Meu pai suspeitou de alguma tramoia quando, sem prévio aviso, recebeu a visita de um homem muito bem-apessoado e cortês, que se expressava com absoluta correção, e se apresentou como diplomata de carreira, portador de um convite do Ministro das Relações Exteriores para um encontro reservado em Brasília.
Ao tomar conhecimento, tampouco acreditei na história, mas, para encurtar, a coisa era mesmo séria e cerca um mês depois meu pai foi designado como adido especial do Brasil no Sri Lanka.
Como até então a única viagem dele ao exterior havia sido em minha companhia, quando percorremos quase toda a Europa em um carro alugado, e também em razão da sua idade, quis que eu fosse com ele, conseguindo sem dificuldade minha nomeação como seu secretário particular.
Além de não lhe poder negar o pedido, confesso que me senti atraído pela aventura. Sonhava com férias sabáticas, e bem remuneradas, em que pudesse fugir por completo da rotina, fazer o que quisesse, quem sabe tentar escrever o romance há muito projetado.
E lá fomos nós para a distante República Democrática Socialista do Sri Lanka, antigo Ceilão, uma ilha verde e agradavelmente ensolarada, situada numa região tropical da extremidade oriental da Índia. Por razões estratégicas, nos alojamos no consulado brasileiro da cidade de Colombo, capital comercial do país, uma espécie de São Paulo ou Rio de Janeiro, e não na capital político-administrativa, Sri Jayawardenapura.
Os acontecimentos são muito recentes e envolvem assuntos de Estado, o que me impede de revelar a missão de meu pai, a não ser que a cumpriu com rara eficiência e pleno êxito, em menor prazo do que se previa. Apenas menciono o episódio porque ele mesmo o fez em uma das suas recentes crônicas que publica semanalmente num jornal.
Posso falar, entretanto, sobre minha estranha experiência naquele país. Sempre me imaginei passando por grandes peripécias em Istambul, decerto influenciado pelos livros, filmes e mistérios da histórica Constantinopla. Nunca sequer havia cogitado visitar o Sri Lanka, que nem sabia ao certo onde ficava.
Tinha muito pouco a fazer, já que meu pai dispunha de tantos assessores quantos necessitasse, por isso passei a maior parte do tempo perambulando descompromissadamente por Colombo, a conhecer seus diversos bares, cafés, museus, templos, suas lindas mulheres, sua zona portuária, seus prostíbulos.
Meu inglês, francês e espanhol são sofríveis, leio razoavelmente bem, mas me atrapalho na conversação. Aconteceu, porém, um fenômeno inexplicável comigo em Sri Lanka, que causou espanto até mesmo entre os diplomatas com que convivemos. Aprendi com extrema facilidade o cingalês, que em pouquíssimo tempo não apenas falava fluentemente, como lia e escrevia. Se realmente existem vidas passadas, devo ter sido em outra encarnação um cingalês ou um mouro do Sri Lanka. Além do idioma, sentia-me muito à vontade com os hábitos e a cultura local, como se estivesse em casa.
Lendo sobre a história do país numa biblioteca de lá, descobri que em 1505 (portanto pouco depois de terem chegado ao Brasil) os portugueses invadiram o Ceilão, ocupando o litoral e estabelecendo três reinos principais: o de Kandy, localizado no planalto central; o de Jaffna, no norte, e o de Kotte, o mais poderoso deles, que ficava no sudoeste. Os portugueses foram expulsos pelos holandeses por volta de 1658, mas conseguiram manter o reino de Kandy pelo menos até 1796, quando os britânicos assumiram o controle de todo o país, na expansão do seu império em que o Sol jamais se punha.
Essa longa presença lusitana e alguns episódios dela de que também tomei conhecimento me desviaram por completo do romance que tencionava escrever, e quando me dei conta tinha produzido um outro inteiramente diverso, com conotações históricas, passado no Sri Lanka e escrito em cingalês, cujo protagonista é um descendente dos antigos portugueses. Dei-lhe o título de AYUBOWAN, saudação cingalesa que significa “vida longa”.
De volta ao Brasil, tentei laboriosamente traduzir o romance para o português, mas não fui adiante. Há palavras e expressões cingalesas que são únicas, impossíveis de serem vertidas ainda que palidamente para nossa língua ou qualquer outra.
De modo que o livro permanecerá inédito, a não ser que algum dia alguém se interesse em editá-lo no Sri Lanka, onde, sabe-se lá, possa me tornar um autor de sucesso.
Ontem, lendo “O Negociador”, de John Grisham, várias vezes parei para pensar o que faz o sucesso de um livro. Precisa ter um começo interessante; muita movimentação durante a trama, agora, o final… fiquei procurando se havia mais alguma página no livro, se aquele era realmente o final do estória. Não podia ser! Então me lembrei de outros livros de sucesso em que o final também deixa a desejar, fazendo transparecer que fiz papel de boba acompanhando com tanto interesse uma estória sem um “final decente”.
Então, é isto, senhores “aprendizes de escritor”: início interessante, continuação movimentada; quanto ao final… guardem seus preciosos neurônios para o próximo sucesso editorial.
Se o senhor, Doutor Gama, for mesmo escrever um livro, poderia ser de suspense????