Nenhum lugar é melhor do que a sua casa
Sair de Londres foi fácil. Viver um fim de semana em Edimburgo com o meu primo foi mais fácil ainda. Não tem nada melhor do que a gente encontrar alguém da família, que fala a sua língua, que tem o mesmo sobrenome, o mesmo jeito, as mesmas piadas… Encontrar meu primo em um país que jamais imaginei conhecer como a Escócia foi algo inesquecível. A cidade de Edimburgo é mínima e bastam algumas horas para você conhecê-la por inteiro. Por isso, parecia que estávamos tirando férias na casa da avó. Todos os escoceses são muito gentis e parecem que te conhecem de longa data. A noite é super animada. Pubs com música ao vivo, bares incríveis… É uma cidade tão tranquila que até pudemos conhecer outra, Stirling, que não tem muita coisa além de um castelo.
Deixei o Felipe dormindo no hotel e parti para o terceiro trecho na minha viagem na segunda-feira. Já saí de lá com saudade dele e preocupada com a minha mala que estava muito pesada. Ao chegar com antecedência no aeroporto senti que dali em diante mais nada seria fácil. Diferente do que li no site da companhia aérea (23 kg permitidos), só pude levar 20 kg. Ou seja, tive que pagar 2kg excesso de bagagem, desfazer de algumas coisas. Enfim, encarei como um momento de desapego necessário da viagem.
Chegando em Dublin tive a ingrata surpresa de não ver a minha mala na esteira. Outros dois passageiros também estavam na mesma situação. Me juntei a eles e fomos conversar com um representante da companhia aérea que rodou o aeroporto e não achou as malas. Ele disse que não tinha mais nada a ser feito, que se as malas tivessem ficado em Edimburgo elas poderiam chegar em um voo do mesmo dia, mas que teria que checar. Vou poupá-los do calvário que tem sido até então. Hoje é quarta-feira. Minha mala está em algum lugar da Inglaterra. Depois de duas negativas , eles “esperam” que ela chegue hoje a noite. Não sei mais o que esperar.
Em uma viagem, a mala é sua casa. É onde você se encontra. Quando cheguei em Dublin choveu três dias sem parar. Quando digo sem parar é sem parar mesmo. Um frio infernal. O vento aqui é impressionante. E eu só tinha uma roupa molhada. Depois de chorar, chorar e chorar, tomei coragem e comprei outra. Mas não adiantou. Continuei me sentindo triste e abandonada em um lugar cinza que não fala a minha língua. Tentei pedir ajuda para várias pessoas que apesar de serem super simpáticas não tem muito o que fazer. Ainda estou lutando contra uma sensação estranha de abandono.
Não entendo as regras em Dublin. Tem carro na mão esquerda e na mão direita. Tem castelo medieval mas tem pixação. Aqui, se você está muito bêbado, não pode entrar no bar. A perda da minha mala parece ter sido minha culpa. A companhia aérea nem sequer pensa em me ressarcir. É difícil tentar entender tudo isso junto sem ter completo domínio da língua. Não dá pra brigar em inglês. Pra xingar com vontade, tem que ser na nossa língua materna.
O único local onde fiz bons amigos é onde não se precisa falar muita coisa: o bar. A linguagem universal da cachaça domina por aqui. Foi no bar do hostel que conheci uma australiana que estava passando pela mesma situação que eu. Desolada, ela também teve as malas perdidas pela mesma companhia aérea. Isso nos aproximou e nos ajudamos. Assim conhecemos um outro cara de New Castle, um local de Dublin, dois outros de Melbourne e três da Áustria. Foi com essa trupe louca e sedenta que saí ontem. Fizemos um Pub Crawl só nosso liderado pelo menino de Dublin. Fizemos mais amigos no caminho e no final parecíamos uma família estranhamente bêbada em que um cuidava do outro. Perdi a conta de quantos Pubs entrei. Lembro até o oitavo. Depois, decidi ir embora.
Eu era a única latina. Eles não tem a menor noção do Brasil. É como se eu fosse um ET. Por isso, me adotaram. Tentei passar várias referências. Me peguei várias vezes defendendo enfaticamente o Brasil como nunca fiz. Disse que gosto de caipirinha, que amo futebol, que sei sambar, que no Brasil o cigarro custa praticamente 2 euros, a cerveja também. Disse que a Copa será incrível e as Olimpíadas um sucesso. Falei da Amazônia, do Pré-Sal e até da Dilma Roussef. Disse que reciclo lixo, me importo com o carbono zero e que as pessoas andam com carro movido a cana-de-açúcar. Nada disso os convenceu de que o Brasil é o melhor lugar do mundo. Hoje, para mim, é.
Bell Gama
setembro/2012
St. Patrick, Arthur e São Longuinho
Seria impossível começar o dia de hoje sem escrever no blog. Ontem postei um texto contando da minha saga sem a minha mala em Dublin. Depois de publicá-lo recebi mensagens lindíssimas. Quando o fiz me senti até um pouco infantil de ficar sofrendo pela minha mala. Meus queridos Allex Colontonio, Marcel Gomes e Marina Menezes me relataram seus episódios quando passaram pela mesma situação. Meu coração ficou mais calmo. Eu não estava mais sozinha e sabia que tinha gente torcendo por mim e indignada com a situação. Por isso escrevo para contar o próximo episódio do capítulo da novela “Cara, cadê minha mala?”.
Decidi levar o conselho de alguns adiante e fui tentar conhecer Dublin. “Não deixe que isso estrague sua viagem”, muitos disseram. Pois bem, apesar de achar impossível levá-lo em frente porque a sua cabeça só fica pensando “eu to aqui passeando e minha mala tá em algum lugar do mundo”, decidi dar uma volta. Como já disse, o primeiro lugar que vou é sempre em uma igreja. E se era para apelar para um santo, fui direto ao St Patrick. Ele é o padroeiro da cidade e em sua homenagem é feita a maior festa de Dublin no mês de abril. Todo mundo veste verde e enche a cara. Fui lá na bela Catedral meio gótica, meio medieval que tem quase 1.000 anos (erguida em 1192). Fui direto para o altar. Abaixei a cabeça e pedi pela minha mala. Enquanto pedia, também vinha outro pensamento. “Se a minha mala não voltar, me ajude a lidar com a situação”. Pedi para que ele não me fizesse odiar a cidade que era dele. Pedi intervenção imediata. Eu estava me sentindo muito fraca e indefesa e chorei muito na igreja.
Olhei as lindas esculturas por lá. Caminhei pelo jardim e … juro, o céu que estava cinza e chuvoso desde que eu cheguei abriu. Pensei que talvez pudesse ser a única oportunidade de ver a cidade sem chuva e decidi que era um sinal e precisava continuar. Fui andando pelos arredores da área Viking Medieval, passei pela Christ Church Cathedral (1030), pelo Dublin Castle (1204), Chester Beaty Library Galleries e o City Mall. Comi um crepe (graças a Deus, um crepe!) nas proximidades do Temple Bar e voltei para a Jervis, um shopping que fica numa rua comercial onde tem sido o meu destino diário para comprar roupa, escova de dente, calcinha, essas coisas. Lá, vi um vestido florido e alegre. O sol já estava a pino. E pensei, quer sabe? Cansei de vestir roupa velha e suja aqui. Estava me sentindo um lixo. Provei o vestido, ficou lindo. Levei. Voltei para o hostel (nada da mala). Fiquei no quarto por um longo tempo pensando em não descer mais. Apesar de ter curtido o passeio, a mala não saia da minha cabeça. Depois, quando não aguentei mais ficar no quarto, desci e encontrei meus amigos gringos (nosso acordo é sempre estarmos as 17h no bar do Hostel). Lá estavam Michelle (Australia) e Andy (New Castle). Eles me perguntaram se eu não gostava mais deles e eu disse que estava cansada, estressada, desiludida, de saco cheio. Para Michelle, motivos suficientes para encher a cara. Me fizeram tomar um Guinness e alguns shots de sei lá o que. Tomei.
Tentei dormir, não consegui. Chorei. Pensei no que poderia fazer. Repensei por que estava me sentindo tão fragilizada. Pensei em tanta coisa que minha cabeça entrou em parafuso. No Brasil, todas as terças-ferias, meus queridos Murilo, Gill, Lau e Vina se encontram em casa para a nossa “uísqueterapia”. Eles me mandaram fotos, disseram que estavam pensando em mim e minha vontade era pegar um avião e correr para os braços deles. Como isso seria impossível, bolei um plano doido. Pensei em acordar o mais cedo possível e ligar para a companhia aérea. Se eu não tivesse uma resposta satisfatória, procuraria o consulado. Se não conseguisse nada, procuraria a imprensa. Pensei: sou jornalista, vou escrever para algum colega falando do descaso da Aer Lingus com seus passageiros. Procurei matérias referentes ao assunto e encontrei. Já fui pauteira e pensei em associar ao Arthur´s Day, que é hoje. Fiz o lead todo na minha cabeça. Já pensei na tradução Depois pensei em fazer um flash mob no aeroporto para chamar a atenção. Enfim, achei que estava enlouquecendo. Era 4h da manhã, tomei um Frontal e capotei.
Me arrastei para a recepção hoje de manhã (fruto do remédio). Perguntei por minha mala, ela não havia chegado. Liguei na companhia, a mulher pediu para esperar. Caiu a ligação. Liguei novamente, outra disse que me retornaria. Mas não retornou. Liguei para o consulado. Eles pediram para eu mandar um e-mail para ver o que poderiam fazer, mandei. Decidi ligar de novo na companhia aérea. MILAGRE! Minha mala havia chegado. Já estava no aeroporto e seria encaminhada pra mim hoje a tarde! Chequei se era verdade no meu site e CONFIRMADO. Minha mala já estava em Dublin. Minha vontade era gritar no meio do lobby do Hostel. Fiquei paralisada. Não sabia o que fazer. Saio? Fico aqui? Vou para o aeroporto? Acordo todo mundo no Brasil? Enfim, o que se faz nessa hora é fumar um cigarro. Fui fumar e de repente vejo uma MIRAGEM. Um senhorzinho com a minha mala na mão vindo em direção ao Hostel. Corri para ele e disse que era minha. Ele perguntou meu nome e se eu era do Brazil e eu disse: YES!
Como a Marina Menezes disse, a vontade é de abraçar a mala, abraçar todo mundo! Subi, tomei um bom banho com todas as minhas coisinhas. Passei todos os cremes. Arrumei minha roupa e agora estou aqui de vestido florido. Esperando para erguer um(s) copo(s) de Guinness e agradecer ao Arthur´s Day, St. Patrick e especialmente São Longuinho!
Cheers!
Obrigada a todos!
Bell
(setembro/2012)
A falta
da mala
faz a Bell amá-la.
(e lavrar esse texto corrente,
escrito como se fala)
Bell, que malíssima suerte! Vou resumir: Barcelona 40 graus de um calor infernal. Roupa do corpo. Uma semana esperando as malas. Elas chegaram, disse o moço da recepção. Subi voando. Encontrei malas vermelhas vindas da China. Uma mulher disse “vá ao aeroporto”. Fui. Num galpão ENORME, onde dormiam dezenas de malas, encontrei as minhas. Tem coisa mais importante que nossa escova de cabelos? Você vai encontrar sua mala, Bell, tenho certeza. Se precisar me chama, tá bom? Eu ajudo a procurá-la. Estarei por aí pertinho. Embarco amanhã. Besos y muy buena suerte, nena hermosa!
Tive de voltar, hahahahaha! Eu não disse que você encontraria a sua mala, Belzinha? hehehehe…que BOOOOMMMMM! Bom, não, MARAVILHOSO! O dia em que encontrei minhas malas, em Barcelona, foi o dia mais feliz da minha vida..hahahaha…
E tô aqui falando com essa intimidade toda porque sou amiga do seu papi. Conheci ele no Blog da MH e depois a gente se encontrou de novo no Blog da Selminha, que é o Bloghetto, que é lindo e que tem um grupo de amigos muito lindo. Adoro ler o seu pai, Bell. Ele escreve lindamente.
Um pedido: uma ave-mariazinha por minha malinha, please..rs…porque o sapato mais lindo que tenho tá nela. E, também, dois livros de Direito, muito pesados, e sem os quais não posso viver..rs…ela vai para Portugal amanhã e cinco horas depois chegarão – tenho fé – em Bruxelas..rs…
Un beso, Bell. Fiquei feliz de você ter encontrado a sua mala.
Desculpe, eu quis dizer “chegará” – é uma única mala, quer dizer, duas: eu e ela..hehe…
Shophie, obrigada pelo comentario e pelas mensagens de carinho. Eu encontrei minha mala e perdi meu passaporte. E isso porque dizem que a Irlanda eh o pais da sorte. Mas, bola pra frente. Depois dessa viagem, encaro qualquer coisa. Obrigada de verdade pela torcida. Espero que suas malas tenham chegado. Fico muito feliz que goste dos textos do meu pai. Sou filha coruja. Amo tudo o que ele faz. Fico muito feliz que o blog tenha dado a ele tantos amigos. Boa viagem. Aproveite muito!
Bell, adorei seus relatos, o humor, a leveza…
E quer saber? Eu abraçaria minha mala encontrada.
Beijocas!