O Corvo

 

Corvo

 

                        Impossível falar de Edgard Allan Poe num único e breve post, como o anterior, e sem registrar alguns aspectos do seu poema, O Corvo (The Raven), um dos mais famosos de toda a literatura universal.

                        Depois de sua descoberta por Baudelaire, o poema despertou o interesse geral e se tornou, pela sua estrutura inovadora, uma gênese da poética moderna.

                        O próprio Poe, no célebre ensaio A Filosofia da Composição, procurou “desconstruir” e “racionalizar” o poema, intencionando demonstrar que ao elaborá-lo o fez com absoluta frieza, com o simples emprego de recursos técnicos, contrapondo-se àqueles que sustentam que a escrita poética necessita de uma predisposição emocional, a que muitos chamam de inspiração.

                        Embora o ensaio seja brilhante e atrativo, como tudo o que Poe escreveu, a mim, como a muitos outros, fica a impressão de que o poeta o montou do fim para o começo, ou seja, o ensaio é que foi “fabricado” depois de feito o poema, com o propósito de demonstrar a sua tese.

                        Isso não significa dizer que um bom poema ― e O Corvo em especial ― não comporte e até mesmo exija um trabalho longo e penoso de aperfeiçoamento, o domínio e uso da técnica para produzir certos efeitos pretendidos pelo autor, e que distinguem a poesia da prosa. É nessa esparrela que caem muitos dos que se pretendem poetas, jovens ou velhos, e pensam ser possível fazer poesia apenas com emoções e boas intenções, bastando deitar frases em beliches para compor versos ditos modernos e “livres”, libertos das amarras da métrica. Embora exista poesia, e da boa, sem metrificação rígida, não há poesia sem ritmo, que o verso livre não dispensa e torna mais difícil manter.

                        Mesmo sendo analfabeto funcional em inglês (leio razoavelmente, mas tenho dificuldade de falar e entender o que me dizem com a rapidez e as elipses típicas dos norte-americanos), não me escapa a trabalhosa estrutura de O Corvo, com suas rimas internas, aliterações, recorrências, duplos sentidos e outros efeitos especiais, que praticamente tornam o poema intraduzível. A língua inglesa é pródiga em tais recursos, que são um tormento para os tradutores. Shakespeare é um exemplo clássico disso.

                        O Corvo tem inúmeras traduções, feitas por poetas e escritores consagrados, como o já citado Charles Baudelaire, Stéphane Malharmé, Didier Lamaison, e os nossos Machado de Assis, Fernando Pessoa, Emílio de Meneses, Gondin da Fonseca, entre outros.

                        No post anterior deixei links de acesso às traduções de Machado e de Pessoa, mas alguns especialistas consideram que a tradução mais bem sucedida para o português, com as melhores soluções rítmicas e vocabulares, é a de um jornalista mineiro, quase desconhecido, Milton Amado, feita em 1943.

                        Consta que Milton Amado teve uma vida muito parecida com a de Poe, amargurada e sofrida, pelas incompreensões e a falta de dinheiro. “A natureza torna a vida bastante dura àqueles de quem deseja extrair grandes coisas”, disse Baudelaire sobre o infortúnio de Poe.

                        Daí talvez porque a  tradução de Milton Amado, embora feita por encomenda, encontrou o tom que Poe apregoava: “um poema só o é quando emociona, intensamente, elevando a alma… tive firmemente em vista o desejo de tornar a obra apreciável a todos”, o que, de certo modo, desmente a alegada frieza racional com que teria escrito O Corvo.

 Corvo 2

                          Leia a tradução de Milton Amado           

 

 

 

 

2 comentários

  1. carolina
    31/05/09 at 10:43

    Pai, vc sabe o qto gosto de Poe. Muito influenciada por vc, lógico. E o Poe é ainda pop: já vi um episódio dos Simpsons em que um corvo, recitando Poe, “em seus umbrais”, atormenta o Homer.
    Aliás, aquele livro policial q comprei, cujo mote é justamente investigação sobre a misteriosa morte de Poe, ainda não li – e acho q não tem tradução para o Brasil…mas lerei e depois te dou a dica. Um beijão, Carol

  2. Lilian
    31/05/09 at 18:02

    Embora essa última “versão” (Milton Amado) seja mais “didática”, continuo preferindo a de Fernando Pessoa. Até para traduções ele é o “melhor de todos”! Me lembrei também que ele (Pessoa) se “justificava” quanto aos seus poemas (tanto, que até criou “outras pessoas”, seus heterônimos, que falassem por ele). Na sequência, um dos meus poemas preferidos de Pessoa:

    “Sentir, sinta quem lê”

    Fernando Pessoa

    Como pode descer dos céus um poema
    assim mesmo como um raio?
    Seria presente dos deuses
    ou condenação sumária?

    Viver permanentemente atado
    aos desejos de outrem…
    Não, senhores,
    o poema não é um dom divino.
    O poema é uma conquista.

    Ele é fruto da imaginação
    e da destreza do poeta.
    O poema também não é o sentir,
    antes ele é o sentido.
    Mas quem quiser que sinta!

    Eu transpiro enquanto escrevo.
    Meus poemas nascem sangrando.

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