Annibal Augusto Gama
Regularmente, tarde da noite, vou à janela iluminada da minha casa, e vejo o homem que, ao longe, parece também olhar da janela, igualmente iluminada, do seu sobrado. Ele olha para fora, durante algum tempo, e depois se afasta. Também eu, ao cabo de uns dois minutos, me afasto. Passa-se ainda algum tempo, e o homem que, do sobrado, olha pela janela, fecha-a e apaga a luz. Faço o mesmo.
Isto acontece todas as noites, e quase de madrugada.
Considerei bem todos esses fatos, e cheguei à conclusão, medindo a distância, que precisava conhecer o homem que olhava da janela, todas as noites.
Durante o dia, andei pelas ruas, e acabei descobrindo o sobrado, do qual o homem espia pela janela, recolhe-se e, depois, fecha a janela e apaga a luz.
O sobrado tinha um pequeno jardim à frente, uma cerca alta, de ferro e um portão. E a campainha.
Apertei a campainha e, decorridos alguns minutos, alguém apareceu na porta e perguntou:
─ Que é que o senhor deseja?
Respondi-lhe que precisava falar com ele. E vi que era um homem magro, de baixa estatura, já velho.
─ Pois fale daí mesmo ─ ele acrescentou.
Disse-lhe que dali não, precisava que ele me deixasse entrar e então nos entenderíamos.
Com relutância, ele abriu o portão. Entrei, e segui-o até uma sala.
─ Agora, o senhor diga-me o que tem a me dizer, e acabemos com isso.
Expliquei-lhe que o via, todas as noites, e tarde, ele olhando da janela iluminada do seu sobrado e eu, da minha casa o observava.
─ Ah, então, o senhor é que aparece numa janela iluminada, todas as noites?
De fato era eu. Ele olhava da janela do seu sobrado, e eu olhava da janela da minha casa.
─ O senhor mora sozinho? ─ eu quis saber.
─ Moro. E o senhor?
Também eu morava sozinho.
Assim, tudo entendido entre nós ambos, despedi-me e fui embora.
E continuamos os dois a olhar pela janela iluminada, todas as noites.
O que não sei é se é ele que me olha da janela, ou se sou eu que o olho da janela.
“Janelas Abertas” (Tom Jobim / Vinicius de Moraes), com Tom e Gal Costa
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Crônica e música sublimes.
Detalhe curioso: mestre Caetano fez uma homenagem a essa música primorosa em sua Janelas abertas 2, mas nesse caso era uma crítica velada ao regime militar que vigorava na época em que a música foi composta (1970).
Sim André, crônica e músicas sublimes.
Coisas assim… abrindo nossas janelas da alma.