“Você compraria um carro usado dele?”
A importância que os brasileiros damos ao automóvel já se tornou proverbial, e é tamanha que até mesmo se alçou a critério de aferição da idoneidade de alguém ou do grau de confiança que uma pessoa nos merece.
Você compraria um carro usado dos nossos políticos e governantes?
Com licença de Terêncio, sou brasileiro, e nada do que seja brasileiro é alheio a mim. Também gosto de automóvel, bem menos atualmente, mas ainda gosto.
Nunca me esquece a ansiedade dos meus verdes 18 anos pelo primeiro carro, um fusca azul atlântico que meu pai me repassou ao comprar um novo, e que aos poucos incrementei com talas largas, rádio e cassete separados (o cassete ficava numa bandeja, abaixo do painel), volante pequeno de couro (que apenas dificultava ainda mais as manobras sem o conforto da tecnologia hidráulica ou elétrica), escapamento barulhento e outras firulas.
Como Leonardo DiCaprio na proa do “Titanic” sentia-me o dono do mundo. Felizmente não encontrei nenhum iceberg pela frente.
Com o tempo, e cada vez mais, o automóvel passou a ser para mim apenas um meio de locomoção, de que não posso prescindir diante da precariedade do transporte público.
O trânsito irracional, a estupidez da grande maioria dos motoristas, a absoluta falta de solidariedade tiraram-me o prazer de dirigir, que apenas sinto rara e fugazmente numa noite de lua cheia, rodando por uma pista bem asfaltada e com pouco movimento, sem compromisso com a hora de chegar.
Há mais de seis anos não trocava de carro, e não sentia a menor necessidade disso. O meu Honda Civic, que só uso na cidade e está com baixíssima quilometragem, me serve perfeitamente e bem poderia ficar com ele muitos anos ainda.
Todavia, minha mulher (que, aliás, não dirige) e minhas filhas insistiram em me dar de presente de aniversário (que eu pagarei) um automóvel novo: “Você merece, deixa de ser ranzinza e pão duro”. “Daqui a pouco você vai entrar para a confraria dos colecionadores de carros antigos”.
Comprei-o, afinal, repleto de tecnologia e com belas linhas. A burocracia está sendo cumprida e devo apanhá-lo no decorrer desta semana.
Enquanto isso, sinto-me nostálgico por me separar do meu bom amigo, que me acompanhou todos esses anos.
Não sei se isso possa ser classificado como traço materialista, mas costumo me apegar a coisas e objetos que uso durante muito tempo e que de certo modo parece que têm vida e fazem parte da minha vida. O mesmo está acontecendo com os óculos de míope, que uso desde os 17 anos e estou prestes a deixar de vez (opero também esta semana o outro olho).
Um amigo de quando comecei a usar óculos, grande poeta, e que já carregava os óculos há vários anos, disse-me sabiamente naquela época que éramos privilegiados por poder enxergar o mundo com olhos míopes e com a visão normal (ou quase), corrigida pelas lentes.
Quando vejo um automóvel ostentando a inscrição de “Vende-se” no vidro traseiro, fico penalizado com a insensibilidade do dono, ao fazer o próprio rejeitado anunciar o desapreço.
Desse, jamais compraria um carro usado.
Essa nostalgia que v. está sentindo com a troca de carro entendo bem. Sempre fui assim também. Separar-me de um carro por outro, mesmo que mais moderno e bonito, sempre foi difícil pra mim. Parece mesmo que é algo que passa a fazer parte da gente. E também pra mim sempre foram uma forma de locomoção sem uso de transporte público horrível em nossas cidades.
Os óculos já não creio que sentirá muita falta, vai ver. Pelo menos amigos meus que operaram acharam ótima a opção de não precisar mais.
Desejo de que corra tudo bem na cirurgia e que rapidamente esteja por aqui nos brindando com sua presença.
Então o mal é de família, Sonia?
Beijos.
Antonio, o trânsito absurdo de nossas bem projetadas metrópoles (e vias de escape) iguala Ferraris e Fuscas. Para dirigir, questão mesmo só dos meus CDs do coração. Mas não é que bateu saudade do meu Fusquinha laranja? Muito fofo.
Conhece estes versos?
“Numa gaveta trancada há muito tempo
que é um esconderijo de surpresas
que só remexo nas noites de chuva,
encontro o estojo de seu nasóculos,
numa caixinha forrada de couro.”
Assim será. Você vai optar por abrir mão deles e, um dia, Manu o encontrará.
Sucesso na cirurgia.
Beijocas!
Nem tanto, minha querida amiga.
Ainda vou ter de usár óculos para leitura.
Do que gostei.
Outras beijocas.
P.S. Pelos versos, bem se vê que a coisa vem de longe…
Favor ler “os” encontrará.
Bj.
Meu nobre amigo Antonio Carlos Augusto, eu me apego também, até as canetas eu fico triste quando tenho de tracá-las. Gostei “da confraria dos colecionadores de carros antigos”, seu pessoal é bem criativo!
forte abraço
C@urosa
Lindo, dá vontade até de publicar na revista!
Jamais compraria um carro de qualquer político, ainda mais porque estou naquela fase, também ranzinza, de não confiar em qualquer coisa. Hoje, assistindo a um filme em que o mocinho visitava a irmã porque ela nunca respondia às ligações dele, chegando, por fim, a trocar o número. Sem avisar, claro. Depois de um inocente barraco familiar, ela deu o novo número a ele. Ele se despediu e saiu! – SEM conferir se ela tinha dado o número certo… eu teria, imediatamente, sacado o celular e conferido o número. E olha que o cara era policial… Considerei isso uma grave falha do diretor do filme… rsrs
Vou sentir saudade do seu “velho” carro, sempre estacionado a duas vagas do meu. Mas… diante da maravilha, ainda não vista, que o senhor comprou, provavelmente me acostumarei com o novo em pouco tempo.
Esse seu fusca azul atlântico não seria do mesmo tom do azul calcinha? rsrs
E, concordo, absolutamente, com o senhor: só uma pessoa sem coração coloca em seu carro o anúncio de “vende-se”. E se não tem coração… não merece qualquer crédito.