Annibal Augusto Gama
Assim como há uma arte de vencer, há uma arte mais sutil, que é a arte de perder.
As pessoas que preferem ganhar sempre, esquecem que a vitória é uma euforia passageira, carregada de obrigações e compromissos que pesam desmesuradamente, enquanto perder se torna uma lembrança permanente, com muitas reflexões: “Se não tivesse acontecido isso, se aquela bola não tivesse batido na trave, se eu tivesse feito aquilo, e não o que fiz…”
Quem olha com desprezo o perdedor esquece que ele também afinal vai perder, de um modo ou de outro. Perder é projetar-se para o passado, enquanto ganhar traz sempre a inquietação de se conservar e se preservar.
Aconselha-se aos que vão vencer: “Não perca a estribeira”. Já os perdedores não têm compromisso nenhum com o estribo, nem com o cavalo. Vão aonde os levam o cavalo, o vento e a estrada.
Uma camisa da qual se perdeu os botões deixa à mostra o peito que será bafejado pela brisa fresca da tarde. Ao contrário, os ganhadores conservam os botões abotoados até o pescoço, e abafam-se.
Vejam os casos dos ganhadores da sorte grande: eles precisam mudar-se de um lugar para outro, estar cercados de guarda-costas, perdem o sono, com medo de ser roubados, e já não têm sonhos deliciosos. O perdedor vai para onde quer, e pendura o chapéu em qualquer lugar.
Os vencedores não encontram explicação para a sua vitória, ou acham que tiveram mais coragem, mais energia, mais perspicácia; e não podem dizer, como os perdedores: “Perdido por perdido, truco!”
A mulher que você amou e perdeu continua sempre presente. E não envelhece, é sempre bela. Mas a mulher que você não perdeu lhe inferniza a vida. Você a cada dia acha nela defeitos que a outra, a perdida, não tem.
E aqui está a verdade: o melhor da festa é esperar por ela. Porque a festa é sempre a mesma coisa, e você acaba entediado ou embriagado.
O certo é que, quando você perde, ou se perde, você se acha. E o ganhador jamais se acha.
Um projeto que não se realizou pode ser um projeto que ainda se realizará. Mas, realizado, ele pode ter conseqüências desastrosas. Por isso, a Otávio, vencedor no Egito, prefira Marco Antônio, que teve Cleópatra nos braços.
Um navio encalhado, que jaz no fundo do mar, conserva o tesouro que continua sendo buscado. Se se consegue tirá-lo dali, é uma decepção.
Gosto mais dos barcos que chegam, e não dos barcos que vão. O peixe que você não fisgou é mais belo, porque nada para longe, enquanto o peixe que foi fisgado vai endurecer no frigorífico.
Nem vale mais um pássaro na mão do que dois voando: Não senhor, os dois que voaram cantam, e o que ficou na mão entristece e perece.
Está errada a exclamação bíblica: “Vae, victis!” Porque os vencidos são aqueles que já não temem, e não têm nada mais a perder.
E quando Proust buscava o tempo perdido já o tinha reencontrado.
Ai dos vencedores, que são homens sem imaginação! Perderam a substância da vida.
Gama, é isso mesmo: às vezes quando perdemos, ocorrem coisas muito boas que seriam inviáveis se tivéssemos ganhado. Precisamos também saber lidar com a arte de perder em alguns momentos, pois o sofrimento nos ensina a amadurecer, o mal necessário. Como dizia mestre Nelson Cavaquinho, “Feliz aquele que sabe sofrer”.
Excelente crônica, parabéns.
Abraçaço.
Crônica fantástica Sr. Annibal!
Com que sutileza essa abordagem sobre o erro, a possibilidade dos enormes ganhos reflexivos diante do fracasso.
Confesso que também gosto mais de gente que deixa peixe e pássaros escaparem. São mais interessantes, livres e desencouraçados.
Obrigada pela bela escrita.
Aprecio muito o texto do Annibal. Suas metáforas e subjetividades alicerçam meu saber. Um filósofo.
Annibal, entendo que o ganhar e perder é o jogo da vida. Ninguém é sempre um derrotado e ou um vencedor. melhor avaliação que faço é na relação o espaço e tempo.
Simplificando: ganhar e perder tem local e hora marcada. Precisamos de atenção, inteligência, bom senso e, … para essa convivência e nunca uma conveniência.
O título é isso: saber ganhar e saber perder. Uma arte
Meus parabéns e agradecimentos…valeu mestre.
Gostei do comentário da Maria Helena
Mestre, “distraídos venceremos”…