Annibal Augusto Gama
Havia cometido muitas tolices e acertado em algumas coisas, e posto lado a lado tudo o que fizera, estava empatado. Os dois pratos da balança equilibravam-se. Não fedia, nem cheirava.
Supunha que, nos anos que lhe restavam, devia fazer um grande gesto, uma façanha que melhorasse a vida de todos, que causasse admiração, para lhe dizerem: “Você é dos bons”.
Imaginava uma coisa ou outra, um empreendimento glorioso, uma obra magnífica, mas, mal começava a mexer-se, dava em nada. “Você está maluco”, opinavam, “deixe disso, se não quiser entrar numa enrascada e dar com os burros n´água”.
Ele não iria mudar o mundo, o mundo seria sempre como é, um desastre. Ninguém mais fazia milagres, nem mesmo os santos. Nem ele mesmo podia mudar-se, ser outro. O ramerrão dos dias, um depois do outro. Já não estava na idade das grandes paixões, de um amor violento. Todos estavam acomodados, e resignavam-se. Se ao menos inventasse um remédio contra a melancolia, contra a tristeza… Uma poção. O sujeito beberia umas colheradas dela e era um deslumbramento. Mas até nas farmácias muitas drogas ou remédios haviam sido recolhidos, não se podia comprar muitos deles sem receita médica. Se lia as bulas, os efeitos colaterais deles eram assustadores. “Consulte sempre um advogado”, recomendava a mensagem, no vidro traseiro dos carros. Os advogados, os juizes, os oficiais de gabinete, os prefeitos, os governadores, todos estavam perplexos. Já não falava dos deputados, dos senadores, uma corja.
Uma tarde, um cachorro vira-lata, numa esquina, veio cheirar-lhe a barra das calças, e acompanhou-o até a sua casa. Abriu o portão, e o cachorro, humilde, ficou olhando para ele, os olhos súplices, e abanando o rabo. Manteve o portão aberto e disse para o cachorro: “Entre”. Ele entrou. Foi botar-lhe um pouco de água fresca, numa vasilha e, noutra, trouxe-lhe um pouco de comida. O cachorro comeu e bebeu.
O vira-lata não mais o deixou, e este foi o gesto que o redimiu.