Annibal Augusto Gama
Encontrei-o por acaso na fila de ônibus. Abraçamo-nos e trocamos algumas palavras insignificantes. Às vezes, passava anos sem vê-lo. Ele fora meu colega de ginásio. Já com o pé no primeiro degrau na porta do ônibus, ele voltou a cabeça e me disse: “Telefone para Cacilda. Não deixe de telefonar para Cacilda”. A porta do veículo fechou-se, e o ônibus partiu.
Permaneci na calçada alguns minutos, e, de repente, tornou a acudir-me a sua recomendação: “Telefone para Cacilda. Não deixe de telefonar para Cacilda”.
Ora, eu não conhecia nenhuma Cacilda, e não tinha o número do telefone de nenhuma Cacilda. A Cacilda que eu conhecia, a única, fora Cacilda Becker, a atriz, a maravilhosa Cacilda Becker, que já estava morta havia muitos anos.
Mas a sua recomendação não saiu mais da minha cabeça. Quantas Cacildas haveria na cidade, no país? Milhares. O seu prenome não viria na Lista Telefônica, sabido que a Lista traz o sobrenome, e depois o prenome.
Ainda assim, impus-me uma obrigação: todos os dias discava trinta números de telefone. E quando me atendiam, perguntava: “A Cacilda está? Quero falar com ela”. Foram dez mil, novecentos e cinquenta telefonemos, num ano. Se me atendiam, a resposta era que não havia nenhuma Cacilda na casa. Outros se irritavam, e me xingavam.
Mas a minha obsessão persistia. Tinha de telefonar para Cacilda, falar com Cacilda.
Os amigos começaram a achar que eu estava maluco. “Procure um psiquiatra”, aconselhavam-me.
Afinal, fui a um psiquiatra. Esperei na sua sala, até que uma porta foi aberta e mandaram-me entrar.
Entrei, e fui logo dizendo à mulher que me atendeu tudo o que acontecia comigo. Ela anotou o que eu dizia, ou gravou. E disse-me: “Eu sou a Dra. Cacilda. O seu estado é grave, o senhor precisa de tratamento. Venha, uma vez por semana, a esta mesma hora, cobro R$250,00 por sessão”.
A Dra. Cacilda, porém, não era a Cacilda que eu procurava. Ainda assim, continuei a comparecer, uma vez por semana, às sessões, durante as quais falava de tudo. Da minha infância, dos meus pais, de um ursinho de pelúcia que tivera, e cujo nome era Afonso. A psiquiatra ouvia-me, gravava as minhas palavras, e não dizia nada. Meus sonhos também a interessavam.
Continuei telefonando para Cacilda, sem resultado.
Outro amigo me disse: “Nós sempre procuramos Cacilda”.
“E a encontramos, afinal?”— perguntei-lhe.
E ele respondeu-me, sacudindo a cabeça:
“Jamais!”
Absolutamente fantástico! Procuremos – todos! – por Cacilda.
Cacildinha… Ela precisa saber do que escreveu Dr. Annibal…
Acredito que se Cacilda souber da crônica do Dr. Annibal, certamente ficará lisonjeada com tão bela homenagem.
simplesmente genial. me lembrei de um livro do Saramago. ” O conto da ilha desconhecida”
procurar as” cacildas da vida” é o barato da vida….parabéns Dr.Annibal. Um craque!!!!!
caso seja do interesse e ou por curiosidade envio o resumo que fiz do livro do Saramago. Era peça de treinamento nos “meus” cursos de comunicação. O livro é maravilha….
renovo minha emoção e meus parabéns