A morte de Anselmo Duarte, diretor de O Pagador de Promessas, o único filme brasileiro a receber até hoje a Palma de Ouro no Festival de Cannes, é o epílogo de uma história pessoal de luta, talento, triunfo e desilusão que reflete a própria história do cinema brasileiro.
Adaptação da peça de Dias Gomes, O Pagador de Promessas derrotou no Festival de Cannes de 1962, entre outros, filmes de mestres como Antonioni (O Eclipse), Buñuel (O Anjo Exterminador) e Robert Bresson (O Processo de Joana D’Arc), obtendo a consagração de um júri que entre seus integrantes tinha nada mais, nada menos, do que François Truffaut.
Isso não impediu (ou talvez tenha sido a causa para) que Anselmo Duarte fosse devastado por muitos críticos brasileiros e pelos luminares do Cinema Novo, que tacharam o filme de acadêmico e quadrado, na contramão da nova estética. Chegaram a disseminar versões difamatórias, jamais confirmadas, de que O Pagador de Promessas somente se sagrou vencedor em razão do impasse dos jurados entre os filmes de Antonioni e Buñel, e ainda de que Anselmo, valendo-se do seu tipo de galã (o que também nunca lhe foi perdoado) teria namorado a assessora de imprensa do festival e por meio dela caído nas boas graças do júri.
Esse patrulhamento, odioso sob todos os aspectos, e que me enoja, é muito comum no Brasil. Tom Jobim é outra vítima dele, criticado por ressentidos do seu grande reconhecimento internacional. Quase foi apedrejado em praça pública quando cedeu os direitos da sua antológica Águas de Março para que a melodia fosse utilizada numa campanha da Coca-Cola. Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Morais também sofreram pelo seu sucesso. Aliás, Tom Jobim, na época dos ataques pela cessão de Águas de Março, definiu bem o que nos acontece:
— Brasileiro perdoa tudo, menos o sucesso!
Depois do massacre sofrido, Anselmo Duarte ainda conseguiu realizar alguns filmes apreciáveis, como Vereda da Salvação e O Crime do Zé Bigorna, mas, desgostoso e amargurado, acabou por se afastar do cinema até morrer aos 89 anos, praticamente no ostracismo.
Acadêmico ou não (e que mal haveria nisso?), O Pagador de Promessas é um grande filme e resistiu muito bem ao tempo. Tornei a assisti-lo e não me decepcionei. O roteiro, a direção de atores, os cenários, a fotografia são excepcionais, e alguns planos e enquadramentos, de grande criatividade.
Enquanto isso, para aonde caminha o cinema brasileiro? Continua a ser uma promessa não paga?
Assim pensa o francês Jean-Michel Frodon, ex-crítico do jornal Le Monde e ex-diretor da revista Cahiers du Cinèma, para quem os filmes nacionais são promessas que não se cumpriram e Walter Salles é um fenômeno isolado. Considera Ensaio sobre a Cegueira e O Jardineiro Fiel, de Fernando Meirelles, filmes internacionais, e ruins (Folha de S. Paulo, Triste Cinema Brasileiro, Ilustrada, E1, 2/11/2009).
Mas há também quem aponte para o ressurgimento do cinema brasileiro, com uma nova geração de diretores promissores.
De fato, nos últimos anos foram realizados alguns bons filmes. Outros, apesar do forte apelo comercial (o que também não se pode simplesmente desprezar, se pretendemos criar uma indústria cinematográfica e conquistar público), são pelo menos bem feitos e assistíveis.
Um dos filmes de que mais gostei recentemente, e com o qual me comovi até as lágrimas, teve uma trajetória meteórica pelas salas de exibição, mas já saiu em DVD e pode ser visto. Trata-se de A Via Láctea, que ganhou diversos prêmios, foi selecionado para abrir a Semaine de la Critique, do Festival de Cannes de 2007.
Produzido e dirigido por Lina Chamie, tem como protagonistas, com grandes atuações, Marco Ricca e Alice Braga, mas também é personagem a própria cidade de São Paulo, com suas avenidas, ruas e esquinas, com seu trânsito caótico, transeuntes, paisagens e dramas urbanos.
E mais não direi. Assistam e me digam.
Interessante como a beleza, que faz a fortuna de uns, pode resultar na “desgraça” de outros… Em todo caso, eu pagaria pra ver. Aliás, deve ser de tanto “pagar pra ver” que tenho me estrepado como tenho me estrepado… Tudo bem, com a bola rolando, não dá pra ficar com muita filosofia; todos procuramos o, ou um, pelo menos, gol (juro que não tenho conversado com o “companheiro Lula” – parece que ele também gosta muito de comparações com o futebol… rsrs)
Não me animo a assistir filmes nacionais (que me perdoem os politicamente corretos em relação ao cinema nacional). Talvez porque esteja mal acostumada com o altíssimo padrão (e investimento financeiro) dos astros, estrelas, roteiro e tudo mais das produções americanas, os filmes nacionais não me conquistam (está certo que assisti bem poucos… Bicho de sete cabeças, Carandiru, Se eu fosse você, um pedacinho d’Os Normais)… Enfim, ainda prefiro me deslumbrar com as atuações dos atores de Hollywood e de alguns ingleses (que acabam se tornando hollywoodianos também) do que me aventurar, por pouco, mas precioso tempo, que seja, com os nacionais. Mea culpa, maxima culpa.
Entretanto… com uma recomendação como a deste post, é bem possível que não deixe de passar pela “Via Láctea” (o nome ajuda e, afinal, preciso conferir o tão decantado talento de Alice Braga)… depois eu conto.