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Konstantinos Kaváfis (1863-1933), poeta egípcio nascido em Alexandria, intérprete do espírito do mundo helênico, foi consagrado póstumamente pela crítica como uma das figuras literárias mais importantes do século XX.
Filho de um rico comerciante grego estabelecido no Egito, então colônia britânica, viveu no confronto com outras culturas sobreviventes, sob o protetorado inglês. Cético, questionador da cristandade, do patriotismo e da heterossexualidade, só depois dos quarenta anos começou a escrever poemas em grego moderno, baseados na experiência pessoal e em reflexões sobre o tempo e a morte, e marcados essencialmente por um erotismo homossexual e o culto à tradição helênica.
Sua obra, composta por cerca de 200 poemas, foi reunida e publicada em um só volume depois de sua morte, ocorrida em Alexandria, poucos dias após completar 70 anos de vida, vítima de câncer da laringe.
Numa pesquisa feita pela Folha de S. Paulo (2000), críticos literários incluem seu poema À Espera dos Bárbaros na oitava posição entre os 100 melhores poemas do século XX.
ÍTACA
Konstantinos Kaváfis
Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Cíclopes
nem o colérico Poseidon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrarás
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Poseidon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
as quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercâncias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.
(Tradução: José Paulo Paes)
Ítaca seria um destino, um lugar a ser alcançado… Pelo menos foi o que nos revelou a Odisséia de Ulisses. Mas, se não houver pressa para chegar a Ítaca, o que será de Penélope, cobiçada por todos os homens do reino? E o cachorro de Ulisses? Sobreviverá se ele demorar muito? Quantos tapetes Penélope terá que tecer de dia e desmanchar de noite à espera do marido, ludibriando seus pretendentes? Ah, Ulisses não pode demorar tanto, não.
Se Ulisses demorar, passando toda a vida a se enriquecer sozinho, distanciar-se-á muito do Ulisses de Homero e o herói descrito por Konstantinos terá que encontrar um outro nome, porque será um outro homem, nunca aquele que tanto esforço fez para voltar à sua Ítaca, aonde estava o seu coração, o seu tesouro.
Mas que o poema é lindíssimo, isso é mesmo! (Mas, usar um mito que vive na mente de todos nós, um herói de outro escritor para inspirar-se, não é legal. Atena, com certeza, o condenaria, sr.Konstantinos!)
Ítaca é a própria caminhada… (com o ‘GPS’ poético de Kaváfis, completa elevação)
Belíssimo, Antonio.
Beijocas!
Obs.: “À Espera dos Bárbaros” – no mínimo, arrebatador – merece a classificação.