Para Regina e Calato, mestres da arte de juntar cacos e corações
Com o coração despedaçado, levou a vida inteira juntando os cacos.
Deixou a família, a casa, o emprego, os amigos, e se foi catando os cacos por ruas, vielas, becos, jardins, dia e noite.
Um caco aqui, outro acolá, ia vivendo aos cacos.
Pouco a pouco ficou um caco, o cabelo e a barba desgrenhados, as roupas rotas, os sapatos furados, mas ele seguiu catando os cacos.
Tornou-se a figura folclórica da cidade. Sabiam que era incapaz de fazer mal a alguém, mas as mães ameaçavam os filhos rebeldes:
— Se você não comer tudo, eu chamo o catador de cacos para te levar no saco.
E as crianças logo devoravam os brócolis, as vagens, os quiabos, os espinafres e os jilós.
Já muito velho e carcomido, com o saco cheio, um dia o coração partido espatifou de vez.
Até então não havia conferido os cacos catados. Acostumara-se a catá-los simplesmente.
De joelhos, antes de desfalecer, juntou as últimas forças e despejou o saco, mas não percebeu que de lá caíam estrelas, luares, raios de sol, entardeceres, alvoreceres, flores, borboletas e pássaros, sorrisos e olhares em meio aos cacos.
Com os olhos baços, só viu que à frente de si tinha um cacófato (que lhe serviu de sarcófago).
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Veja no link abaixo alguns cacos dos trabalhos da Regina e do Calato
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