De manhã, minha filha me telefona de São Paulo, e pelo tom de sua voz ao me cumprimentar já sei que aconteceu algo.
Ela acabara de receber a notícia da morte de um antigo companheiro de trabalho, vítima de uma doença degenerativa. Estava comovida e carente, pois o colega havia sido uma espécie de mentor dela quando dava os primeiros passos no ofício.
“Com quantos anos ele estava?”, pergunto-lhe, para logo me dar conta da estupidez dessa indagação. O que importa isso agora?
No fundo, quero saber se ele era mais moço ou mais velho do que eu, como se tal circunstância servisse de alguma coisa.
Ela parece captar meu propósito inconfesso e responde: “Não sei bem, acho que regulava com você. Tinha dois netinhos.”
Em seguida conta-me sobre o sofrimento dele com o avanço devastador da doença. Não mais saía de casa, nem atendia telefone porque a voz se tornara trôpega e quase inaudível. Comunicava-se apenas por e-mail e pelo Facebook.
“Entrei há pouco no Facebook dele”, me diz, “e ainda está lá a mensagem de aniversário que você postou”.
Tivemos pouco contato, mas gostava dele e lhe era grato pelo apoio que deu à minha filha.
Outra idiotice me ocorre, mas dessa vez me calo. Quem irá remover o Facebook e o e-mail dele? Que triste missão para um familiar ou alguém de sua intimidade! Não será melhor deixar tudo como está, até que suas pegadas pouco a pouco se apaguem na poeira da rede?
Conversamos longamente sobre a vida e a perplexidade que a morte sempre nos causa, apesar de a carregarmos o tempo todo conosco, como aquela tarde de maio.
A trezentos quilômetros de distância, ela quer colo. Não sei se posso dá-lo. Preciso de colo também, e já não tenho quem possa me dar.
Como era bom quando ela era pequenina e o meu colo, algumas palavras, um carinho, segurar-lhe a mão tinham um efeito mágico.
Ela foi muito arteira e se machucava com frequência. Quando tinha de ir ao médico para suturar as feridas, e até mesmo para tirar um anel enfiado à força no dedo que inchara e começara a roxear, só queria a mim por perto, falando com ela, acalmando-a, dando-lhe uma força que eu mesmo não tinha, ao vê-la sofrendo. Isso bastava para lhe dar coragem de enfrentar tudo, e ela saía orgulhosa de si mesma depois, exibindo os curativos como se fossem medalhas.
Como curá-la agora dessas outras feridas, se a vida não tem cura?
Conversamos longamente. Eu a consolo; ela me consola.
No final da conversa, ela me parece melhor, um pouco aliviada.
Também eu estou melhor e aliviado, ao sentir que talvez não se perca de todo a magia de ser pai.
Antonio querido, quando as palavras não fluem, bastante o colo. Para os filhos, então…
Linda essa troca, essa cumplicidade entre você e as meninas de sua vida…
E, por favor, se disser respeito à “carioca” Bell, dê-lhe um beijo meu.
Muitos são os momentos que só um colo pode abastecer.
Com o tempo a gente vai ficando carente de colo e que bom quando ainda podemos dá-lo a quem amamos. E enquanto existirmos nessa caminhada para a falta de vida, sempre seremos o colo seguro de nossos filhos. Lamento pela dor da menina e pela sua em paralelo. Já conheço bem esses caminhos. E só mesmo o tempo pra nos tirar a dor funda do peito. E, de imediato, a magia do reparte, o colo tão bendito.
Papilly,
Mesmo beirando os 32 anos o seu colo continua sendo fundamental. Suas palavras me acalmam. Se guardo a marca de alguns machucados, também guardo a lembrança de sua mão carinhosa sempre pronta para me ajudar.
A finitude da vida ainda não é compreensível para mim. Talvez só seja quando estiver próxima. Por isso, é sempre bom ouvi-lo.
Obrigada pelo carinho e pelo lindo post.
Ti doro!
Bell
Gama, Amei o texto. Eh sempre bom com quem contar. Vamos nos apoiando uns nos outros e seguindo a vida. Ele foi uma pessoa de raro brilho. Vai fazer falta neste mundo.
Ler seu texto me aliviou tambem, obrigada!
Bj grande,
Pri