Posts from janeiro, 2014

Da arte de perder

 

        Annibal Augusto Gama

Annibal

 

 

 

 

 

 

Assim como há uma arte de vencer, há uma arte mais sutil, que é a arte de perder.

As pessoas que preferem ganhar sempre, esquecem que a vitória é uma euforia passageira, carregada de obrigações e compromissos que pesam desmesuradamente, enquanto perder se torna uma lembrança permanente, com muitas reflexões: “Se não tivesse acontecido isso, se aquela bola não tivesse batido na trave, se eu tivesse feito aquilo, e não o que fiz…”

Quem olha com desprezo o perdedor esquece que ele também afinal vai perder, de um modo ou de outro. Perder é projetar-se para o passado, enquanto ganhar traz sempre a inquietação de se conservar e se preservar.

Aconselha-se aos que vão vencer: “Não perca a estribeira”. Já os perdedores não têm compromisso nenhum com o estribo, nem com o cavalo. Vão aonde os levam o cavalo, o vento e a estrada.

Uma camisa da qual se perdeu os botões deixa à mostra o peito que será bafejado pela brisa fresca da tarde. Ao contrário, os ganhadores conservam os botões abotoados até o pescoço, e abafam-se.

Vejam os casos dos ganhadores da sorte grande: eles precisam mudar-se de um lugar para outro, estar cercados de guarda-costas, perdem o sono, com medo de ser roubados, e já não têm sonhos deliciosos. O perdedor vai para onde quer, e pendura o chapéu em qualquer lugar.

Os vencedores não encontram explicação para a sua vitória, ou acham que tiveram mais coragem, mais energia, mais perspicácia; e não podem dizer, como os perdedores: “Perdido por perdido, truco!”

A mulher que você amou e perdeu continua sempre presente. E não envelhece, é sempre bela. Mas a mulher que você não perdeu lhe inferniza a vida. Você a cada dia acha nela defeitos que a outra, a perdida, não tem.

E aqui está a verdade: o melhor da festa é esperar por ela. Porque a festa é sempre a mesma coisa, e você acaba entediado ou embriagado.

O certo é que, quando você perde, ou se perde, você se acha. E o ganhador jamais se acha.

Um projeto que não se realizou pode ser um projeto que ainda se realizará. Mas, realizado, ele pode ter conseqüências desastrosas. Por isso, a Otávio, vencedor no Egito, prefira Marco Antônio, que teve Cleópatra nos braços.

Um navio encalhado, que jaz no fundo do mar, conserva o tesouro que continua sendo buscado. Se se consegue tirá-lo dali, é uma decepção.

Gosto mais dos barcos que chegam, e não dos barcos que vão. O peixe que você não fisgou é mais belo, porque nada para longe, enquanto o peixe que foi fisgado vai endurecer no frigorífico.

Nem vale mais um pássaro na mão do que dois voando: Não senhor, os dois que voaram cantam, e o que ficou na mão entristece e perece.

Está errada a exclamação bíblica: “Vae, victis!” Porque os vencidos são aqueles que já não temem, e não têm nada mais a perder.

E quando Proust buscava o tempo perdido já o tinha reencontrado.

Ai dos vencedores, que são homens sem imaginação! Perderam a substância da vida.