O grande milongueiro

 

                        Sobrevivente da máquina de escrever, usava o computador como se fosse uma, apenas para redigir seus textos, poemas que nunca mostrava a ninguém, e os trabalhos do escritório de advocacia.

                        Pouco a pouco, com o incentivo da secretária e do filho, foi aprendendo e começou a navegar timidamente pela internet, mas apenas para ler notícias ou algum artigo de interesse, pesquisar jurisprudência.

                        Detestava tudo o mais, não entendia como alguém podia perder tempo nas salas de bate-papo, nos blogs e nas comunidades virtuais.

                        Até mesmo o celular lhe parecia uma intolerável invasão de privacidade, motivo pelo qual sempre deixava o seu desligado, só o utilizando quando viajava ou precisava fazer uma ligação urgente e não havia telefone fixo por perto.

                        Ainda por insistência da secretária e do filho acabou concordando em criar uma conta de e-mail, mas apenas para mensagens telegráficas, ou para enviar e receber material de trabalho quando estivesse fora do escritório.

                        Não abria mão de escrever cartas, colocá-las no envelope e postá-las, como antigamente. O máximo que se permitia era digitar as cartas no computador, pois que a sua letra estava a cada dia pior, e nem ele próprio algumas vezes entendia o que havia escrito. Nessas ocasiões, só a secretária era capaz de decifrar os garranchos.

                         Se os grandes escritores, como Machado de Assis, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, e tantas outras figuras importantes tivessem se valido do e-mail, não teríamos os registros epistolares, que são fontes inesgotáveis e essenciais de reconstituição da vida de cada um deles, da sua época e da própria História. O que será do futuro, sem cartas, livros e jornais, tudo engolido e substituído pela mídia virtual? A própria vida talvez se torne virtual, se é que já não se tornou.

                        Mesmo a contragosto, pelo menos uma ou duas vezes por semana abria a sua conta de e-mail, na maioria das vezes apenas para limpar a caixa de anúncios publicitários, ofertas mirabolantes e  outras chateações.

                        Num desses dias deparou com a mensagem que o fez estremecer:

 

eii querido!!! nao me cansarei de falar q esse dia foi o mais lindo e mais importante da minha vidaaaaa viuu, entaaaoo, ummm bjoo na bocaaa! te amooo! apague as fotusss depois heim! rsrs (CUIDADO COM AS FOTOS ALEM DE INTIMAS MOSTRAM O MOTEL TODO INCLUSIVE O NOME) se sua esposa pega estamos perdidos rsrs

 

                        Quem lhe teria enviado aquilo?

                        Como podiam saber o seu e-mail se não o havia divulgado, a não ser para os mais próximos? 

                        Incomodado, tratou de excluir a mensagem, sem abrir as fotos que a acompanhavam.

                        Mas, nos dias seguintes mensagens semelhantes se sucederam:

 

Estou mandando nossas fotos… agora ve se não esquece de deletar depois ok, não salve nada não viu.. beijos

 

                        Deus do céu! Será que a bebedeira na noite de despedida  daquele congresso na Bahia, em que foi parar num inferninho com alguns colegas, tinha chegado a tal ponto? Não se lembrava direito do que fizera, mas um dos companheiros lhe disse de manhã quando saíam do hotel para o aeroporto:

                        Sim senhor, hem! Quem diria que ocultasse o grande conquistador que é? E um exímio dançarino de tango…

                       Com uma ressaca terrível,  achou que tudo não passava de gozação e não deu maior importância ao comentário, que havia merecido o apoio entusiástico de vários outros que participaram da comemoração.

                        Por isso não gostava de beber. Seria ele um Dr. Jekill com um Mr. Hyde nas entranhas, um fauno insaciável, um libertino sem escrúpulos nem limites, liberado pelo álcool?

                        Se sua mulher ou  famíliares soubessem disso, estava perdido!

                        Passou duas semanas de cão, lendo e apagando as mensagens, que chegavam diariamente, às vezes três ou quatro num mesmo dia.

                        Seria uma tentativa de chantagem em curso?

                        Ao mesmo tempo, roia-se de vontade de ver as fotos anexadas. Seria ele mesmo? Como estaria? O que teria feito? Quantas mulheres haveria?

                        Um dia afinal, não mais  se contendo, clicou no link das fotos.O médico e o monstro 3

                        Então ele viu.

 

 

 

 

 

 

5 comentários

  1. Sonia Kahawach
    28/05/09 at 18:40

    Veja, meu caro, que o amor também pode se renovar sendo virtual…
    AMOR VIRTUAL

    Você diz que me quer…
    Quer saber como sou, gorda ou magra,
    Alta ou baixa,
    Corpo bonito ou normal,
    Olhos expressivos ou que simplesmente olham.
    Só sabe que sou loura.
    E gosta de minha voz.
    Que importa como sou?
    Tenho sua imagem em foto e sua voz em meus ouvidos.
    Não leva a nada…
    Até porque não combinam voz e imagem.
    Pelo menos não consigo coordenar as duas.
    Talvez até porque a voz tem movimento,
    Tem entonações,
    Traz o riso e a fala séria,
    Transmite a necessidade que transborda em você.
    E a imagem é só estática
    E quando o vi com mais movimentos foi muito rápido,
    Numa seqüência quase de câmera lenta.
    Então pra mim você é mais voz que imagem.
    Em todos os meus sonhos,
    Em todas as vibrações,
    Impera a voz sem imagem
    Ou com uma imagem meio criada,
    Meio imaginada,
    Meio nada.
    Então não importa como sou.

    Sou uma mulher qualquer, com a vantagem
    Que você pode tecer em sua imaginação…
    … combinando com a voz.
    Se me perguntar se sou alegre ou triste…
    Vou ter de responder que sou poeta.
    Mais etérea que carnal,
    Mais carnal que angelical.
    Então não se preocupe como sou.
    Sou alguém que sonha com você,
    Que o inclui em seus sonhos.
    Isso basta por ora
    E não se perca em buscas desnecessárias.
    O sonho é bom…
    Procure só sonhar e viver o sonho de cada dia.
    A grande realidade é que só o presente existe.
    O ontem já se fez passado
    E o amanhã será, quem sabe, um dia a mais para sonhar.

    E…. nem só os brutos amam, os idosos também. ahahahaha
    Bjs da Sonia

  2. Sonia Kahawach
    28/05/09 at 18:44

    PS – o pensamento Amor Virtual termina na palavra sonhar, a outra frase foi só pra complementar a fala com você, viu?

  3. Lilian
    28/05/09 at 20:29

    E aí? Era vírus? Cadê a parte 2, a continuação?????
    Quero saber… Ficou parecendo aqueles filmes sem fim, que a gente fica esperando uma continuidade…
    Gosto do Al Pacino, adoro. Pego qualquer filme que tenha o nome dele. Um dia, peguei um parecido com esse seu conto: sem fim. Eu quis “bater” no Al Pacino! Aquilo foi uma traição! Até gostaria de me lembrar o nome do filme para recomendar que ninguém assista. Mas a decepção foi tão grande que até o nome esqueci…
    Mas quero deixar bem claro que não estou “decepcionada” com o seu conto. É muito interessante, foi divertido ler. Mas o Al Pacino merecia apanhar por aquele filme…

  4. Lilian
    28/05/09 at 20:37

    Também gostei do poema da Sonia!
    Estão vendo? A internet não é tão ruim assim… De que outra forma eu poderia saber que o senhor escreve tão bem e a Sonia tem alma de poeta?
    E o que mesmo eu deveria estar fazendo agora? rsrs
    Lembrei: banho. Lá vou eu. Mas sempre aguardando novidades de vocês…
    Conclusão: internet é bom.

  5. 29/05/09 at 11:55

    Sônia, que lindo poema! Enriqueceu este pobre blog. Continue colaborando.

    Lilian, o final é você quem faz. Pode ser vírus, pode ser a revelação do Mr. Hyde. Pode ser trote dos amigos. Pode não ser nada. Pode ser tudo. Não queira explicações para todas as coisas, que a própria vida é um mistério.

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