Herdeiros do vento

 

“A história se repete. Esse é um dos horrores da História.”  (Charles Darwin)

 

                         Duzentos anos depois de haver nascido, passados cento e cinquenta anos da publicação do seu célebre livro, A Origem das Espécies, e cento e vinte e sete anos de sua morte, Charles Darwin passa muito bem, obrigado. O que me faz lembrar a velha anedota sobre o diálogo entre dois defuntos:

                        Como vai você?

                        Muito bem. Em excelente estado de putrefação!

                        Mas isso certamente não se aplica a Darwin, talvez o único pensador ou cientista cujas idéias e teorias formuladas no século XIX atravessaram todo o século XX, e prosseguem neste século XXI, sem que fossem rechaçadas, antes tendo sido convalidadas. Não se pode dizer o mesmo de outros vultos históricos não menos importantes, como Freud, Marx e até mesmo Einsten, que foram revistos, contestados ou desmentidos em muitos aspectos do que sustentavam.

                        Muito se tem falado neste ano comemorativo sobre Darwin, sua obra e a famosa teoria da seleção natural. Tais ocasiões são propícias para que também se diga muita bobagem, como a de que a seleção natural seria a responsável pelas mutações ou adaptações das espécies, dando-se como exemplo o alongamento do pescoço da girafa para que pudesse alcançar os brotos de folhas das árvores mais altas, coisa jamais cogitada ou mencionada por Darwin.

                        Outro ponto que me parece incorreto, ou pelo menos duvidoso, é a afirmativa de que o evolucionismo darwiniano e o criacionismo seriam absolutamente inconciliáveis. Sabedor dos ataques e das contestações que iria sofrer dos líderes religiosos radicais e fundamentalistas, Darwin, habilmente, evitou estabelecer tal confronto nas suas obras.

                        Haja vista as duas frases seguintes a ele atribuídas, que são ambíguas e contraditórias: Não consigo me convencer de que um Deus caridoso e onipotente teria propositalmente criado vespas parasitas com a intenção expressa de alimentá-las dentro de corpos vivos de lagartas”; e “A impossibilidade de concebermos o universo tão grande e maravilhoso, como realmente o é, me parece o argumento principal para a existência de Deus” (esta última em resposta à carta do topógrafo holandês Nicolaas Dirk Doedes, em 2 de abril de 1873).

                        Não nos esqueçamos, ainda, que em 1997 a teoria de Darwin mereceu o reconhecimento do Papa João Paulo II, que enfatizou não ser ela incompatível com a doutrina católica.

                        De todo modo não serei eu, que não sou especialista no assunto (nem em nada), o mais apto da espécie para trazer luz à discussão.

                        Recolho-me, pois, à minha insignificância e explico logo qual o propósito deste post.

                        É o de indicar e sugerir aos que ainda não conhecem que assistam ao delicioso filme O vento será tua herança (Inherit the Wind), cujo enredo trata justamente da acirrada controvérsia entre criacionismo e evolucionismo e foi extraído do romance de J. Lawrence e Robert E. Lee, baseado num caso real ocorrido em 1925, no estado americano do Tennesse, quando o professor John Thomas Scopes foi julgado criminalmente por ensinar a teoria da evolução de Darwin em uma escola pública.

                       Vento será tua Herança

O Julgamento do Macaco (Monkey Trial), como ficou conhecido o caso, durou onze dias e teve repercussão mundial pela batalha travada pela acusação e defesa, tendo sido o primeiro a ser transmitido por rádio.

 

 

             O vento será tua Herança 4  

O filme é de 1960, em preto e branco, dirigido por Stanley Kramer, protagonizado soberbamente por Spencer Tracy, como o advogado de defesa, e Fredric March, como o promotor.

       

            O vento será tua Herança 3    

 Em 1999 foi lançada uma nova versão, que praticamente repete quadro a quadro o filme, feita para a televisão e na qual Jack Lemmon interpreta o advogado de defesa (atuação que lhe valeu o Globo de Ouro com melhor ator nessa categoria, em 2000), e George C. Scott, o promotor.     

 

                     Atentem para a cena final (em ambas as versões), em que o advogado de defesa, antes de deixar a sala do tribunal, apanha o seu exemplar de A Origem das Espécies e o junta com a Bíblia brandida pelo promotor durante o julgamento.

 

 

3 comentários

  1. Lilian
    27/05/09 at 23:33

    Procurei tal dvd nos sites da Livraria Saraiva e das Americanas e não encontrei… Imagino que só tenha nas locadoras. Já faz uns três anos que não entro numa… rsrs Pegar, tudo bem; mas devolver… rsrs
    Já fui membro da Igreja Adventista e um dos pilares da doutrina é exatamente o criacionismo (contrapondo-se, claro, ao evolucionismo). Esse tipo de contenda realmente não me importa muito, porque a fé dispensa explicações. As pessoas que ficam procurando muitas respostas para as coisas divinas talvez o façam porque lhes falta fé. Não preciso que me “provem” nada, nem de um lado, nem de outro, graças a Deus.
    Mas num julgamento, como o senhor expõe no post, deve ser hiper interessante, simplesmente porque “gostamos” de debates jurídicos…
    Farei o “sacrifício” (rsrs) de me dirigir a uma locadora…

  2. Lilian
    27/05/09 at 23:40

    Esqueci de dizer que adorei as citações de Darwin, ainda que contraditórias, mas a dúvida está sempre presente nos corações humanos. Ele apenas colocou em palavras (sábias e lindas) o que todos, vez ou outra, pensamos.
    Claro que a minha preferida foi “A impossibilidade de concebermos o universo tão grande e maravilhoso, como realmente o é, me parece o argumento principal para a existência de Deus”. Fantástico!!!

  3. sonia kahawach
    01/06/09 at 1:44

    E falando em Darwin, se interessar, leia interessante matéria na Época desta semana, onde é apresentado novo livro de Richard Dawkins “A Grande História da Evolução”.
    Uma contestação estudada e aprofundada com relação à teoria da evolução do mundo animal, o que, em decorrência,inclui o homem.
    Dawkins é ateu convicto e eu já o conhecia do livro “Deus – Um Delírio”, que lí tem algum tempo.
    Teorias são discutidas ao longo do tempo e a questão Deus é algo muito pessoal e relativo. Se algumas religiões pregam que o Homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, tenho de pensar que cada um de nós é um deus para sí e para os que nos cercam, numa reciprocidade
    real. Mas nem dá pra discutir, pois como diz o “dono” do blog, não somos especialistas nem nada, então ficamos a tomar conhecimento dessas discussões assistindo, quando possível, um bom filme com debates jurídicos – que por sinal adoro!
    Também vou tentar ver nas locadoras daqui se encontro o filme indicado.

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