Homo privatus

 

 

 

                        Muito já se refletiu e escreveu sobre a origem e o sentido da vida, o significado e o papel do ser humano no universo.

                        Filosofia, ciência e religião oferecem explicações para todos os gostos e ocasiões. Criacionistas e evolucionistas controvertem incansavelmente.

                        Todavia, de um modo geral, o ser humano é colocado no ápice da criação ou da evolução. O homem, com a sua inteligência, é capaz de transformar a natureza e adaptá-la às suas conveniências (e as consequências disso já se fazem sentir). Somos o último elo da cadeia alimentar, e o que demais existe, mineral, vegetal ou animal, é para nos servir, de comida, cobaia,  utensílio ou  simples diversão.

                        Há ainda os que escalonam em classes os próprios seres humanos, seja pela raça, cor da pele, poder, riqueza, nacionalidade, descendência nobre ou plebéia, brâmane ou pária.

                        O atual fenômeno editorial são os livros de autoajuda, que nos ensinam maravilhas sobre nós mesmos, do que somos capazes e podemos.

                        Tudo isso me faz pensar que, caso exista de fato um ser supremo, uma força ou inteligência superior ― dê-se-lhe o nome que queira ― ele ou ela deve ter a par da sabedoria, et pour cause, um grande senso de humor, de que nos dá exemplos constantes, basta que saibamos ou queiramos ver.

                        Um desses exemplos, que nos põe na exata medida do nada que somos, é a diarréia que nos acomete de chofre e nos deixa em maus lençóis.

                        Refiro-me àquela diarréia incoercível, aquosa, fétida que nos prostra no único trono que nos faz a todos soberanos, do qual não ousamos arriscar a sair. E se o fazemos, logo retornamos aflitos, pois que lá é o nosso lugar, o nosso porto seguro.

                        Mal-estar, cólica, dor de cabeça, enjoo, prostração e o vexame de sujar a roupa ao menor vacilo. Dar vazão à ventosidade intestinal é uma temeridade, e quase sempre uma capciosa armadilha.

                        Onde estão a nossa magnificência, a nossa vanglória, o nosso lustro?

                        Devastados por reles vírus, bactérias ou microorganismos unicelulares.

                        Não há como deter a  revolução intestina  na sua avassaladora  carga inicial. Só nos resta premer a descarga. Pouco a pouco, porém, as minguadas forças de resistência vão minando a sedição, cortando os alimentos, repondo o líquido perdido, repousando e mantendo-se firme no trono. O primeiro pum a seco é o clarim festivo da libertação.

                        Mas tão logo remidos, esquecemos da lição diarréica de humildade e retomamos nossos ares de seres superiores.

                        Até que um dia a velhice provecta (se logramos alcancá-la) nos devolve à primeira infância e às fraldas sujas, na espera da mortalha derradeira.

 

 

 

      

7 comentários

  1. sonia k.
    01/04/10 at 16:07

    Dou boas risadas com suas histórias, querido.
    Por exemplo sua forma de colocar palavras quase suntuosas pra definir algo simples como “ventosidade intestinal” hahahaha
    Realmente nada mais forte pra nos colocar com os pés no chão e bumbum no trono, propiciando analisarmos nossas insignificância dentro de todo o contexto.
    Quando cita que o ser supérior que deve existir tem bom humor, lembrei da música: “Deus é um cara gozador, que adora brincadeira, pois pra me botar no mundo tinha o mundo inteiro; mas achou muito engraçado me botar cabrero na barriga da miséria, nasci brasileiro”.
    Espero que v, esteja bem e que o escrito seja só uma forma jocosa de contar possíveis “viroses” que nos acometem.

  2. Antonio Carlos
    01/04/10 at 18:01

    Que bom que você gostou. Eu já estou bem, mas se trata de experiência própria, no começo desta semana…

  3. bellgama
    01/04/10 at 18:12

    Papilly, só você para ter a capacidade e se inspirar até mesmo nas coisas mais sujas e fedidas. Só você para pensar num post no meio de uma diarréia. Por isso, que eu amo você! Ti doro, beijos

  4. Lilian
    01/04/10 at 19:40

    A minha (diarréia) acho que foi pior que a sua… A barriga doía muito, cheguei a me deitar no chão do banheiro pra ficar por lá mesmo… rsrs
    Depois, bem depois, deu pra ter coragem de me afastar do “trono” e ir pra cama… com a barriga “totalmente vazia” e doendo como nunca… rsrs (agora é engraçado!)
    Vou perguntar pra minha mãe como essas viroses de agora se chamavam antes…

    • sonia k.
      04/04/10 at 13:05

      Querida, acho que não tinham nomes específicos e muito menos eram chamadas de virose. Antigamente a gente tinha desarranjo,
      caganeira (desculpe!) e curava com chazinhos de mãe ou de avó.
      Hoje em dia tudo ficou mais explicado e então temos viroses que acaba tudo dando na mesma. Beijos

      • Lilian
        04/04/10 at 22:49

        Oi, Soninha, Dr.Gama! Embora o domingo já esteja acabando (que pena) uma Boa Páscoa pra vocês! Que a ressurreição de Cristo esteja sempre presente em nossos corações… Um grande abraço!

  5. Antonio Carlos
    04/04/10 at 14:24

    A Sonia está certa. “Virose” é apena o nome que os médicos dão quando não sabem o que temos…

    A gente tinha simplesmente “dor de barriga”, o que dá no mesmo.

    Também se morria de “apoplexia” (especialmente nos romances), o que também dá no mesmo.

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