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“Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse : Vai, Carlos ! ser gauche na vida.”
A partir deste ano, em 31 de outubro, data de nascimento de Carlos Drummond de Andrade, o Brasil comemora o “Dia D”, por feliz iniciativa do Instituto Moreira Salles, com o apoio de várias outras instituições.
Clique no link acima para saber mais.
“Que nada João! Deixa de ser bobo! Pára com isso! Que mania que vocês têm de dizer que fulano é bom, que beltrano é melhor, que Cartola é bom, que o Tom e Vinicius são bons, que eu sou o máximo… Eles são tudo igual a gente, rapaz: eles fazem música porque não gostam de trabalhar!” (Em resposta ao parceiro e compadre João da Viola, que o censurava por tê-lo apresentado a Tom Jobim como um “grande compositor.”)
Se tentássemos cumprimentá-lo agora, por certo ele daria de ombros, soltaria um muxoxo roufenho e sairia andando sem olhar para trás, com o cigarro no canto da boca.
A sua resposta ele já havia dado em vida, muitos anos atrás:
“Sei que amanhã
Quando eu morrer
Os meus amigos vão dizer
Que eu tinha um bom coração
Alguns até hão de chorar
E querer me homenagear
Fazendo de ouro um violão
Mas depois que o tempo passar
Sei que ninguém vai se lembrar
Que eu fui embora
Por isso é que eu penso assim
Se alguém quiser fazer por mim
Que faça agora.
Me dê as flores em vida
O carinho, a mão amiga,
Para aliviar meus ais.
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais.”
Mas ele merece preces, flores e muito mais, nos seus cem anos completados neste 29 de outubro.
Completados sim, porque artistas da grandeza dele não morrem jamais, nunca vão embora, permanecem na sua obra e na nossa saudade, por mais que o tempo passe.
Denominado por muitos de “profeta dos desenganos” devido aos seus sambas em que canta as desilusões amorosas, as angústias e traições da vida, sempre com uma dose de pessimismo e amargura, Nelson Antônio da Silva nasceu no dia 29 de outubro de 1911 e ganhou o apelido de Nelson Cavaquinho por ser esse o seu instrumento nas rodas de choro que frequentava na juventude. O apelido se manteve mesmo após trocar o cavaquinho pelo violão.
Seu pai tocava tuba na banda da Polícia Militar carioca e ele próprio tornou-se policial, fazendo rondas noturnas a cavalo pela cidade, durante as quais conheceu músicos como Cartola, Carlos Cachaça, Zé da Zilda, dos quais se tornou amigo (e que certa vez lhe esconderam o cavalo depois de uma noitada). Logo aderiu ao samba e a boêmia, adotou a Mangueira como sua Escola, e tratou de dar baixa da tropa antes que dessem baixa dele. A PM perdeu um soldado sem vocação, e o Brasil ganhou um dos seus compositores de maior talento.
“Totalmente desapegado de bens materiais, vendeu grande parte de sua produção, ou pagou dívidas dando parcerias a desconhecidos”, relata Arley Pereira em “A história da música popular brasileira por seus autores e intérpretes”.
Em razão disso, andou estremecido com Cartola, que nunca aceitou negociar suas canções e reclamou com ele quando soube que vendera um samba que haviam feito em parceria (“Devia ser condenada”). Como tinha composto sozinho a primeira parte, e Cartola, a segunda, Nelson não se intimidou e respondeu: “Eu vendi a minha parte…. Tava duro e vendi.”
Resolveram, então, não mais trabalhar juntos para manter a amizade.
O grande parceiro de Nelson, apesar do estilo de vida e temperamento opostos, foi o excepcional Guilherme de Brito. São dos dois entre tantas outras as antológicas “Folhas secas”, “Choro do adeus” “Pranto do poeta”,“O Bem e o Mal”, “Minha festa”, “Luto”, “Tatuagem”, “Quando eu me chamar saudade”, “A flor e o espinho”.
O verso de Orestes Barbosa em “Chão de Estrelas” — “Tu pisavas os astros, distraída,” — era considerado por Manuel Bandeira como um dos mais belos da poética brasileira. Certamente diria o mesmo deste outro: “Tire o seu sorriso do meu caminho / que eu quero passar com a minha dor”, de “A flor e o espinho”.
Nelson deixou mais de 400 composições, nenhuma delas menos do que ótima. Sua primeira música a ser gravada, pelo iniciante Alcides Gerardi, foi “Não faça vontade a ela”, em 1939, mas somente quando Cyro Monteiro o descobriu, muitos anos depois, é que começou a se destacar no meio artístico. Seu primeiro disco, “Depoimento de poeta”, só viria a ser lançado em 1970.
Em 18 de fevereiro de 1986, aos 74 anos, vítima de enfisema pulmonar, ele passou a se chamar saudade.
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Parte final do documentário realizado em 1969 por Leon Hirszman.
Teu corpo é a minha cidade,
nas tuas ruas e avenidas
minha vida transita aflita
ao pulsar do sangue nas artérias.
No calor e na lassidão da tarde
passeio-me aturdido e expectante
pelas tuas alamedas e vielas
espiando-te as janelas entreabertas.
Sensações e ânsias incertas
crescem-me em desmedida
à medida de tua irradiante luz,
mas no súbito obscuro me vejo
a descer a ladeira que conduz
ao beco sem saída do desejo.
Não vos falarei de trabalho.
Trabalho é obrigação, e fi-lo com dedicação.
Prefiro vos dizer da diversão, depois da devoção.
Happy hour no Terraço Itália (onde abraço São Paulo).
Almoço caseiro e prazenteiro com mestre Gilberto.
Balada no Madeleine.
Comidinhas e caipirinhas no Consulado Mineiro, faceiro ao lado do Adoniran.
Docemente conduzido pela Bell, pela Júlia e o namorado Leo, Vinicius (que nem precisa ser de Moraes para ser demais), Murilo, Laura e o querubim Joaquim, que aprendeu a me chamar de Babu, como a Manu.
Eis as fotos, que não me deixam mentir.
Dita a sabedoria popular que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar.
Será mesmo?
Boi voador não pode diz a deliciosa marchinha carnavalesca de Chico Buarque e Ruy Guerra composta para a peça Calabar.
Logo, pode-se dizer também que vaca não cai do céu.
Mas pode cair. E bem em cima da amada, linda e faceira, num romântico barquinho no meio de um lago nos confins da China, no justo momento em que iria receber o pedido de casamento e as alianças de noivado.
Essa a cena inusitada da abertura do filme argentino “Um conto chinês” (Un cuento chino), de baixíssimo orçamento, dirigido por Sebastián Borensztein e protagonizado pelo cada vez melhor Ricardo Darín (impressionante como consegue mudar completamente de tipo com tanta sobriedade e quase nenhum recurso externo)
Absurdo? A vida é um absurdo em si mesma, uma sucessão de acontecimentos inexplicáveis e imponderáveis.
Pelo menos é o que pensa o amargo Roberto (Darín), dono de uma loja de ferragens num bairro humilde de Buenos Aires, herdada do falecido pai. A mãe não chegara a conhecer, morta quando lhe deu à luz.
Veterano da absurda Guerra das Malvinas, Roberto tornou-se um homem ranzinza, metódico, que trata mal os poucos clientes, e com um apurado senso de honestidade, que o faz se indignar e brigar com os fornecedores por uns poucos parafusos a menos nas caixas que lhe foram entregues.
Há mais de vinte anos vive recluso em sua casa, preso à rotina, cheio de manias, como esperar o relógio digital marcar exatamente 23 horas para apagar a luz do abajur e adormecer. Todos os anos, no dia do aniversário da mãe, compra um bibelô e o acomoda na cristaleira junto ao retrato dela.
Além de recortar dos jornais notícias absurdas e colecioná-las em diversos álbuns, seu passatempo de fim de semana é estacionar o velho carro diante do aeroporto e tomar algumas cervejas apreciando pousos e decolagens. Num desses dias, presencia um jovem chinês ser atirado para fora de um taxi e o socorre. Não é difícil perceber que, recém-chegado da China, o rapaz fora assaltado e ficara apenas com a roupa do corpo.
Roberto, claro, não fala chinês, e Jun (Huang Sheng Huang), nada entende de espanhol. Ainda assim, Roberto não consegue abandonar o chinesinho, hospeda-o e passa a ajudá-lo na busca de seu único parente, um tio que moraria em Buenos Aires. Mais um absurdo.
De absurdos em absurdos, entremeados finamente de humor e drama, com meia dúzia de personagens e poucas locações, diálogos enxutos ou quase inexistentes, já que Roberto e Jun somente se comunicam por gestos e, em apenas duas ocasiões, por intermédio do entregador de um restaurante chinês, o filme nos conduz meigamente (como o olhar de Jun) para o seu desfecho.
Qual a ligação disso tudo com a vaca que caiu do céu ou com o sentido que possa ter a nossa existência?
Talvez na singela percepção de que o significado da vida não se acha nas obras notáveis, nas utopias ideológicas, nos grandes feitos ou projetos, mas na própria experiência personalíssima de vivê-la.
Vivir para contarla, como no lindíssimo título das memórias de Gabriel Garcia Márquez (canhestramente vertido para o português apenas como Viver para contar)
Como a vivi para aqui contar.
P. S. Mais uma vez devo a delícia de assistir a um bom filme à dupla cinéfila Carolina e Marcel, que tão logo saíram da sessão me ligaram emocionados e lacrimejantes, intimando-me a ir vê-lo de qualquer jeito. Não satisfeita, e por via das dúvidas, Carolina me tirou de casa na noite seguinte e me levou ao cinema. Quando saímos, indaguei do porteiro quantos dias ainda ficaria em cartaz. Havia sido a derradeira exibição! Obrigado, pois, Carol, por me proporcionar essa “vaca da oportunidade”.
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Muito antes de Aparecida, a menina Maria crescia despreocupada na Galileia, sob o olhar dos pais Joaquim e Ana.
Talvez a chamassem de Mariazinha, e como todas as meninas gostava de brincar de mãezinha e filhinho.
De longe/perto o Padre Eterno assistia à História por Ele escrita.
Havia reservado um grande papel para a menina Maria.
“Triste destino Zeus grande nos deu, para que nos celebrem
nas gerações porvindouras, os cantos excelsos dos vates.”
(Ilíada, VI, v. 357-8)
soneto menor
quatro de outubro, me dizem,
é o “Dia do Poeta”,
mesmo rubro de vergonha
pelos versos que perpetro
(e ora acresço a vexação)
traio o conselho severo
e escrevo de ocasião
em louvor ao grande Homero
suma de tão lida dura
de laborar com palavra
e retirar dessa lavra
a vida que nos traspassa,
essa trapaça bendita
que se diz literatura.