Annibal Augusto Gama
Se há coisa em que acredito piamente é no binômio de Newton. Pouco importa que não o compreenda, já que não compreendo muitas outras coisas. O binômio de Newton fascinou a minha juventude, e ainda fascina a minha velhice. Também sempre admirei a Tábua de Logaritmos e os vasos comunicantes. E, como o cão de Pascal, uivo para a Lua, para a imensidão dos espaços vazios.
Um dia desses, apareceu-me no portão o homem de Piauí. E embora eu não acredite na existência do Piauí, que é uma ficção geográfica, fui atendê-lo quando ele apertou a campainha. Ele logo foi me dizendo: “Vim trazer-lhe a salvação”. Tão ardentemente desejava e desejo a salvação, que deixei entrar na minha sala o homem de Piauí. E ele logo me exibiu um jornal, explicando-me que bastava que o assinasse, que estaria salvo. Assinei o jornal, que agora recebo regularmente, e o homem de Piauí me garantiu: “O senhor está salvo”.
Quem diz, porém, que não estou salvo, e que não me salvarei, é o Padre Luís, que me tacha de herege impenitente.
— Padre, mas eu não fiz nada — eu lhe digo.
-— Por isso mesmo, o senhor vai para o quinto dos infernos.
Mas ao quinto dos infernos, prefiro o quinto de vinho tinto.
Todavia, quero estar com minha mulher, com meus pais, e com alguns amigos. E, de qualquer maneira, “no céu, no céu, com minha mãe estarei…”
Retifico-me: fiz muitas coisas, algumas más, e outras boas. Somadas as contas, tudo se equivale.
A verdade, num poço frio, morreu de pneumonia.
Capataz de uma fazenda que não tive, plantei arroz, feijão, e café. Criei gado no pasto.
Entre as minhas vacas, prefiro também a vaquinha branca, que me dá leite, achega-se à porteira e muge.
Todos os navios saíram dos portos. Mas, pescador na lagoa, cantarolo:
“Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela,
Que é tão bela, pescador?”
Ela por elas, vou indo para Santiago de Compostela.
“Ay flores do uerde pino,
se sabedes nouas de meu amigo!
ay Deus, e hu é?
Ay flores, ai flores do uerde ramo,
se sabedes novas de meu amado!
ay Deus, e hu é?
Se sabedes nouas de meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo!
ay Deus, e hu é!
Acabamos de ler, Jorge e eu. Dr. Annibal empresta à pena a mesma maestria que dá ao pincel. Um verdadeiro e completo artista a nos emocionar.
Como sempre Dr. Annibal nos brindado com mais uma de suas excelentes crônicas. Eu adorei.
Abraçaço.
Com sabor de trava-língua: o ‘quinto de vinho tinto’ numa quinta em Sintra…
Os poetas estão redimidos, Dr. Annibal. Despreocupai-vos.