Posts from janeiro, 2015

Lana Caprina

 

Lana Caprina 3

 

Conheci Lana Caprina nos loucos anos 60.

A primeira vez em que a vi foi numa daquelas assembleias ruidosas do Centro Acadêmico, nas quais tanto se discutia — Pela Ordem! — fumava e bebia que ao final ninguém mais sabia ao certo no que votara e o que fora aprovado.

Mesmo assim saíamos convictos de nossas graves responsabilidades e de que as decisões tomadas iriam mudar o mundo, ou pelo menos a universidade.

Naquele dia os cabelos dela eram escuros, lisos e compridos, contrastando com os estonteantes olhos verdes (ou seriam azuis?), que pareciam faiscar quando nos encarava.

Virgílio, meu amigo inseparável de então, que sabia de tudo e era um grande fofoqueiro, percebendo meu interesse, logo me cortou as esperanças:

— Pode tirar o cavalinho da chuva. Ela não dá bola pra ninguém. A não ser para o professor Lapidi Loqueris. Dizem que está apaixonada por ele.

Passados alguns meses, me inscrevi na Oficina Literária do professor Loqueris, extracurricular, da qual ela participava havia tempo.

A tal Oficina era uma sucessão de saraus em que o professor pontificava, comentando obras e autores, e os pupilos tinham oportunidade de apresentar suas composições literárias ou musicais, e depois ser escrachados ou aplaudidos pelos colegas.

Ela já estava loura então, e com os cabelos anelados, mas os olhos azuis (ou seriam verdes?) continuavam a nos tragar.

Ela era uma das mais ativas e desinibidas. Adorava Neruda e procurava imitá-lo canhestramente nos seus poemas, que lia emocionada para nós. Mas naquela idade não se perde o encantamento por alguém com aqueles olhos e aquele corpo apenas por ser uma escritora sofrível. E o professor Loqueris não se cansava de elogiá-la, dizendo que tinha grande potencial.

Depois de várias sessões em silêncio e recolhido, venci a timidez e cheguei a ler alguns dos meus versos modernosos e engajados (achava-me um Maiakóvski tupiniquim), que não tiveram maior repercussão, especialmente da parte dela.

Aguentei mais algumas reuniões e por fim desisti, dela, dos saraus e da poesia. Todavia, nenhuma decisão é definitiva aos 19 anos de idade.

Com o endurecimento da ditadura militar, muitos foram presos, passaram para a clandestinidade ou foram mortos. Fiquei quase um ano detido até ser simplesmente solto, sem explicação alguma.

Alguns boatos que o Virgílio me passou diziam que ela havia fugido para o Chile ou para a Europa com o professor Loqueris.

Contudo, depois de algum tempo o professor Loqueris reapareceu sozinho e retomou a cátedra, mas não a Oficina.

Nunca mais soube nada dela.

Ontem, no jornal em que trabalho como editor do caderno de cultura, recebi um convite para o lançamento do primeiro livro no Brasil de uma consagrada poeta brasileira, naturalizada espanhola, que vive há muitos anos em Barcelona, onde publicou diversas obras, consagradas pela crítica.

Na fotografia da contracapa ela está arruivada, com os cabelos curtos, um pouco mais cheinha de corpo, mas os olhos verdes (ou seriam azuis?), tremeluzentes, não podem ser ignorados.

O nome é outro, porém Virgílio, que trabalha comigo, diz que ela pode ter adotado um pseudônimo literário ou mudado de nome ao se naturalizar.

Não vou ler o livro, nem comparecer ao lançamento.

Mandarei outro. O Virgílio já se ofereceu.

 

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A arte da guerra

 

 

je suis charlie

 

 

                                               A ARTE DA GUERRA

 

 

                                               Não existe guerra santa

                                               só existe guerra insana,

                                               cada guerra é um engano

                                               toda guerra é profana.

 

                                               Não existe guerra limpa

                                               cada guerra só infama,

                                               só existe guerra suja

                                               toda guerra é um mar de lama.

 

                                               Não há guerra preventiva

                                               toda guerra é um acinte,

                                               cada guerra outra encerra

                                               até que nunca se finde.

 

                                               De tudo o que mais aterra

                                               é saber que o bicho-homem

                                               se consome e faz da guerra

                                               o seu rasto sobre a Terra.