“Todos os reis cairão diante dele”
(Salmo 72)
Podia ser assim.
Já fazia uns dez dias que o menino tinha nascido quando Baltazar, sem bater à porta, foi entrando no barraco de Melchior.
— Ô compadre, vou lhe pedir um favor, que só depende da sua boa vontade. É necessário uma viração pro José, que está vivendo em grande dificuldade.
— Mas que José? Zé em dificuldade é o que não falta neste mundo.
— Ele está mesmo dançando na corda bamba, ele é aquele que na escola de samba toca cuíca, toca surdo e tamborim. Faça por ele como se fosse por mim.
— Ah, já sei quem é. Mas do que ele precisa?
— Seguinte. No dia 25 nasceu o filho dele. E ele e a mulher estão na pior, lá no Morro da Carestia. Tá faltando tudo. Ele tá desempregado há mais de ano, vivendo de seus biscates de carpinteiro, aqui e acolá. Precisamos dar uma força pro irmão.
— Tudo bem. O que você não me pede sorrindo que eu não faço chorando. Vamos arrumar uns troços por aí, com a comunidade. Outro que pode ajudar é o Gaspar, que anda bem de vida. Vamos falar com ele.
Dois dias depois os três foram até o barraco de José e viram de perto como a situação era aflitiva. O moleque estava enrolado nuns trapos e dormia sobre um amontoado de palha. Nem colchão tinha.
Deixaram lá umas cestas básicas, roupas e outras coisas mais que tinham conseguido arrecadar.
Baltazar, que era pai de santo, benzeu o menino e acendeu um incenso para lhe abrir os caminhos.
Melchior ficou com tanta pena que tirou o cordão de ouro do pescoço e entregou a José para que vendesse e conseguisse algum dinheiro.
Gaspar foi pródigo nas oferendas. Mas fez questão de deixar um óleo perfumado para a mãe passar no menino e lhe trazer boa sorte, como era da tradição de sua família.
A trancos e barrancos o menino foi crescendo, e desde cedo demonstrou seu talento de líder inato, inteligência e esperteza sem igual. Quando não conseguia por bem, ia mesmo na porrada e ninguém podia com ele.
Hoje, aos 33 anos, é tido como o mais perigoso meliante daquelas bandas (dizem que é o chefe do tráfico de uma nova droga, que mexe com a cabeça das pessoas e da qual pouco se sabe ), temido por muitos, mas adorado pelos seus seguidores.
O Governador Pilatos, em recente pronunciamento em rede de TV, tranquilizou a população, prometendo que em breve a Polícia vai pegá-lo e dar um fim ao seu reinado.
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