Escrevi este textinho em 2009.
Parece que continua atual.
Reler livros que amamos, mais do que um exercício de prazer, é uma nova e apaixonante aventura.
Coisas que passaram despercebidas antes aguardam pacientemente durante anos para então nos assaltar num canto de página, não para nos arrebatar a bolsa e a vida, mas para sortir um pouco mais nossa bolsa e nossa vida.
Coisas que de outra feita tinham despertado nossa atenção desaparecem ou ganham nova forma, novo matiz, com astúcias de prestidigitador.
Tem toda a razão Alberto Manguel ao dizer que um livro se remodela a cada leitura, e que a famosa frase de Heráclito sobre o tempo aplica-se igualmente à leitura: “Nunca mergulhamos no mesmo livro duas vezes”.
Pois não é que num canto de página do Memorial de Aires (livro subestimado por muitos, que o consideram apenas uma obra crepuscular, de adeus, com enredo pobre, sem atentar para as sutilezas do mestre, que alcançam o seu grau máximo), deparo com uma observação do Conselheiro que antecipa o furor voyeurista do Big Brother de Orwell e das patranhadas escabrosas da Vênus Platinada: “Tempo há de vir em que a fotografia entrará nos quartos dos moribundos para lhes fixar os últimos instantes; e se ocorrer maior intimidade, entrará também.”
Não nos esqueçamos de que Memorial de Aires foi publicado em 1908, quando a fotografia era por excelência o instrumento de registro e difusão de imagem.
As primeiras transmissões experimentais de televisão só ocorreriam na década de 1920.
1984, de Orwell, foi publicado em 1949.
O velho e bom Machado era mesmo um bruxo.