O já cognominado “jogo sem fim”, travado pelo norte-americano John Isner (19º do ranking) e o francês Nicolas Mahut (apenas o 148º do ranking), que se batem há três dias e mais de 10 horas numa quadra do tradicional torneio de Wimbledon (o quinto e decisivo set estava empatado em inacreditáveis 59/59, já que não há tie-break em Wimbledon), lembra-me um grande filme, Os Duelistas baseado num conto do extraordinário Joseph Conrad (O Duelo).
Se não me engano foi o primeiro longa metragem dirigido por Ridley Scott, numa época em que ele ainda podia ser autoral (Alien, O 8º Passageiro, Blade Runner, O Caçador de Andróides, Thelma e Louise) e não era obrigado a realizar blockbusters, mesmo assim apreciáveis (Gladiador, Hannibal, Um Bom Ano, O Gangster, Rede de Mentiras, entre outros)
O filme é belíssimo em todos os seus aspectos, direção de atores e de arte, música, fotografia exuberante, que parece inspirada na estética dos quadros impressionistas, com muitas cenas captando a deslumbrante paisagem dos bucólicos campos rurais da França do fim do século XVIII e início do século XIX.
Até mesmo o canastrão do Keith Carradine (irmão do Kung-Fu David Carradine, não menos canastra) está esplêndido como o jovem tenente do exército francês, Armand D’Hubert, o qual é encarregado de prender o truculento e irascível oficial Gabriel Feraud (Harvey Keitel, também excelente), por haver participado de um duelo. Feraud não aceita a detenção e desafia D’Hubert para um duelo, vencido por este.
Inconformado e sedento de vingar a honra ultrajada, Feraud passa a perseguir e desafiar-sucessivamente D’Hubert para novos duelos em diversos lugares, ao longo dos 15 anos que se seguem e marcam a Era Napoleônica. Por seus méritos militares, ambos chegam ao posto de general, mas os embates não cessam, pois que a cada um deles os dois duelistas sobrevivem, feridos e extenuados.
A história, no seu aparente disparate, tem os ingredientes clássicos de várias obras de Conrad, em especial o significado idiossincrásico de honra e coragem, a situação absurda em que se vê D’Hubert, preso numa cadeia de ideais e valores que não são dele e lhe tolhem a liberdade de agir em face do assédio e da obsessão de Feraud (o inferno são os outros). Essa situação agônica está presente em Lord Jim, Coração das Trevas (do qual Coppola extraiu o monumental Apocalypse Now) e outros livros e escritos de Conrad.
Ignoro neste momento em que escrevo como o duelo de tênis de Wimbledon chegou ao fim, mas gosto de imaginar que os conspícuos cavalheiros ingleses da direção do torneio, contrafeitos, sejam obrigados a se valerem de uma prosaica moeda para o tradicional toss, e que a moedinha caprichosamente caia em pé…
Como é de meu costume, tampouco revelarei o final do filme, para aguçar a curiosidade daqueles que ainda não assistiram (é fácil encontrar em DVD) e não lhes tirar o prazer de aguardar e imaginar o desfecho (que a meu ver permite várias interpretações).
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Sinceridade? – Como o senhor tem o dom da narrativa, parece que esse não é o tipo de filme que gosto (até assisto, mas não curto). Prefiro um arrasa quarteirão como Gladiador, também mencionado, que, entretanto, apesar do encanto à primeira vista, não dá para assistir novamente (já tentei nos replays da tv e não consigo; não se compara àquela gradiosidade vista no cinema). Hannibal também gostei, mas é outro que só dá pra assistir uma vez.
Sei lá porque, sou vidrada em filmes (e livros) tipo suspense, policial (um que me ocorre agora, como exemplo, é “O Chacal”).
Sei lá porque, também, a estória desse filme me fez lembrar d’O Velho e o Mar (“duelos”), que lí há mais tempo do que posso revelar… rsrs