Posts from janeiro, 2014

O homem completo

 

                  Annibal Augusto Gama

Annibal

 

 

 

 

 

 

 

O homem completo é aquele que está vestido de paletó, camisa, gravata, colete, cuecas (admito também as ceroulas), calças, meias, sapatos. E por cima, um sobretudo. Talvez também um guarda-chuva e óculos. Ah, há ainda os suspensórios. E o homem completo circula assim, tratando de seus negócios com outros homens nem sempre completos. Mais tarde ele vai para a sua casa e despe-se de sua indumentária. Tira, uma a uma, as peças da sua roupa, e fica nu. Mas nu, sente que lhe falta alguma coisa: a sua completude.

Em Portugal diz-se que o homem daquela maneira vestido, está com o seu fato. Ou os seus fatos. Ele porém não é um fato. De fato, precisa, a vida inteira, fazer-se, e nunca chega a fazer-se por inteiro.

Também se propala que o homem sem mulher não vale nada. Estou de acordo. Se bem que mulher antes desfatada, isto é, nua.

Antes, no começo do século XX, para se despir uma mulher gastavam-se horas. Era preciso tirar-lhe o chapéu, as luvas, a blusa, a saia, a combinação, as anáguas, o corpete, as calcinhas, o sutiã, os brincos, as ligas, as meias, os sapatos. Pensam que este trabalho todo aborrecia ou fatigava o homem completo? Ao contrário: quanto mais ele desvestia a mulher, mais ficava aceso.

Os costumes (também nome das vestes) e as modas mudam. Atualmente, não se precisa despir uma mulher. Ela já vem despida e pronta para a cama.

O meu cachorrinho Pichorro é muito peludo, e os seus pelos são a sua indumentária. Tenho de escová-lo todos os dias. O meu papagaio Horácio veste-se com as suas penas verdes e algumas vermelhas. Só o seu bico é nu. Ambos, porém, estão sempre completos, têm a sua completude, que eu nunca tenho e pode ser que nunca terei.

Só os defuntos estão completos. Mas foram vestidos por outros. E acho que, no caixão, deveriam estar nus. Nus, e dando uma banana, para nós outros, que não atingimos nunca a nossa completude.