“A literatura atual seria inconcebível sem Whitman e sem Poe.” (Jorge Luis Borges)
“Para ―
Não atento que minha porção terrena
Tenha ― pouco da Terra em si ―
Que anos de amor foram esquecidos
No ódio de um minuto:
Não lamento que os desolados
Sejam mais felizes, mais doces do que eu,
Mas que você sofra por meu destino
Que passo pelo caminho.” (Edgar Allan Poe)
As vestes negras, a estatura baixa, as mãos e os pés pequenos, a basta cabeleira e o bigode eriçado, o olhar febril e as olheiras chamam a atenção, mas não tanto quanto a cabeçorra, desproporcional ao corpo rijo.
Quem foi esse homem extravagante que poderia ser personagem de suas próprias histórias, fazendo companhia a um corvo melancólico, um gato sinistro, um orangotango assassino?
A bem de ver, seus personagens, ou o seu personagem único, o homem de nervos de aço e de percepção aguçada, que desafia os sortilégios, é ele próprio. E também suas personagens femininas, misteriosas e doentias, abaladas por uma tristeza incurável, têm muito dele mesmo.
Embora conhecido por apenas alguns dos mais célebres poemas e contos de mistério e terror, a sua obra completa recheia dezessete volumes, e nem mesmo se tem ideia de quantos outros volumes foram escritos (e ainda o serão) a respeito dele.
Cento e sessenta anos depois da sua morte precoce, aos quarenta anos de idade, Edgar Allan Poe continua um enigma indecifrável.
O mito superou o homem, e ele talvez gostasse disso.
Um gênio ou um louco? Um visionário ou um bêbado imoral? Há quem ainda discuta sobre isso, ou busque analisar a sua obra sob o ponto de vista psicanalítico. Os períodos de atividade intensa, alternados com períodos de profunda depressão provavelmente o qualificassem hoje como um bipolar, e tratado com as drogas miraculosas atuais viveria ajustado e improdutivo.
Alguns fatos, porém, são indiscutíveis: Poe foi o pai das histórias modernas de mistério e detetive, um dos pioneiros da ficção científica, sendo considerado ainda o primeiro escritor profissional e crítico literário norte-americano.
Até mesmo sua morte em Baltimore, permanece um quebra-cabeça sem resposta. Encontrado por um velho amigo numa taberna, em estado lastimável e delirante, vestindo roupas que aparentemente não eram suas, foi levado inconsciente ao Washington College Hospital, onde morreu quatro dias depois, no domingo, 7 de Outubro de 1849.
Enterrado no pátio da Westminster Presbyterian Church em um pequeno bloco, identificado apenas pelo número 80, ali permaneceu durante 26 anos, até que, depois de uma campanha para arrecadação de fundos, o corpo foi removido para um memorial construído num ponto mais nobre do mesmo cemitério, onde se encontra atualmente.
Desde 1949, todos os anos, uma figura solitária, que passou a ser chamada de Poe Toaster (aquele que brinda Poe), envolta numa capa, com um chapéu preto e empunhando uma bengala com a ponta de prata, visita o túmulo depois da meia-noite, no dia 19 de janeiro, data do nascimento de Poe. Deixa sempre três rosas vermelhas e meia garrafa de conhaque.
Assista à interpretação de The Raven (O Corvo)
Leia as traduções de Machado de Assis e Fernando Pessoa
Meu caro Antônio-Carlos:- Afinal, por que você hoje se lembrou de Poe? Não atino com a razão. Sei apenas que há lembranças súbitas que nos ocorrem,e só mesmo Arsene Dupin poderia remontar à sua origem e causa, através de um processo de associação de idéias,ou de algum gesto que em nós observou.
Ainda tenho comigo a primeira coleção de contos de Poe,que comprei. Traz uma data e indica um local: Franca,23.III.940. Sessenta e nove anos! O título: “Novelas Extraordinárias”. Edição da F. Brigiet $ Cia.
Não traz o nome do tradutor. No livro, de brochura amarela, estão as suas preincipais narrativas, “O homem das multidões”, “O sistema do doutor Breu e do Professor Pana” (que teria inspirado Machado de Assis para o seu “Alienista”), “O Duplo assassínio da Rua Morgue” “O Escaravelho de ouro”, e o último, “Berenice”.
Tinha lido Poe antes, talvez na revista “Cigarra”, ou “Vamos Ler” (saudosas revistas!) e conhecia o seu “Corvo” (que sabia de cor, através da tradução de Machado de Assis.
É quase incompreensível que Machado de Assis tenha amado Poe, a ponto de lhe traduzir aquele poema. Eram temperamentos diferentes. Mas também Borges não era completamente diferente de Poe?
Poe não foi compreendido,nem amado, nos Estados Unidos da América do Norte. Quem o compreendeu e verteu para o francês foi Baudelaire.
O pai,sem dúvida, da narrativa policial. Um beberrão. Um trágico.Um cérebro matemático e analítico, e ao mesmo tempo, tão imaginativo, de uma imaginação mórbida. Desse estofo são feitos os poetas e os escritores, casta de gente estranha.
Provavelmente, você, quando menino, tenha-me ouvido declamar “O Corvo”.
Mais tarde, Poe faria uma análise de como teria composto o seu poema, e a sua análise é sujeita a controvérsias, e há até quem pretenda que ela não passou de uma gozação. O poema explica-se? Explica-se como nasceu? Explica-se como encontramos, na rua, uma mulher, e vamos amá-la pelo resto da vida?
Poe,antes de morrer,deixou escrito um enigma, que até recentemente ninguém conseguia decifrar. Há, agora, uma decifração dele, mas não me convence.
De qualquer modo, em pouco mais de vinte anos de atividade, ele deixou uma obra imorredoura.
Nos seus escritos para este blog, você tem refletido sobre os autores e os seus livros, de maneira admirável. Tão admirável como os seus poemas com que, de vez enquando, acha de nos premiar. Quando,um dia, reunir esses escritos (pense nisso), dará um livro que ficará de pé.
E de fato, fazemos parte de uma confraria secreta, num mundo em que os sabidos, os velhacos, predominam, mas não ficam.
Continue, meu caro Antônio-Carlos, e terá em mim o seu leitor cosntante e pasmado.
Meu querido Annibal, pai, amigo, mestre e poeta maior,
Finalmente tenho a sua presença enriquecedora no meu modesto blog, que sabia ser acompanhado por você, mas não sei se realmente por interessá-lo ou se por carinho e zelo paternal, para verificar se não ando falando muita bobagem. De todo modo, ganhei o dia.
Já há algum tempo vinha pensando em escrever algo sobre Poe, em razão dos 200 anos de seu nascimento. Ontem, depois de jantarmos juntos e nos fartarmos com nossas conversas e lucubrações, o vinho me fez perder o sono e, sozinho em casa com a viagem da Delucena para São Paulo, deixei os livros que estou lendo para reler Poe, o que me levou a escrever o post de madrugada. Há uma continuação, sobre O Corvo e sua Filosofia da Composição, que deixei para postar hoje. Espero que também a leia.
Adorei a sugestão do seu pai: esses escritos merecem compor um livro!
Mas estou na maior dificuldade para fazer qualquer comentário, porque estou ouvindo Luis Miguel (Mis boleros favoritos) e acabei de escrever noutro blog, de uma amiga, que não são apenas as cartas de amor que são ridículas. Mulheres apaixonadas também podem sê-lo. E como… rsrs
Mas… com tanto romance no ar, vou tentar me concentrar um pouco: gostei mais da versão de Fernando Pessoa (claro!), mais leve, mais agradável de se ler. Poder “confrontar” as duas versões, de dois dos maiores ícones da literatura, é sensacional. Uma (versão) pode “aparar” as arestas de outra. E as duas juntas são um primor!!!!
Muitíssimo obrigada por me apresentar a este mundo novo! Confesso que não conhecia nada disto, que é maravilhoso…
O Corvo vem passando de geração a geração…será q um dia eu também recitarei alguma coisa ao meu filho de cinco anos, q possivelmente não entenderá nada, mas ficará certamente encantado esse poema lindo e misterioso? beijo Carol
Magnífico poder ler o que você escreve com tanta maestria.
Pra dizer a verdade eu estranhava a ausência de comentários de seu pai, tentando entender porque. Ele, como você bem diz, e todos sabemos, grande pai, amigo e poeta maior.
Sempre me senti prestigiada quando de minhas idas à Ribeirão – tem muitos e muitos anos – quando Annibal descia e me dava pra ler os cadernos de escritos dele. Ficava horas lendo, absorvendo, tentando entender como uma cabeça pode ser tão rica e imaginativa.
E você, querido menino, teve herança magnífica desse pai brilhante.
Consigo ficar emocionada lendo o que escrevem e agora lendo o comentário feito por ele.
Restou uma frustração: não ter tido a oportunidade de ver Annibal declamando O Corvo.
Grande abraço a todos e a admiração constante da Sonia