Assim como Vandré já alertava que a vida não se resumia a festivais, tampouco a literatura se resume a premiações de qualquer tipo.
Os festivais e as premiações em geral são importantes especialmente pelo incentivo aos autores, tanto novos como consagrados, por divulgar as obras e despertar o interesse do público. As colocações e os vencedores importam menos, e sempre serão passíveis de controvérsia, de preferências e idiossincrasias.
O ruim é quando se estabelece um Fla-Flu, com a radicalização típica do torcedor fanático, que prefere que seu time entregue um jogo a ver o rival campeão.
Agora puserem o Jabuti na árvore, e há os que querem que Chico Buarque o devolva ao chão, por considerar injusto ou contraditório que o seu romance Leite Derramado, que ficou em segundo lugar na categoria, tenha ganhado depois o prêmio de livro do ano.
O Fla-Flu literário se trava entre dois cachorros grandes, Record, que publicou o livro de Edney Silvestre, Se eu fechar os olhos agora, vencedor da categoria melhor romance, e Companhia das Letras, que edita Chico Buarque.
Para quem quiser participar, há até mesmo dois abaixo-assinados na internet: Chico, devolve o Jabuti! e Chico Buarque, fique com o seu Jabuti.
A polêmica já desbordou do âmbito literário para o ideológico: a Record representaria a direita retrógada, antilulista, por ter no seu catálogo Reinaldo Azevedo, Demétrio Magnoli, Merval Pereira, Ferreira Gullar(!); a Companhia das Letras abrigaria a esquerda festiva, pró-Lula, por publicar, além do próprio Chico, José Miguel Wisnik, Marilena Chaui, entre outros (Lula está em todas…).
Quanta bobagem!
Pois vejam só como La Donna è mobile / qual piuma al vento / muta d’accento / e de pensiero. No festival de MPB da TV Record em 1966, Chico Buarque com a sua lírica A Banda, tida por muitos como saudosista e alienada, dividiu o primeiro lugar com a esquerdista Disparada, de Geraldo Vandré. Consta que o próprio Chico teria exigido do júri a declaração de empate sob pena de recusar o prêmio.
Já comentei neste blog Leite Derramado e Se eu fechar os olhos agora.
O livro do estreante Edney Silvestre foi uma agradável surpresa. Leite Derramado é, de longe, o melhor romance de Chico, que parece finalmente ter acertado a mão como escritor. Mas não fico em cima do muro ou da árvore com o Jabuti: para meu gosto, Leite Derramado é superior, mas isso não desmerece a premiação de Se eu fechar os olhos agora, que por sua vez me agradou bem mais do que os dois primeiros romances de Chico, Estorvo e Benjamim.
O regulamento do Prêmio Jabuti pode ser emaranhado, mas quem se inscreveu o aceitou e deveria conhecê-lo. Não vale reclamar depois, ou querer mudar as regras após o fim do jogo.
Também no Oscar ocorrem disparates: o melhor diretor frequentemente não é o diretor do melhor filme. O filme mais premiado nem sempre recebe o prêmio de melhor filme.
No caso do Jabuti, o melhor romance (eleito por um júri técnico), pode não ser o livro do ano, escolhido pelos associados da Câmara Brasileira do Livro, certamente levando em conta outros critérios, não literários, como repercussão e vendagem. Aliás, o romance de Edney Silvestre ganhou projeção somente após receber o Prêmio São Paulo de Literatura de melhor romance estreante, e depois o próprio Jabuti.
Chico e Edney, fiquem com seus Jabutis!
E os incomodados que vão pentear macaco.
Direita retrógrada e esquerda festiva? Não há mesmo um meio termo (desde que não seja o “centrão”? rsrs)
Só por esses rótulos, nem quero entrar na discussão, para não ser retrógrada, porque de festiva não tenho nada, ainda mais considerando os seus “integrantes” (faltou Paulo Coelho – aquele que vende livro, não sei de qual/quais editoras, como se fosse água, não sei pra quem. Confesso que comprei o primeiro, mas nem continuei a leitura, como se isso pudesse me penitenciar).
Como estou por fora, junto com o Jabuti veio dinheiro? Se sim, explica-se a briga; se não, talvez seja um mero recurso midiático para promoção dos livros, o que justificaria plenamente a repercussão, o interesse da turma em promover a celeuma.