Para Regina e Calato, mestres da arte de juntar cacos e corações
Com o coração despedaçado, levou a vida inteira juntando os cacos.
Deixou a família, a casa, o emprego, os amigos, e se foi catando os cacos por ruas, vielas, becos, jardins, dia e noite.
Um caco aqui, outro acolá, ia vivendo aos cacos.
Pouco a pouco ficou um caco, o cabelo e a barba desgrenhados, as roupas rotas, os sapatos furados, mas ele seguiu catando os cacos.
Tornou-se a figura folclórica da cidade. Sabiam que era incapaz de fazer mal a alguém, mas as mães ameaçavam os filhos rebeldes:
— Se você não comer tudo, eu chamo o catador de cacos para te levar no saco.
E as crianças logo devoravam os brócolis, as vagens, os quiabos, os espinafres e os jilós.
Já muito velho e carcomido, com o saco cheio, um dia o coração partido espatifou de vez.
Até então não havia conferido os cacos catados. Acostumara-se a catá-los simplesmente.
De joelhos, antes de desfalecer, juntou as últimas forças e despejou o saco, mas não percebeu que de lá caíam estrelas, luares, raios de sol, entardeceres, alvoreceres, flores, borboletas e pássaros, sorrisos e olhares em meio aos cacos.
Com os olhos baços, só viu que à frente de si tinha um cacófato (que lhe serviu de sarcófago).
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=izmVLk6eh6c]
Veja no link abaixo alguns cacos dos trabalhos da Regina e do Calato
http://www.arteoficiomosaicos.com.br/
Era uma vez, há muito tempo, numa época como essa (era 7 de setembro), numa pequena cidade do interior, de um empoeirado armazém de sacarias… saíam estranhas criaturas empoeiradas (músicos? cantores? lutadores?) e se misturavam com os nativos que assistiam à parada militar. E também assustavam as criancinhas. Ali se iniciava sua missão: catar cacos. Passados, presentes e futuros. E continuam nessa labuta até hoje. Menos empoeirados, talvez… talvez mais apaixonados. Hoje há mais fartura. Hoje há mais ternura. Há abundância de matéria prima para a poesia… para as canções. Cacos.
Belíssima homenagem aos queridos Regina e Calato,
que enobrecem a essência dos cacos
em seu maravilhoso artefato.
Parabéns, parceiro…
compartlho esse ato.
Concordo plenamente com o Brenno… a homenagem a Regina e Calato é muito bonita, mas o caco de um coração também pode significar um amor não correspondido, desses que penetram no âmago da alma.
“O amor é a coisa mais triste quando se desfaz…”
Abraços,
André
CONCORDO ANDRE…
De uma forma ou outra, passamos a vida juntando os cacos.
Por vezes só pra juntar, outras pra remontar e outras nem sabemos como encaixar.
Transformar os cacos em arte é muito especial.
“… mas não percebeu que de lá caíam estrelas, luares, raios de sol, entardeceres, alvoreceres, flores, borboletas e pássaros, sorrisos e olhares em meio aos cacos.” Bom seria como nos filmes: que a cena rodasse ao contrário, o homem acordasse para tanto desperdício e de sua infinita tristeza acontecesse algum você…
Linda crônica! (comme d’habitude)
Tom, Vina e Joãozinho…
Um encanto o trabalho dos artistas linkados, sobretudo o do casario (Paraty?).
Beijocas!
Maravilhoso participar deste blog! Além de seu autor, os comentários, um a um, vão revelando a sensibilidade dos leitores, que se manifestam lindamente, talvez enaltecidos pela fina percepção e facilidade de expressão daquele que aqui nos reúne.
Assim que sai o post, leio. Então, fico sem saber o que dizer, tamanha é a gratificação despertada pela descoberta de mais um tesouro, desta vez simbolizado pelos inúmeros cacos que vamos juntando de tudo o que se pode quebrar ao longo desta vida.
Daí a constatação de que, mesmo aos pedaços, somos bastante ricos neste mundo, e que… viver vale as penas!