(Raymond Depardon)
“Ele foi apaixonado por ela. Não, apaixonado não é a palavra: era um bem querer que ultrapassava qualquer necessidade de tocar seu corpo e acabar na cama. Não que isso estivesse fora de cogitação, mas não era o objetivo final. Não havia objetivo algum, a não ser olhar e ir gostando, gostando. Gostando para nada, o que se naquele tempo já era difícil de entender, imagine hoje de explicar. (…)
O tempo passou: ele teve muitos casos, ela se casou algumas vezes, mas sempre que se encontravam guardavam um silêncio respeitoso sobre seus amores passados ou presentes. Esse era um assunto rigorosamente tabu, como se tivessem tido um caso de amor intenso. Até os amigos comuns percebiam a delicadeza do tema e disso não se falava. (…)
Muito tempo se passou e um dia, numa tarde de domingo, a troco de nada, começou a pensar nele. Por que, afinal, nunca tiveram nada um com o outro? Por quê?
Ficou pensando: se divertiu muito na vida, deu muita risada, fez muita bobagem, brincou infindáveis vezes de se apaixonar, machucou muito e foi muito machucada, mas sempre levou a sério algumas regras de conduta que nem ela sabia que tinha, mas que sempre respeitou. Uma delas é que não se pode brincar com os sentimentos dos outros, não quando eles são sérios; não com os de uma pessoa como ele.
Agora, na tal tarde de domingo, fica pensando em quanto gostaria que ele soubesse disso, que soubesse porque nunca houve nada, nem um braço encostado por acaso. Não que ele houvesse algum dia tentado, mas por certo gostaria; claro que gostaria.
Mas sente que não foi preciso; ele, que era incapaz de fingir ou mentir, sempre soube que ela, à sua maneira, também não.
No fundo ela sabe, sempre soube, que eles se gostaram e de certa maneira se amaram, no que isso tem de mais sério, de mais direito.
Foi só isso, e isso é muito.”
Trecho de um delicado depoimento que Danuza Leão escreveria, décadas mais tarde, sem jamais citar o nome do apaixonado. Li-o, encantada, em “Rubem Braga – Um cigano fazendeiro do ar”, cuidadosa biografia do cronista, escrita por Marco Antonio de Carvalho.
Sim, era Rubem aquele homem.