Posts from abril, 2013

 

 

“Corsário” (João Bosco / Aldir Blanc)

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=5tS2d_ESQbU[/youtube]

 

 

                                               E então, que quereis?…

 

                                                                                                          Maiakóvski

 

                                   Fiz ranger as folhas de jornal

                                   abrindo-lhes as pálpebras piscantes.

                                   E logo

                                   de cada fronteira distante

                                   subiu um cheiro de pólvora

                                   perseguindo-me até em casa.

                                   Nestes últimos vinte anos

                                   nada de novo há

                                   no rugir das tempestades.

                                   Não estamos alegres,

                                   é certo,

                                   mas também por que razão

                                   haveríamos de ficar tristes?

                                   O mar da história

                                   é agitado.

                                   As ameaças

                                   e as guerras

                                   havemos de atravessá-las,

                                   rompê-las ao meio,

                                   cortando-as

                                   como uma quilha corta

                                   as ondas.

 

 

Por oportuno…

 

 

… ele respondeu

 

 

Brenno Augusto Spinelli Martins

Brenno (facebook)

 

 

 

 

 

 

 

                    Beijo o mesmo mar que te lambe agora

                    Abraço o mesmo sol que te acaricia a pele

                    Sinto o teu perfume no mesmo vento que te arrepia nesse instante

                    Aspiro o mesmo ar de maresia que  expiras nesse momento

                    Me aconchego no mesmo coração que te envolve agora

                    Estremeço do mesmo amor que agora te estremece

                    Sinto na língua o sabor agridoce da mesma saudade que tu sentes agora

 

                    (Mesmo que eu mande mensagens

                    em garrafas de náufrago

                    de todas as ilhas desertas

                    que eu aportar

                    não conseguirei esvaziar

                    meu coração da agitada saudade

                    que dele transborda

                    do secreto amor

                    que dele aflora

                    da suave ternura

                    nele impregnada)

 

garrafa ao mar

 

 

Conchavo

 

 

 concha 4

                                                                           

A concha aconchega

todos os mares.

Mas pra que  chegar?

A viagem chega.

 

 

 

 

barquinhos

 

 

“Fado dos Barcos”, Pierre Aderne e Cuca Roseta 

pierre_aderne_part_cuca_roseta_-_fado_dos_barcos

 

 

Fado dos Barcos (Pierre Aderne)

 

A tarde a cair

Os barcos a passar

E as velas desses barcos

Iluminam as noites deste mar

Há barcos que navegam

E se encantam noutro mar

Há barcos que balançam com saudade, saudade de voltar

 

Eu ouço o canto do mar

De lá que vem, do barco de alguém

Do mar de quem procura também como eu

Uma ilha e seu mar

 

Eu canto pros meus barcos com o mar no coração

Os barcos a sumir os acomodo na minha mão

Se um dia um desses barcos ancorar na minha aldeia

O convido a navegar

Pelos mares, os mares das minhas veias

 

 

 

Porquinho-da-índia

 

 

“Porquinho-da-Índia” (Manuel Bandeira), declamado por José Maria Alves

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=xQHP-7IqQ2o[/youtube]

 

 

                                               PORQUINHO-DA-ÍNDIA

 

                                                                                                              MANUEL BANDEIRA

 

                        Quando eu tinha seis anos

                        Ganhei um porquinho-da-índia.

                        Que dor de coração me dava

                        Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!

                        Levava ele pra sala

                        Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,

                        Ele não gostava:

                        Queria era estar debaixo do fogão.

                        Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…

                        — O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.

 

O rato que urge

 

 

 porquinhodaindia

 

 

Kim-Jong 2

 

O menino Manuel Bandeira sofreu a sua primeira desilusão amorosa com um porquinho-da-índia que só queria estar debaixo do fogão e não fazia nenhum caso das suas ternurinhas.

O menino ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, parece um porquinho-da-índia, mas se comporta ao contrário daquele do menino Manuel. Em vez de só querer estar debaixo do seu fogão, põe-se a esbravejar, ameaçando tocar fogo no mundo, louco para receber uma ternurinha. 

O teatro de guerra de Kim Jong-un me fez lembrar de um grande filme, verdadeiro clássico, “O Rato que Ruge” (“The Mouse that Roared”), em que o magnífico Peter Sellers, como costumava fazer, protagoniza diversas personagens.

O minúsculo ducado de Grand Fenwick, que ainda vive na era da espada e do arco e flecha, atravessa uma grave crise financeira porque seu único produto de exportação, um vinho fino, é vendido mais barato por uma companhia norte-americana. Seus governantes, a Duquesa e o Primeiro Ministro (ambos interpretados por Peter Sellers) têm então a brilhante ideia de declarar guerra aos Estados Unidos, na certeza de que, depois vencidos, passarão a receber ajuda para se recuperar.

Acontece, porém, que ao invadirem Nova Iorque vestidos e apetrechados como cavaleiros medievais, os bravos soldados do ducado, sob o comando de outro personagem vivido por Peter Sellers, encontram as ruas vazias por causa de uma simulação de ataque aéreo, capturam por acaso um cientista com a nova e poderosíssima arma por ele desenvolvida (uma bomba com o formato da bola oval de futebol americano, que de vez em quando estridula ameaçadoramente) e assim acabam por ganhar a guerra, com a capitulação incondicional dos Estados Unidos!

O filme tem um final feliz, mas resta saber se Kim Jong-un é apenas um rato gordo que ruge ou um rato louco que urge.

 

o rato que ruge 2

 

 

 

Direto do jardim

 

      Selma Barcellos

Selma 2

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Queridos, se já conhecem a notícia a seguir, vale repensar. Se não, o Bloghetto (e agora o Estrela Binária) fica feliz com a “primeira mão”.

Tempos atrás, o jornal Washington Post elaborou uma pesquisa sobre percepção, gosto e prioridades das pessoas. Para isso, colocou um rapaz de jeans e boné tocando violino, por quase uma hora, numa manhã fria de janeiro, em hora de rush, com milhares de pessoas circulando a caminho do trabalho, numa estação de metrô de Washington D.C.

Os pesquisadores observaram que a maioria das pessoas não parou (apenas seis o fizeram), algumas pararam por segundos e partiram consultando seus relógios, e outras apenas jogaram dinheiro, sem sequer interromperem o passo. As únicas pessoas a quem a cena verdadeiramente sensibilizou foram as crianças, que pararam, mas foram logo puxadas pelas mães para que não se atrasassem. Ao final da apresentação, nenhum aplauso, apenas $32 no chapéu.

O que ninguém sabia é que aquele músico era Joshua Bell, um dos maiores violinistas do mundo, que havia tocado uma das mais difíceis e belas peças de Bach, e que seu violino valia algo em torno de 3.5 milhões de dólares. Sem contar que, dias antes, Joshua lotara um teatro em Boston, com o ingresso mais barato custando $100.

À pesquisa, seguiram-se alguns questionamentos: será que em local e hora inadequados conseguimos perceber beleza? Paramos para apreciá-la? Reconhecemos talento num contexto inesperado? Se não conseguimos parar e ouvir um dos melhores músicos da atualidade, com o mais perfeito violino já fabricado, tocando uma das mais fantásticas músicas jamais compostas, quantas outras maravilhas estamos perdendo em nossas vidas?

Mas, efetivamente, o que  me remeteu a essa notícia requentada, na contramão de  elementar regra de jornalismo?

É que em tempos tais que vivemos, de insuportável insanidade, desmandos com a natureza, guerras sem fim, especulações mirabolantes e bolhas irresponsáveis que estouram na cara do mundo e o arrastam , com os olhos embaçados, para dentro do poço, tenho procurado agir como crianças que, tocadas pela beleza, param para apreciá-la.

Hora de descobrir maravilhas, ouvir boa música, ler, apurar a espiritualidade. Cultivar meu jardim, como quis Voltaire. Tenho-me concedido, na medida do possível, um saudável distanciamento da aspereza cotidiana  e convidado minha criança para brincar. Sabem aquele verso do Milton “toda vez que a bruxa me assombra, o menino me dá a mão…”? Assim.

Como Joshua, aqui e ali vou percutindo meu instrumento – a palavra, companheira inseparável – para os que passam, apressados ou nem tanto, por minha estação. Já me sinto no lucro. Não o dos especuladores ensandecidos, mas o verdadeiro e nada volátil lucro dos que são, de alguma forma, vetores de sentimentos, emoções, ideias.