“Caminhos cruzados” (Tom Jobim / Newton Mendonça), com Eliane Elias
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=Ro5PVeG8YsQ[/youtube]
“Caminhos cruzados” (Tom Jobim / Newton Mendonça), com Eliane Elias
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=Ro5PVeG8YsQ[/youtube]
CHEMIN VERT
Para Ivan, João, Rubem e Ariano
Do outro lado da janela
o muro.
Do outro lado do muro
(para aquele que pula)
pulula o caminho verde.
Na folhagem/voragem do tempo
recolho esse instante na brandura
das pétalas encerradas
entre as páginas dos livros
(mas jamais ressequidas)
e prossigo pelo além perfume.
Mais tarde, aquém muro,
tornarei às coisas que findam
e aos homens que morrem.
Selma Barcellos
Com seu invejável poder de síntese, Verissimo está a cavaleiro quando diz que “escrever é fácil, difícil é resumir”. Coisa de craque este relato dele de um encontro com Suassuna, Millôr…
Babei. Literalmente.
O ENCONTRO
Os peixinhos nadavam por entre as nossas pernas. Estávamos no mar em frente à casa do José Paulo e da Maria Lecticia Cavalcanti, Praia do Touquinho, Lagoa Azul, Pernambuco, Brasil, América do Sul, Terra, Via Láctea, universo, com água pela cintura. Quem éramos nós? Millôr e Cora, Gravatá, Lucia, eu e peixinhos anônimos.
Zé Paulinho e Maria Lecticia tinham providenciado tudo para que o prazer dos seus hóspedes fosse completo: sol decididamente pernambucano, céu e mar de um azul irretocável, uma mesa flutuante com guarda-sol em cima coberta de coisinhas para comer e bebidinhas para beber.
A um sinal do Zé Paulinho, vinham mais camarão, mais marisco, mais caipirinha, mais pássaros, menos pássaros, mais brisa, menos brisa — e de repente, descendo na nossa direção pela praia como uma aparição, um convidado convocado pelos Cavalcanti para que o dia fosse mais que perfeito: o Ariano Suassuna. De calção de banho!
Ele entrou no mar, e os peixinhos continuaram nadando entre as nossas pernas, sem nenhuma curiosidade intelectual. Eles só estavam ali para pegar os restos da mesa flutuante, alheios ao grande momento, como se um encontro de Millôr Fernandes e Ariano Suassuna com água pela cintura acontecesse todos os dias.
Nós, ao contrário dos peixinhos, nos encharcávamos do momento. Eu, chupando um picolé de mangaba — eu mencionei que também havia picolés de mangaba? — finalmente descobria o sentido da palavra “embasbacado”.
Depois do encontro no mar, um almoço magnífico — não fosse comandado pela dona Maria Lecticia. E o dia mais que perfeito terminou com uma visita a um terreno próximo onde o Zé Paulinho criava bodes. Nosso anfitrião queria nos mostrar um animal que importara da África do Sul e que, de tão antipático e posudo, recebera do Suassuna o apelido de “Somebode”.
(Luis Fernando Verissimo, 27/7/2014, em O Globo)
Paris é sempre uma festa, mas às vezes exagera.
Tem gente demais, alegria demais, sol demais, nesta época do ano.
Viemos mesmo assim, para aproveitar as férias escolares de Manuela, que se tornou o centro do nosso pequeno universo familiar.
Por ela, que começa a entender e se interessar por tudo, também somos obrigados a repetir aqueles passeios e lugares clássicos, mesmo sabendo que vão estar superlotados de turistas, com suas máquinas fotográficas e celulares voadores. Nunca conseguirei entender tanta ânsia de fotografar quadros, esculturas e paisagens de cartão postal, que ficam muitos melhores em cartão postal…
Tiramos a primeira semana para cumprir a via sacra turística e ficarmos livres e soltos depois. Ontem foi o dia de Versailles, que estava um verdadeiro inferno de Dante. Antes, Carolina havia mostrado a Manu alguns trechos do filme de Sofia Coppola e lhe contado sobre Maria Antonieta. Quando ficou sabendo dos gastos exorbitantes da rainha enquanto o povo passava fome, retrucou indignada: “Mamãe, quer dizer então que ela roubava o povo!”. Falei-lhe também sobre o “Rei Sol” e ela ficou interessadíssima.
Demos uma geral pelo palácio, fomos para os jardins e lá passamos o resto do dia, com direito a piquenique e passeio de barco, rema, rema, remador Babu. (Como não lembrar de Kim Novak e Willian Holden naquele eterno “Picnic”?)
A noite só começa por volta das 22 horas, e os longos entardeceres têm sido outra festa infinda à beira do Sena, especialmente para Bell e para mim. Impossível também não lembrar da canção:
“Estes festejos, esta emoção
Luminosa manhã
Tanto azul, tanta luz
É demais pro meu coração.”
“Canção da manhã feliz” (Haroldo Barbosa / Luiz Reis), com Nana Caymmi e Miltinho
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=x39_KZAzqHE[/youtube]
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=_DBoMIi8bYc[/youtube]
MUERTOS
Josefina Plá
Si nos dejaseis un momento solos
oh muertos muertos muertos
Si os quedaseis siquiera
fuera del agua fuera
de ese rayo de sol en donde danza el polvo
fuera de la hoja verde
fuera del aire que entra en mis pulmones
Si os quedaseis prendidos a la tierra esperando
Pero no lo habéis invadido ya todo
la sal el pan la fruta
y el rocío y el césped
Después entrasteis
─ huéspedes sin color ─ en el recuerdo
Y nos pusisteis sombra en la mirada
y poblasteis el puente del beso entre los labios
y pudristeis los sueños
Si nos dejaseis un momento solos
Josefina Plá (1903-1999) nasceu nas Ilhas Canárias, viveu e morreu em Assunção no Paraguai
“Augusto Roa Bastos, el más conocido de los escritores paraguayos, decía que Josefina Plá, Rafael Barrett y Hérib Campos Cervera habían sido sus maestros. La admiración del autor de Yo el Supremo hacia Josefina era tal que la postuló en dos ocasiones para el Premio Cervantes, sin éxito, pues por entonces, y hasta ahora, la obra de esta gran escritora no estaba en el mercado editorial internacional.” (Alfredo Fressia)
MORTOS
Tradução de Adalberto de Oliveira Souza
Se nos deixásseis um momento sós
Oh mortos mortos mortos
Se nos deixásseis sequer
fora da água fora
desse raio de sol onde dança o pó
fora da folha verde
fora do ar que entra em meus pulmões
Se ficásseis presos à terra esperando
Mas não o haveis invadido já tudo
o sal o pão a fruta
e o orvalho e a relva
Depois entrastes
─ hóspedes sem cor ─ na recordação
E nos pusestes sombra no olhar
e povoastes a ponte do beijo entre os lábios
E apodrecestes os sonhos
Se nos deixásseis um momento sós
Annibal Augusto Gama
Além de várias acepções, entre a quais a principal será “preparar o couro de modo a torná-lo imputrescível”, o verbo curtir admite a significação popular de “gozar a vida”.
A vida é saboreável, como a comida, a bebida. Os curtidores da vida estão nas praias, nos bares, em viagens. Vestem-se sumariamente, são barulhentos, arrojam-se às cotoveladas para pegar o primeiro lugar; arredam de si qualquer espécie de preocupação, não permanecem em casa, gostam do luxo, dos carros de último modelo, potentes, de uma aparelhagem complicada, não têm escrúpulos, são ricos porque se meteram em negociatas rendosas, ou herdaram dos pais grossa fortuna. Esbanjam. Ignoram os pobres, os sofredores, repelem-nos, não crêem em Deus nem no Diabo. A vida, para eles, é aproveitar. Têm muito zelo pelo corpo, cultivam-no em ginásticas, massagens. Enfim, são os gozadores.
Em cada época, o sabor da vida foi diferente. Na belle époque, o prazer era o chique, os espetáculos públicos, as festas, os restaurantes, os balneários, a aventura amorosa. Vestia-se de redingotes, cobria-se com a cartola, usava-se a bengala. As mulheres tinham indumentárias complicadas, peles caras, muitas joias, chapéus monumentais. O curioso é que esta gente toda se vestia quase sempre de preto.
Atualmente, prefere-se o despojamento. A nudez exibe o corpo. Também o peso variou: a gordura foi substituída pela magreza, pelas mulheres anoréxicas. Em Roma, no tempo do Império, eram os banhos, os banquetes, as comilanças com os homens deitados, a conversação. Não se andava. Os ricos, os nobres, eram carregados. Barbas derramadas, o Senado, as guerras de conquista. Na Idade Média, foram o ascetismo, as catedrais góticas, o recolhimento. Temia-se pelo fim do mundo. As classes sociais eram nitidamente separadas. O campo, os vilarejos, dependiam dos castelos, que eram fortalezas.
No Brasil, apesar dos regabofes que sempre houve, vagavam pelas ruas das cidades imundas, os escravos, submetidos aos trabalhos mais penosos pelos ricaços. A mucama abanava e fazia cafuné nas amas. Também os senhores levavam-na para a cama. Mas a frugalidade era quase geral; comia-se pouco e mal. Quase tudo era importado, até os botões e os palitos Fidalgo. O mais eram a rapadura, o queijo, as carnes. Os bandeirantes, os viajantes, passavam fome. Ainda hoje, a maioria da população passa, mas é diferente.
Os homens ricos são colecionadores, e colecionam toda sorte de bugigangas. Têm adegas de vinhos preciosos.
O sabor da vida depende do tempero que se lhe dá. Daí também as conquistas marítimas dos portugueses, em busca das especiarias. Ainda hoje se fala da pimenta do reino, e do queijo do reino; do bacalhau do Porto.
Champanhe e caviar, eis o prato predileto dos ricos. As comidas exóticas de Lucano, como a língua de rouxinóis.
Eu, por mim prefiro o frango ao molho pardo, ou de cabidela. Ou a feijoada, prato dos negros escravizados. Com uns goles de cachaça.
Bell Gama
Uma contagem regressiva de pouco mais de 200 dias nos trouxe novamente para Paris. No ano passado, em setembro, já havíamos feito a saudável loucura de alugar um apartamento no Marais e ficar a família toda por quase 20 dias desfrutando da cidade luz. No último dia desta viagem, com um brinde de Billecart Rosé nos prometemos que voltaríamos para ficar mais tempo.
E o dia era 17 de julho. Nos encontramos em Guarulhos. Desta vez, sem a Jú, que arrumou o emprego que tanto sonhava e teve que ficar em São Paulo (ela fará falta!). E, mais uma vez sem a minha mãe que aproveita a data para tirar férias de nós. Até a hora do embarque, Carol e eu não acreditávamos ainda na viagem. Ela repetia sem parar se era possível ser tão feliz.
Ao pisarmos em Paris e encontrarmos o sorriso largo do Raymond que mais uma vez nos buscou no Charles de Gaulle descobrimos que é possível ser tão feliz. Desta vez, optamos por um apartamento em Saint Germain. Apartamento incrível que descobrimos ser de um dos brasileiros que mais admiro. Ainda não vou revelar o nome porque essa é uma outra história e fica o suspense.
Adaptados, era hora do tradicional Monoprix. Mais uma vez, chocamos os franceses pela quantidade de coisas que compramos. Aqui, as pessoas compram o suficiente para uma refeição e/ou um dia. E nós (mania de brasileiros) enchemos o carrinho. Obviamente com duas Veuve Clicquot e duas Moet Chandon mais um tanto de vinho, outro tanto de cerveja, queijos incríveis, frutas, pães e tudo que a gente tinha saudade. Na hora de voltar para a Rue do Bac, 40 sentimos a pressão do calor francês. O termômetro marcava 34 graus e nosso corpo pingava de suor. Já percebi que vai ser uma temporada muito diferente do que estou acostumada. Tanto que escrevo esse texto de top, shorts e Havaianas (coisa que nunca usei em Paris).
Muito cansados do voo lotado nos forçamos a cumprir a minha tradição. Pela sétima vez começo a minha viagem pelo mesmo lugar: um brinde na torre. O Babu escolheu um vinho Pinot Noir da Bourgogne (nada mais francês).
Então eu a vi. Ela estava lá me esperando de novo.
Agora, podemos começar.
Bell Gama
julho/2014
“Há tanta vida lá fora
Aqui dentro sempre”
“Como uma onda” (Lulu Santos / Nelson Motta), com Lulu
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=jVBCYGqxI6k[/youtube]