Posts from março, 2014

Hoje não

 

 

“Não, solidão, hoje não quero me retocar
Nesse salão de tristeza onde as outras penteiam mágoas”

 

 

“A mais bonita” (Chico Buarque), com Bebel Gilberto e Chico 

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=57_2f6nuP2Y&hd=1[/youtube]

 

 

 

Donadecasa

 

         Claudia Pereira

 claudia pereira 3

 

 

 

 

 

 

 

                                      DONADECASA

 

                         donadecasa

                         compacta!

                         segredos compreendidos

                         em xícaras coladas

 

                         donadequê?

                         todos os varais

                         todos os canais

                         — com controle —

 

                         acostumada as lonjuras de si

                         pulveriza o ar

                         ilhado, parado,

                         semi desesperado

 

                         em volta — ou envolta

                         de gentes

                         seu coração insistente

                         converge para o centro

 

                         indiferente.

 

 

dona de casa 3

 

 

 

Tem certos dias

 

         Selma Barcellos

Selma no Jardim de Luxemburgo

 

 

 

 

 

 

 

 

[…]

“Sempre digo que a praia seria um lugar ótimo se não fossem a areia, o sol e a água fria. É só uma frase. Gosto do mar. O diabo é que a gente sempre tem na cabeça um banho de mar perfeito que nunca se repete. O meu aconteceu em Torres, Rio Grande do Sul, em algum ano da década de 50. Sim, crianças, em 50 já existiam Torres, o oceano Atlântico e este cronista, todos mais jovens. O mar de Torres estava verde como nunca mais esteve. Via-se o fundo?

Via-se o fundo.

Víamos os nossos pés, embora a água estivesse pelo nosso pescoço, e como eram jovens os nossos pés. Havia algas no mar? Iodo, mães-d’água, siris, dejetos, náufragos, sereias? Não, a água estava límpida como nunca mais esteve. Os únicos objetos estranhos eram os nossos pés, e como isso faz tempo. Até que horas ficamos na água? Alguns anoiteceram dentro d’água e estariam lá até agora se não tivessem que voltar para a cidade, se formar, fazer carreira, casar, envelhecer, essas coisas.

Como o cronista explica sua aversão ao verão depois de tais lembranças? É que eu não gostava do verão. Gostava de ser mais moço.”

 

Claro que a maré de saudade do Verissimo me trouxe os deliciosos banhos da infância em Icaraí, os tatuís na areia, a bola de gomos coloridos, o Já-Já de coco … Mas, querem saber? Meu banho de mar perfeito aconteceu há pouco tempo, aqui em Itacoatiara.

Entre um compromisso e outro, resolvi dar um mergulhinho rápido na praia vazia das segundas-feiras. Cenário? Sol e azul em deslimite, mar dormindo, brisa leve, água transparente…

Amigos, foi mergulhar e emergir sorrindo. Simplesmente não conseguia desfazer a expressão. Quem me visse, diria que eu estava lembrando de algo engraçado. Que nada. Nem pensamento eu tinha. Apenas… sorria.

Agenda cancelada, saí caminhando pela orla, vagarosamente, de volta pra casa.

Dizem que é endorfina. Eu chamo de felicidade mesmo.

 

Itacoatiara (foto de Julie Buckley)

Itacoatiara (foto de Julie Buckley)

 

 

 

Cores do mar, festa do sol

 

 

“Dormir no teu colo é tornar a nascer
Violeta e azul, outro ser
Luz do querer
Não vai desbotar, lilás cor do mar
Seda, cor de batom
Arco-íris crepom
Nada vai desbotar
Brinquedo de papel machê.”

 

 

“Papel Machê” (João Bosco / Capinan), com João

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=RVSlqIYE0rs#t=146&hd=1[/youtube]

 

 

 

 

Outre

 

 

                                                            OUTRE

 

                                                                                                                      Annie Salager

 

                                                           Des fois, aussi,

                                                           tout irisée se

                                                           balade naïve

                                                           une bulle

                                                           en la fraîcheur

                                                           du vent,

                                                           pourquoi si beau

                                                           dehors oh

                                                           pourquoi enfermée

                                                           elle se dit

                                                           et explose

                                                           aussitôt

                                                           du plaisir

                                                           d`exploser

 

 

bolha de sabão

 

 

                                     ALÉM

 

                                                                                     Tradução de Adalberto de Oliveira Souza

 

                                    Às vezes, também,

                                   bem irisada

                                   vagueia ingênua

                                   uma bolha

                                   na aragem do vento,

                                   por que tão belo

                                   fora, oh

                                   por que aprisionada

                                   ela se diz

                                   e explode

                                   tão somente

                                   pelo prazer

                                   de explodir

 

 

 

Piston de Gafieira

 

 

“Quem está fora não entra

Quem está dentro não sai…”

 

 

“Piston de Gafieira” (Billy Blanco), com Sílvio Caldas

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=JatxVBXO64M&hd=1[/youtube]

 

 

 

Há quem diga…

 

 

Para Mestre André

 

“Eu quero é botar meu bloco na rua” (Sérgio Sampaio), com ele

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=rsiAN__ii7E[/youtube]

 

 

 

E no entanto é preciso cantar…

 

 

“Marcha da quarta-feira de cinzas” (Vinicius de Moraes / Carlos Lyra), com Toquinho

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=kl6iknBuVNE[/youtube]

 

 

 

O carnaval do Durango Kid

 

 

Durango Kid

 

Uma semana antes do carnaval começou a atormentar a mãe e a avó. Queria ir fantasiado na matinê de domingo no clube, que era para as crianças, mas também ficava cheia de marmanjos.

Não uma fantasia qualquer, uma fantasia de caubói. Não um caubói qualquer, tinha de ser do seu grande herói de então, Durango Kid, que se vestia todo de preto, com cinturão e revólver prateado na cintura, botas, chapéu e a o lenço também preto cobrindo o rosto. Pena que não podia pedir também o cavalo branco imaculado e fogoso, que empinava e disparava em perseguição aos bandidos. Isso seria exigir demais.

O pai, com seu espírito de porco, tentava confundi-lo dizendo que se o tal Durango Kid era mocinho e estava do lado da lei não precisa andar mascarado. Santa ignorância! Mal sabia ele que se tratava de um truque genial do mocinho, para confundir, surpreender e aterrorizar os bandidos. E como era empolgante quando, nos seriados, ele entrava no esconderijo e logo depois saía transformado no cavaleiro negro, defensor dos fracos e oprimidos, galopando no seu cavalo branco!

Até então, sendo filho e neto único, raramente suas vontades eram contrariadas pela mãe e pela avó. Daquela vez, porém, a madrinha costureira estava atarefada com as encomendas de diversos blocos carnavalescos e outros foliões que eram a grande sensação do carnaval de rua e de salão da cidade, considerado o melhor de toda a região.

Na matinê de domingo teve que se contentar com uma fantasia mixuruca e improvisada de pirata: turbante na cabeça, camisa listrada, um tapa-olho que o incomodava. Se ainda tivesse uma perna de pau e um papagaio no ombro até que podia passar.

Ficou emburrado, sentado à mesa, tomando guaraná, sem vontade de entrar na folia do salão, onde seus amigos se esbaldavam, tentando enfiar um monte de confete na boca um do outro ou acertar o jato de lança-perfume no olho.

Lá pelas tantas resolveu dar uma volta pelo clube e acabou perto da porta de entrada, observando o movimento.

De repente, eis que entra um empertigado caubói de seus quinze ou dezesseis anos, bem mais velho do que ele que acabara de completar sete. Não era lá um Durango Kid, mas era uma bela fantasia de couro cru, com franjas nas mangas e nas calças, o cinturão com dois revólveres com cabo de madrepérola, as botas e o chapéu. Estava mais para Búfalo Bill, mas impressionava.

Não pode deixar de, disfarçadamente e de longe, seguir o caubói, que atravessou todo o clube, cheio de pose, chegou ao salão, mas permaneceu na porta, só espiando.

Depois de algum tempo, deu meia volta e se dirigiu para a sala de jogos, sentou-se numa mesa com outro rapazinho, vestido de marinheiro, e se puseram a jogar xadrez, absolutamente indiferentes ao clima carnavalesco.

Caubói jogando xadrez? Ainda se fosse baralho, como nos filmes, vá lá. Mas um caubói jogar xadrez era como entrar no saloon, encostar no balcão e em vez de uísque pedir um copo de leite! E se era para jogar xadrez, por que a fantasia de caubói?

Ficou tão indignado com o falso caubói que, ao ouvir a orquestra reiniciar após um breve intervalo, resolveu deixar de ser bobo e cair na folia.

Baixou o tapa-olho que estava levantado na testa, sacou o frasco de lança-perfume Rodo Metallico do bolso e se mandou para o salão, onde se reuniu com os amigos e passou o resto da matinê se divertindo a valer, pulando e cantando as marchinhas. De vez em quando, por breves e palpitantes minutos, até mesmo pegou na mão da linda loirinha, filha do Prefeito, com a qual trocava olhares lânguidos na escola e em todos os lugares em que se encontravam.

Ele dizia a todo o mundo que ela era a sua namorada. Talvez ela ainda não soubesse disso, mas por certo desconfiava.

 

 

“Cowboy fora da lei” (Raul Seixas / Cláudio Roberto), com Raul

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=3Cy5qKoFyMA[/youtube]