

 

                                  Oh! Bendito o que semeia

                                  Livros… livros à mão cheia…

                                  E manda o povo pensar!

                                  O livro caindo n’alma

                                  É germe — que faz a palma,

                                  É chuva — que faz o mar.

 

           Tempos depois, outro famoso escritor (que agora estava sob censura) dissera: “Um país se faz com homens e livros”.

           Era preciso portanto que a capital federal, no planalto plantada, especialmente projetada e tida como a mais moderna do mundo, contasse com uma biblioteca à altura.

           O provecto arquiteto foi convocado como um centurião para a missão patriótica, e concebeu mais uma de suas estruturas visionárias, que muitos acham pouco funcionais e acolhedoras ou, como dizia o povo de antanho, “por fora, bela viola; por dentro, pão polorento.”

           E se fez a grandiosa biblioteca, que custou ao governo mais de 40 milhões de dinheiros.

           Inaugurada com pompa e circunstância, passou os dois primeiros anos à espera dos livros, que finalmente chegaram e foram acomodados nas amplas instalações, com ar condicionado, controle de umidade, tudo do bom e do melhor.

           Acontece que os mais de 100 mil exemplares não se acham disponíveis para empréstimo ou consulta, à falta de um sistema de monitoramente e segurança dos livros retirados ou manuseados.

           Ouvido, o diretor da biblioteca saiu-se com esta: hoje em dia, livros são absolutamente secundários e dispensáveis em uma biblioteca, que proporciona ao público inúmeras atividades mais adequadas à nossa época, entre as quais a pesquisa e a consulta, por meio da internet, dos livros de outras bibliotecas espalhadas pelo mundo!

           Não é ficção. O país existe e tudo isso aconteceu de fato. Qualquer coincidência, é pura semelhança.

           A propósito, “biblioteca” provém do grego “biblíon”, que significa “livro”. Mas isso também é secundário e dispensável.

 

 

 

 

 

 

A lua roubada

 

 

          

 

 

 

             Foi a Bell quem alertou, enquanto caminhávamos pela Avenida Atlântica após o jantar.

            Nossa, a lua deve estar enorme! Olha só como ilumina o mar lá adiante.

            De onde estávamos, algumas árvores obstruíam a visão da lua, porém o mar parecia mesmo iluminado por um holofote na linha do horizonte.

            Mais alguns passos e vislumbramos um pedacinho da lua, escondida pela única nuvem do céu azul profundo.

            Pouco a pouco, a lua foi despontando detrás da nuvem, até exibir seu gordo e irradiante carão, que parecia sorrir para nós.

            Desde que dei ela para a Manuela, a lua anda muito exibida e feliz, dizia eu quando senti uma leve carícia no pescoço, seguida de um tranco.

            Instintivamente segurei a corrente de ouro com a medalha de Santo Antônio que, arrebentada, deslizou para minha mão.

            Girei o corpo, proferindo um palavrão, e vi o larápio que se afastava correndo com suas pernas longas, a bermuda vermelha e larga balançante ao vento.

            Vamos embora daqui, vamos embora daqui, implorava Bell, sem atinar que o perigo fugia de nós às carreiras.

            Quando chegamos ao hotel poucos metros adiante, ela  ainda estava com as mãos e os lábios trêmulos, a se lembrar do assalto aterrador que sofreu na praça próxima de nossa casa em Ribeirão Preto, cuja catarse foi o curta De Assalto, que ela filmou alguns meses depois.

            Como anota o cartaz do filme, o ladrão nos tira muito mais do que os pertences levados ou não.

            Esse nos roubou a lua, a noite calma e encantada de um Rio de Janeiro outonal.

           

Agora, como a correntinha partida que ficou na minha mão, é preciso juntar os elos e seguir em busca da próxima lua cheia que haverá de reluzir.

 

 

 

 

 

 

  

O traficante de livros

          

 

 

            Segundo Valery Larbaud a leitura é um vício impune, ou impunido.

            Mesmo assim, que pena merece este perigoso traficante?

 

 

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Dois livro e um chopes

 

 

 

“Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.” (Fernando Pessoa, pela fala de Bernardo Soares, em “Livro do Desassossego”)

 

 

            Entre estarrecido e estupidificado (sou mesmo um estúpido por ainda me surpreender com essas asnices de que o Brasil é pródigo) li a notícia de que um capítulo do livro “Por uma Vida Melhor”, da ONG “Ação Educativa” (?), ensina que é correto dizer “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado”.

            Segundo preleciona a “obra” (sim, eu disse “obra”) destinada a jovens e adultos, distribuída pelo MEC a mais de quatro mil escolas do país, “Você pode estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar os livro?’. Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico”.

            Preconceito linguístico? Mais uma versão de bullying e de politicamente incorreto?

            Assegura o MEC (ora, o MEC…) que o livro está de acordo com os “Parâmetros Curriculares Nacionais”, que estabelecem normas a ser seguidas por todas as escolas e todos os livros didáticos. “A escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma ‘certa’ de falar, a que parece com a escrita; e o de que a escrita é o espelho da fala.” “Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos”, assinalam os tais parâmetros (ou deveria dizer os tal parâmetro?)

            Mais tarde, assisti pela televisão a uma das que “obraram” (sim, do verbo “obrar”) o livro dizendo coisa parecida em uma entrevista.

            Como diria o esquartejador, vamos por partes. Ou como diria o filósofo, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

            Convém ressaltar que não sou em absoluto contrário à evolução da língua, à introdução de novos termos que a enriqueçam e vivifiquem (como é o caso de algumas gírias ou expressões populares, de termos da informática e de palavras estrangeiras para as quais não temos equivalente perfeito). Caso contrário, como o latim, o português também se tornaria uma língua morta, ou enclausurada em si mesma, de costas para o mundo globalizado.

            O que não significa que a língua possa ou deva ser maltratada, vilipendiada, ignorada nas suas regras comezinhas, porque isso também a mata, e muito mais rapidamente, como, aliás, vem acontecendo.

            Uma coisa é menosprezar ou repelir alguém pelo modo de falar, fora dos padrões da chamada norma culta. Outra, muitíssimo diferente, é a escola ensiná-lo que está correto e os que assim não pensam têm “preconceito linguístico”!

            É óbvio também que a língua falada e a língua escrita muitas vezes se dissociam, e que há modos de falar e escrever menos ou mais formais, de acordo com a circunstância. Não se usa o mesmo vocabulário, nem as mesmas regras gramaticais em uma tese, na sala de aula, em um diálogo profissional e num bilhete, no campo de futebol, em família ou na mesa de bar.

            Mas o indivíduo que no Brasil, a duras penas, tem acesso à escola busca aprimorar-se, descobrir coisas que desconhece, aprender a raciocinar, falar e escrever melhor. E a concordância gramatical é um dos melhores meios de se desenvolver o pensamento lógico.

            Não se trata simplesmente de decorar regras e exceções e se tornar escravo delas — se “excrever ecessões”, o aluno não deve ser esclarecido e corrigido, para não sofrer “preconceito linguístico” ou “mutilação cultural”? — mas de saber o que é correto, para também saber quando transgredir as regras. E há formas e formas, criativas e envolventes, de se ensinar e aprender.

            Adoniran Barbosa é genial e deliciosamente incorreto nas suas letras. Mas ele conhecia a língua e tinha perfeita consciência do que fazia. Guimarães Rosa, idem.

            Em sua Evocação do Recife, Manuel Bandeira (outro que sabia tudo sobre a língua) nos brinda com esta pérola:

 

A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros

Vinha da boca do povo na língua errada do povo

Língua certa do povo

Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil

                        Ao passo que nós

                        O que fazemos

                        É macaquear

                        A sintaxe lusíada

 A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem

Terras que não sabia onde ficavam

Recife…

                        Rua da União…

                                               A casa de meu avô…

Nunca pensei que ela acabasse!

Tudo lá parecia impregnado de eternidade

Recife…

                        Meu avô morto.

Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro como a casa de meu avô.

 

            A língua deve ser como a casa do nosso avô, de que conhecemos os cômodos, os cantos, os cheiros, na qual entramos e passeamos felizes e à vontade como crianças. Mas se não cuidamos dela, um dia a perdemos para sempre, como a infância.

 

 

 

 

 

 

O subversivo jasmim

 

 

 

 

                        O jasmim é um arbusto escandente da família das oleáceas, de flores muito aromáticas, brancas, amarelas ou róseas, que apresenta diversas variações, algumas delas conhecidas como jasmim-da-itália, jasmim-de-madagascar, jasmim-dos-açores, jasmim-dos-poetas, jasmim-da-espanha ou jasmineiro-galego. Este último, apesar do nome, é nativo do Cáucaso ao sudoeste da China, e cultivado como ornamental pelo óleo volátil, também usado em perfumaria. Suas flores, de um amarelo vivo, são utilizadas para preparar o tradicional chá muito consumido no Extremo Oriente. Na época da China Imperial, era bebida exclusiva dos nobres da corte, e consta que tem propriedades medicinais como aliviar o estresse; diminuir a ansiedade, a tensão e a exaustão nervosa. Ajuda, ainda, a combater os sintomas da depressão, é excelente calmante e favorece um sono tranquilo. Em compressas, auxilia no tratamento da conjuntivite e problemas da pele. Na medicina popular também é usado para aliviar dores de cabeça e enxaqueca.

                        Pois não é que o governo comunista da poderosa China está morrendo de dor de cabeça e se borrando de medo dessa arvorezinha à toa?

                        A denominada “Revolução do Jasmim” que derrubou a ditadura na Tunísia e que vem se espalhando como um rastilho aceso por Egito, Argélia, Bahrein, Sudão, Irã, Iêmen, Líbia, Jordânia, Síria, fez a burocracia que comanda a China com mãos de ferro pôr as barbas de molho, principalmente depois que circulou pela Internet uma convocação anônima para as massas se concentrarem em grandes cidades como Xangai e Pequim. A resposta foi imediata e as ruas foram tomadas pela polícia e imprensa. Ao contrário do que davam a entender os rumores, as massas desandaram, mesmo assim o número de policiais nas ruas demonstrou claramente o temor do governo.

                        A cobertura dos acontecimentos no mundo árabe foi proibida, para que não sirva de mau exemplo. A internet esta sob censura ainda mais rígida e mesmo a simples e inofensiva palavra “jasmim” está sendo apagada do vocabulário chinês. Um homem foi detido ao colocar flores de jasmim num local onde se esperava que o povo se concentrasse. Detido, defendendeu-se perguntando: “Que há de errado nisso?”.

                        Até mesmo um vídeo do “presidente” chinês desapareceu da rede porque nele Hu Jintao cantava a música “Molihua” (Flor de Jasmim) com um grupo de estudantes da língua chinesa no Quênia, durante uma visita oficial ao país africano em 2006. A canção entoada por Hu é uma das melodias tradicionais mais famosas da cultura chinesa e também foi cantada em dezembro durante a cerimônia de entrega do prêmio Nobel da Paz ao dissidente chinês preso Liu Xiaobo.

                        Agora se noticia que o governo chinês determinou que os jasmineiros sejam cortados em todo o país, para não correr nenhum risco!

                        A China tornou-se a nova queridinha dessa praga conhecida como analistas econômicos, que elogiam e apontam como modelo o seu impressionante desenvolvimento econômico, conseguido à custa do trabalho escravo a que se acha submetida a sua imensa população, dos sacrifícios que lhe são impostos e das restrições às liberdades típicas das autocracias.

                        Parece, porém, que os regimes de força, mais dia, menos dia, não resistem às flores, e despencam com as folhas no outono.

                        Além da “Revolução do Jasmim”, a ditadura militar do Brasil tremeu diante da célebre canção de Vandré, “Pra não dizer que não falei das flores”, e a “Revolução dos Cravos” em Portugal acabou de vez com o agonizante regime salazarista.

                        Um dia, ainda que tarde, os jasmins voltarão a florir na China.

 

 

 

 

 

 

            E os bem intencionados continuam a atacar.

            Não é que  a publicidade que recebi hoje  de uma empresa de assistência médica quer me convencer de que a minha vida é dela! Sim, pois o slogan da dita cuja é: “A sua vida é a nossa vida!”.

            Nossa uma ova…

 

 

 

Os bem intencionados

 

 

 

 

“Incrível ver como o povo, uma vez submetido, cai de repente num tão profundo esquecimento de sua liberdade anterior que lhe é impossível despertar e recuperá-la; o povo serve tão bem, e tão voluntariamente, que ao vê-lo dir-se-ia que não apenas perdeu sua liberdade, mas conquistou sua servidão.” (Etienne de La Boétie, Discurso da servidão voluntária)

 

 

 

             — O inferno está calçado de boas intenções, costumava dizer meu avô paterno.

             — Não apenas o inferno, lhe diria hoje este seu neto. Ou talvez o inferno seja por aqui mesmo, como dizem outros.

             É avassalador o número atual de bem intencionados que se arvoram a interferir em nossa vida para nos ensinar a vivê-la, mostrando-nos como ser mais saudável, comer alimentos funcionais, ingerir líquidos, fazer exercícios regularmente, usar camisinha, tomar vacina contra a gripe, dormir pelo menos oito horas, educar os filhos,  planejar o orçamento, não gastar à toa, não ter maus pensamentos, não futucar o nariz.

             Isso tudo sem que lhes tenhamos pedido a opinião ou os bons conselhos, cuja graça nos dão de graça em jornais, folhetos, livros, programas de rádio e televisão, pela internet ou no nosso portão.

             — Acho melhor não, lhes digo a todos, tomando emprestado o bordão de Bartleby, o escrivão.

             O pior e mais preocupante, entretanto, é a cruzada redentora que os governos e órgãos públicos promovem de um tempo a esta parte para nos tornar cidadãos e pessoas melhores, sem vícios e malefícios, bovinamente obedientes e pacientes.

              E assim nos proíbem de fumar, de beber, de ter armas, de levar as crianças nos automóveis sem cadeirinhas e cadeirões especiais (alguém se lembra dos ridículos kits de primeiros socorros que tínhamos de carregar nos carros?), de tomar remédio para emagrecer, enquanto nos obrigam a pagar impostos, pedágios, tarifas, taxas e contribuições, votar nas eleições, prestar serviço militar e morrer pela pátria. Em contrapartida não nos oferecem boas escolas e creches, hospitais decentes, rodovias e ruas seguras, meios de transporte urbano que nos sirvam de locomoção sem comoção, esgotos que nos levem a podridão (sem crase).

             Ainda agora acaba de ser aprovado pelo Congresso Nacional um relevante projeto de lei para que doravante as etiquetas das nossas cuecas nos alertem “sobre importância do exame de câncer de próstata para homens com mais de 40 anos”, as calcinhas, “sobre a importância do uso de preservativos como forma de prevenção do câncer de colo de útero e da realização periódica, por todas as mulheres com vida sexual ativa, de exames de detecção”, e os sutiãs, “sobre a importância do autoexame para detecção de câncer de mama”, além de trazer informações sobre como fazer o exame.

             Fico a imaginar de que tamanho deverão ser essas etiquetas para conter tantos avisos bem intencionados e salvadores, enquanto os saltitantes salteadores da nossa liberdade continuam a lucubrar novos assaltos, para sobressalto nosso.

 

 

 

 

Samba da Bell

 

 

 

 

             A Bell me convidou prum samba.

             Ela mora em São Paulo, e o samba era aqui, em Ribeirão.

             Nós fomos (eu com o meu chapéu da Velha Guarda da Portela, autêntico), e encontramos todo mundo.

             No “Bar do Chorinho”, que eu, sendo daqui, não conhecia.

             Mestre Caburé no violão (tocando de dedeira), Daniel no cavaquinho e voz, Mestre Hamilton no pandeiro (com seus requebros e platinelas mil), muitos outros se revezando e ajudando, entre os quais uma socialite que tocou tamborim e cantou até que bem.

             O garçom Gil não deixou faltar caipirinha e cerveja na nossa mesa e sugeriu a “porpeta grelhada com queijo” que concorria no festival “Comida Di Buteco”. Se depender de nós, já ganhou!

             O “Mané Bebum” chegou honrando o nome e a fama, cheio de amor pra dar, na maior paz, só queria mesmo dançar com a Bell, que mais uma vez o enrolou e não foi: “Mais tarde, mais tarde…”

             O “Japonês de Rabinho” (de cavalo) demorou um pouco, mas marcou o ponto. Me disseram as más linguais que ele é auditor fiscal ou o que valha da Receita Federal e vive pra nos ferrar, mas se gosta de samba, tá perdoado (por enquanto).

             Fiquei muito amigo do Leopoldo, só preciso descobrir quem ele é e onde o encontrar.

             A “Angolana” não apareceu. Vou ter que voltar para conhecer.

             Tinha também um negão enorme, sorridentes dentes, cheio de histórias e saberes, mas me esqueci do nome dele. Perdão, meu irmão!

             Pra falar a verdade só me lembro muito vagamente, e o que conto aqui é o que anotei em dois guardanapinhos, com uma letra que mal entendo agora.

             Ah, o Leopoldo por sua conta e risco elegeu a Bell e eu como o casal mais bonito e simpático do samba. Parece que ele ficou muito amigo meu, mesmo!

             E quem levou a Bell pela primeira vez lá foi o “Capiau”, que estuda Letras na USP em São Paulo faz sete anos e está pra ser jubilado. Não sei por quê.

             A Bell é que voltou dirigindo, e me disse no caminho que a noitada bem que merecia um post no blog.

             Merecer, mereceu, mas foi só isso que deu.

             Acho que ela não se importa.

             Da outra veiz nóis vai mais…

 

 

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Encontrei este vídeo no You Tube. Não é da nossa noite, mas dá para ter uma ideia.