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No seu último romance, publicado em 1971, Érico Veríssimo relata o incidente ocorrido em Antares, cidade que, apesar de não constar dos mapas, situa-se à margem esquerda do Rio Uruguai.
Numa sexta-feira, 13 de Dezembro de 1963, sete pessoas amanheceram mortas, entre as quais a nobilíssima D. Quitéria Campolargo e a pobre prostituta Erotildes.
Em razão de uma greve dos funcionários municipais, que conta com a adesão dos coveiros, os enterros não podem ser feitos, e após um ladrão de sepulturas tentar subtrair joias dos mortos insepultos, estes ressuscitam, unem-se (já que não há classes sociais para defuntos) e saem pela cidade para acertar contas pendentes com os vivos.
A situação se agrava de tal maneira que os grevistas decidem suspender o movimento e sepultar os mortos, que aceitam a oferta. Os enterros são realizados então no sábado, dia 14 de dezembro.
Logo em seguida, o prefeito Vivaldino trata de desmentir o ocorrido, que aos poucos vai caindo no esquecimento, com a vida voltando ao normal, exceto pelas frases pichadas nos muros da cidade de vez em quando por alguns vultos na calada da noite.
Na pequena e aprazível Mococa, que consta do mapa de São Paulo, situada a 262 quilômetros da capital, um possível ladrão de galinha — à falta desta res furtiva, já que ninguém mais cria galinha em casa — resolveu furtar o único cemitério local.
Servicinho leviano, já que os moradores de lá estão dormindo profundamente e, salvo algum fantasma errante ou alguma alma penada, ninguém haveria de opor resistência.
Acabou por levar o computador, que continha a relação dos falecidos e dos proprietários dos jazigos.
Como não havia cópia de segurança dos arquivos, a solução encontrada pela Prefeitura foi convocar a população para fazer o recadastramento dos familiares mortos e comprovar a propriedade do terreno em que se acham enterrados.
Segundo o prefeito, foi contratado “um profissional experiente” para realizar o trabalho, dificultado pelo fato de que muitas das sepultaras não têm placas com o nome dos mortos.
De modo que é bem provável que alguns túmulos permaneçam sem identificação e os próprios defuntos, que viajaram sem lenço nem documento, muito menos passaporte, tenham de suspender o repouso eterno para responder ao censo, acertar as contas ou reclamar providências, como os defuntos de Antares.
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