Posts from setembro, 2013

Receba as flores que lhe dou

 

            Selma Barcellos

Selma no Jardim de Luxemburgo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sergio Porto (caricatura de Lan)

 

Tunica, eu tô apagando” foram as últimas palavras de Sérgio Porto, nosso Stanislaw Ponte Preta, em setembro de 68, vítima de infarto e possivelmente excesso de trabalho, uma vez que a amigos próximos andara se queixando de “levantar o olho da máquina de escrever só pra botar colírio”.

Forte, bonito, elegante, simpático, inteligente, Porto era um privilegiado sem exibicionismos, a quem “só faltava dinheiro, como de resto ao grupo todo,” ─ escreveu Paulo Mendes Campos, amigo de décadas ─ “que mesmo mal pagos, tínhamos de aceitar as ofertas que a imprensa nos fazia como um favor, bicando aqui e ali, sofrendo na carne os atrasos do caixa, brigando pelo dinheirinho de cada dia. Mas o clima não era de miséria nem de tristeza: bebíamos crepuscularmente nosso uísque escocês no Pardellas da Rua México, dançávamos no Vogue, andávamos de táxi. Já que o dinheiro era pouco, o jeito era gastá-lo no essencial: o apartamento próprio que esperasse.”

 Dono de tentações irresistíveis ─ “passear na chuva, rir em horas impróprias, dizer ao ouvido de mulher besta que ela não é tão boa quanto pensa” ─ e medos absurdos ─ “qualquer inseto taludinho (de barata pra cima)”, Porto se aborrecia quando o julgavam um cínico; era apenas um sentimentalão que não “aguentava uma gata pelo rabo” . Em poucas palavras traçou o retrato de uma época dourada, mas repressiva em matéria de sexo, em que as praças e cantinhos escuros eram o desafogo: “Se peito de moça fosse buzina, ninguém dormia nos arredores daquela praça.”

 Numa chegada a Buenos Aires, ainda segundo Paulinho Mendes, “avião estacionado, entrou nele um médico da saúde pública, um homem ruivo e bastante calvo. Pedindo aos passageiros que exibissem o atestado de vacina, o médico estendeu a mão para Sérgio, ao mesmo tempo que dizia em tom cavo e impessoal: “Vacunación, señor.” Como se estivesse recebendo um cumprimento de boas-vindas, Stanislaw (aí era ele), muito grave, apertou a mão do médico, falando claro e efusivo: “Vacunación para usted también?” O médico, rubro de indignação, expulsou-nos do avião, sem mais exigir o documento sanitário e, enquanto eu explodia de rir, ele sussurrava-me entre os dentes: “Aguenta a mão, se não a gente acaba em cana.”

Lembro-me da comoção que a notícia da morte prematura (45!) de Stanislaw e, com ele, de Tia Zulmira, Primo Altamirando e Rosamundo, causaram em mim e no pai. Líamos e ríamos juntos daquelas tantas delícias.

Lan dedicou ao amigo a genial caricatura que ilustra o post. Admiravam-se em suas artes. Ainda que Stanislaw o entregasse em alguma coluna:

 lanestrela

 

Como tem bamba lá em cima. Já pensaram Stanislaw, Millôr, Braga e Drummond no uisquinho crepuscular? Se tiver primavera então…