Uma semana antes do carnaval começou a atormentar a mãe e a avó. Queria ir fantasiado na matinê de domingo no clube, que era para as crianças, mas também ficava cheia de marmanjos.
Não uma fantasia qualquer, uma fantasia de caubói. Não um caubói qualquer, tinha de ser do seu grande herói de então, Durango Kid, que se vestia todo de preto, com cinturão e revólver prateado na cintura, botas, chapéu e a o lenço também preto cobrindo o rosto. Pena que não podia pedir também o cavalo branco imaculado e fogoso, que empinava e disparava em perseguição aos bandidos. Isso seria exigir demais.
O pai, com seu espírito de porco, tentava confundi-lo dizendo que se o tal Durango Kid era mocinho e estava do lado da lei não precisa andar mascarado. Santa ignorância! Mal sabia ele que se tratava de um truque genial do mocinho, para confundir, surpreender e aterrorizar os bandidos. E como era empolgante quando, nos seriados, ele entrava no esconderijo e logo depois saía transformado no cavaleiro negro, defensor dos fracos e oprimidos, galopando no seu cavalo branco!
Até então, sendo filho e neto único, raramente suas vontades eram contrariadas pela mãe e pela avó. Daquela vez, porém, a madrinha costureira estava atarefada com as encomendas de diversos blocos carnavalescos e outros foliões que eram a grande sensação do carnaval de rua e de salão da cidade, considerado o melhor de toda a região.
Na matinê de domingo teve que se contentar com uma fantasia mixuruca e improvisada de pirata: turbante na cabeça, camisa listrada, um tapa-olho que o incomodava. Se ainda tivesse uma perna de pau e um papagaio no ombro até que podia passar.
Ficou emburrado, sentado à mesa, tomando guaraná, sem vontade de entrar na folia do salão, onde seus amigos se esbaldavam, tentando enfiar um monte de confete na boca um do outro ou acertar o jato de lança-perfume no olho.
Lá pelas tantas resolveu dar uma volta pelo clube e acabou perto da porta de entrada, observando o movimento.
De repente, eis que entra um empertigado caubói de seus quinze ou dezesseis anos, bem mais velho do que ele que acabara de completar sete. Não era lá um Durango Kid, mas era uma bela fantasia de couro cru, com franjas nas mangas e nas calças, o cinturão com dois revólveres com cabo de madrepérola, as botas e o chapéu. Estava mais para Búfalo Bill, mas impressionava.
Não pode deixar de, disfarçadamente e de longe, seguir o caubói, que atravessou todo o clube, cheio de pose, chegou ao salão, mas permaneceu na porta, só espiando.
Depois de algum tempo, deu meia volta e se dirigiu para a sala de jogos, sentou-se numa mesa com outro rapazinho, vestido de marinheiro, e se puseram a jogar xadrez, absolutamente indiferentes ao clima carnavalesco.
Caubói jogando xadrez? Ainda se fosse baralho, como nos filmes, vá lá. Mas um caubói jogar xadrez era como entrar no saloon, encostar no balcão e em vez de uísque pedir um copo de leite! E se era para jogar xadrez, por que a fantasia de caubói?
Ficou tão indignado com o falso caubói que, ao ouvir a orquestra reiniciar após um breve intervalo, resolveu deixar de ser bobo e cair na folia.
Baixou o tapa-olho que estava levantado na testa, sacou o frasco de lança-perfume Rodo Metallico do bolso e se mandou para o salão, onde se reuniu com os amigos e passou o resto da matinê se divertindo a valer, pulando e cantando as marchinhas. De vez em quando, por breves e palpitantes minutos, até mesmo pegou na mão da linda loirinha, filha do Prefeito, com a qual trocava olhares lânguidos na escola e em todos os lugares em que se encontravam.
Ele dizia a todo o mundo que ela era a sua namorada. Talvez ela ainda não soubesse disso, mas por certo desconfiava.
“Cowboy fora da lei” (Raul Seixas / Cláudio Roberto), com Raul
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Gama, eu adorei o texto, apesar de que eu nunca gostei muito de Carnaval, sempre fui mais do sossego. Durango Kid me fez lembrar de Eu quero é botar meu bloco na rua, de Sérgio Sampaio – outra canção que adoro, por sinal.
Abraçaço.