Velhas noites de domingo

 

 

                           Na década dos anos 60 (sim, do século passado!), havia as tão esperadas tardes de sábado, em que a TV Record (não a do bispo Macedo, mas a da família Machado de Carvalho) apresentava um programa para a juventude, chamado Jovem Guarda, que acabou se transformando num movimento musical.

                           Durante algum tempo, ainda no começo da adolescência, com alguns amigos da época, ficávamos grudados na televisão assistindo ao programa, comandado por um moço cabeludo, de olhos tristes, que com sua voz afinadíssima cantava baladas românticas e rocks bem comportados. Ele era uma brasa, mora!

                           Mas vieram os Beatles, os Rolling Stones, e em seguida os festivais de MPB, promovidos pela mesma TV Record, quando descobrimos Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, Antonio Carlos Jobim, Vinicius de Morais, Geraldo Vandré, Elis Regina e tantos outros, e esses passaram ser a nossa turma e a nossa praia. Depois disso fomos apresentados ainda à bossa nova e à velha guarda: Pixinguinha, Noel, Cartola, Nelson Cavaquinho, Adoniran Barbosa, Dorival Caymmi, Orestes Barbosa, Lupicínio…

                           Passei a encarar Roberto Carlos com certo desdém, reconhecendo sua voz e qualidade de intérprete, mas já não mais me identificando com suas canções e seus ares de artista global. Quando então ele enveredou para os temas messiânicos ou claramente oportunistas, celebrando gordinhas, caminhoneiros e que tais, o meu distanciamento e desinteresse aumentaram.

                           Desde a infância tenho algumas diferenças mal resolvidas com a segunda-feira, que já começam no domingo à noite. Nada de muito original, pois que muita gente sente a mesma coisa.

                           As velhas noites de domingo, ao contrário daqueles sábados juvenis, que depois se transmudaram em jovens tardes de domingos, são para mim um porre, seguido da ressaca depressiva da manhã seguinte.

                           A noite do último domingo não parecia diferente, agravada pelo fato de estar sozinho em casa, enquanto minha mulher em São Paulo acolhe sob as asas as crias queridas que nos deixaram o ninho vazio.

                           Eis, porém, que zapeando com o controle remoto dou com o especial da Globo Elas cantam Roberto, homenagem aos 50 anos de carreira do antigo rei da jovem guarda, hoje quase setentão, e elevado à condição de Rei Sol dos cantores brasileiros.

                           A propósito, mereceria um estudo o fenômeno que se verifica há algum tempo no Brasil: o grande número e a contínua renovação de cantoras de excelente qualidade, em contraste com a escassez de bons cantores. Temos extraordinários compositores que também interpretam suas obras, mas cantores notáveis, de ofício, são raros.

                           O especial da Globo, além de proporcionar o encanto do Theatro Municipal de São Paulo, uma grande orquestra e lindos arranjos, desfilou uma seleção de ótimas cantoras interpretando canções do Rei Roberto.

                           Nenhuma delas chegou a destoar, mas, questão de gosto, para mim ficaram em primeiríssimo plano as perfomances maravilhosas de Ana Carolina, Nana Caymmi, Alcione,  Zizi e Luiza Possi. Soube que na edição a  Globo cortou os solos de Marina Lima, Adriana Calcanhoto e Marti’nália, que gostaria muito de ter visto.  Também me agradou Ivete Sangalo, com sua voz grave, potente e suave ao mesmo tempo, mas especialmente pela beleza da sua gravidez e a ternura exalada ao acariciar a barriga proeminente, preparando outra pessoa.

                           Sandy, bonitinha, engraçadinha, afinadinha, educadinha, chatinha, inodora e insípida. Ainda por maldade, logo depois dela vieram as divas Alcione e Nana!

                           Decepção da noite: Marília Pera, com sua interpretação absolutamente over, comicamente trágica, até mesmo constrangedora de uma canção fraca, de um playboy que fala em fugir das recordações de um amor perdido, enquanto se gaba veladamente da velocidade que imprime ao seu carango… A própria letra ironiza no final ao dizer que é melhor parar de pensar na amada e prestar atenção na estrada, o que foi bramido por Marília em tom lancinante, como as dores de  uma Medéia, peça com que estreou no teatro ainda na infância, em dias mais felizes.

                      Ausências sentidas: Maria Rita, Bethânia e Gal. Ausência comemorada: Vanessa da Matta, uma Sandy bicho-grilo.

                           Mesmo assim, para uma noite de domingo, véspera de segunda-feira, valeu! E me reconciliei com o Rei e algumas de suas belas canções românticas.

 

 Assista ao gran finale do showRoberto Carlos

 

 

 

 

 

 

 

 

10 comentários

  1. 01/06/09 at 22:57

    Muito bem observado. Temos cantoras surgindo (e se firmando) na MPB e cantores, raríssimos. Quando a mídia aponta uma nova esperança pode apostar que não dura. Realmente merecia um estudo de caso. Se tivessemos que fazer um especial ao contrário como: Eles cantam Ana Carolina, por exemplo, ficaria dificil formsr umm time com 10 “Divos”.

    O seu post me inspirou a dar um update no meu e colocar a foto reunion que realmente foi de arrepiar.

    Adorei o seu espaço. Principalmente por encontrar outro leitor de Edgar Allan Poe. Um dos meus autores favoritos.

    • Antonio Carlos
      01/06/09 at 23:05

      Cler, prazer em conhecê-la e recebê-la no meu blog.
      É sempre bom conhecer gente que faz parte da mesma confraria, sem que soubessemos.
      Espero que volte sempre. A causa é sua.

  2. Annibal Augusto Gama
    02/06/09 at 1:22

    Antônio-Carlos, o magnífico:-

    Ao ler o seu blog de hoje, segunda-feira, não digo que me espantei, mas fiquei mais admirado, ao veriificar, outra uma vez, que você é um “expert” da nossa música popular, da bossa nova, da velha guarda, e outras. Não teria imaginado antes que você, menino e rapazinho, quando ficava grudado no rádio ou na televisão, fazia o seu curso de música, como fez também o de futebol, no qual,foi um crack no campo. Não só um “expert”, mas um especialista atualizado, com os nomes de todas as cantoras novas na ponta da língua, e discutindo a interpretação de cada uma, o timbre da voz desta ou daquela, e tudo mais. Felizmente,temos alguma paixão em comum, pelo Adoniran e pelo Noel Rosa. Quanto a Roberto Carlos,pode ser que ele tenha as suas qualidades, mas sempre achei que ele é um choramingas,com atitudes estudadas.
    Não sou muito musical, mas também não sou como aquele para quem todas as músicas eram o Hino Nacional. O que você escreveu me fez retornar para a minha juventude e mocidade. Ainda conheço centenas de sambas e marchinhas do nosso antigo Carnaval, não desse aí, que é um desfile para enganar os trouxas e turistas,no sambódromo. O Carnaval antes era sobretudo uma festa do povo, e bastava vestir uma camisa listrada e sair por aí. E como tínhamos cantores e cantoras: Orlando Silva, Carmen e Aurora Miranda, as irmãs Batista, Marlene, Fraqncisco Alves, Ângela Maria, Sílvio Caldas,Emilinha Borba, Blecaute, centenas. Os sambas e as marchinhas de Carnaval ficavam.
    Ainda me lembro que, quando era noivo da sua mãe, recebi em São Paulo um telefonema alarmado,anunciando que ela iria ser operada de apendicite, em Guaxupé. Larguei imediatamente a Faculdade de Direito e embarquei para Guaxupe. E lá,na tarde da vépera do dia em que ela ia ser operada, sentados na varandinha da casa da Rua d´Aparecida, de mãos dadas, ela e eu cantamos mais de cinquenta sambinhas, com lágrimas nos olhos. Após a cirurtgia, no dia seguinte, a recomendação expressa do médico é que ela não devia mexer um dedo, no leito. E o teu avò materno, eu, passamos dois ou três dias, debruçado sobre ela, e segurando-a, para que não se mexesse…Também aqui em casa, ela e eu, de vez em quando,na sala, cantávamos as músicas do nosso tempo, ela corrigindo-me as letras, ela com a sua voz, que era realmente de uma cantora.
    Também não posso esquecver-me do Cine Santa Maria,do português Muniz,em Franca,em cujo palco se exibiram Orlando Silva e, nada menos que o Vicebte Celestino. “Tornei-me um ébrio,na bebida busco esquecer/ aquela ingrata que um dia me abandonou…” “Eram duas caveiras que se amavam…” A voz dele ribombava, e quebrava os vidros das janelas.
    O que não suporto são essas falsas músicas caipiras, e a praga dos Tonicos e Tinocos, como também não suporto os rodeios de Barretos, com vaqueiros de fancaria.
    Na verdade, a música, as cantigas dos homens do campo, das lavadeiras, são muito outras. Como aquela que eu ouvia na Fazenda Rio Branco: “Ô Miria/ cê vai no baile?/ Cê leva o xaile/ Que vai chovêe…/ E depois / De madrugada/ Toda moiada/Cé vai morrêe…/ Ô Miria/ cê vai casá?/ Eu vou te dá uma prenda/ Saia de renda / de trêis vinténs…”
    Músicas que eu ouvia cantar e tocar na sanfona o José Juventino.
    E o acalanto dos vaqueiros, para serenar as boiadas?
    Enquanto isso, e antes, em Guaxupé, a escala tocada no piano alemão, jorrava para fora das janelas, e rolava pelos paralelepípedos da rua, no sol escaldante…Quando não descia pela rua,gigantesca e bailante, a Boneca das Casas Pernambucanas. Ou ia para o coreto, nos sábados, de farda, em Guaxupé e em São Joaquim da Barra, a Banda Municipal…
    Muito obrigado pelo que você vem escrevendo e nos ensinando. Annibal.

  3. sonia kahawach
    02/06/09 at 9:41

    Com todo o respeito pelas considerações do pai e do filho, não posso concordar com tudo. Roberto Carlos é marcante, tanto que completa 50 anos vivo, cantando, compondo, com sucessos que não se conta nos dedos. Desde mocinha eu também ficava nas tardes de sábado e domingo pregada na TV pra ver e ouvir a moçada toda da época representando a Jovem Guarda. E as músicas embalavam os bailinhos, os namoricos e faziam parte daqueles caderninhos que ainda tínhamos na época para gravar e guardar lembranças dos amigos. Os anos passaram e sempre gostei das músicas do Roberto, pois acabam por trazer em suas letras,quase sempre, pequenas histórias de amor. Sempre o amor. Não é rebuscado ao compor, fala sempre como se estivesse ao pé do ouvido ou sentadinho ali ao lado. Assisti domingo a noite o programa inteiro, encantada com as intérpretes. Realmente teve coisas que não me agradam como é o caso da Sandy (que com ou sem Jr consegue ser só bonitinha e sonsa) e da Hebe que respeito mas acho que ficou muito tentando ser Dercy Gonçalves nessa reta final (sempre as imitações são muito mais vazias e vulgares) e acaba, com seu exagero nas jóias, sendo um balcão de joalheria. Mas as músicas foram lindas, interpretações sem comentários e Roberto Carlos….. ah Roberto…..
    Com relação às músicas sertanejas que Annibal comenta, de verdade nos últimos anos não se tem mais reais sertanejas (meu pai foi boiadeiro na década de 20 e talvez por isso fiquei marcada pelas modas de raíz) embora tenha músicas bonitas ainda e cantadas por vozes muito lindas. Ele conheceu um tempo um pouquinho além do que conheci, mas também tenho saudade das marchinhas dos carnavais de Poços de Caldas e de Guaxupé (onde passei em algumas férias indo à matinée do club, tanto que até me lembro de sua fantasia de cowboy rsrs). E também sei AINDA todas de cor e salteado. Nunca mais fizeram nada nem parecido, tanto que se perdem logo após as festas.
    Estou aqui agora, numa manhã muito fria, ouvindo na rádio local Cafezal em Flor e está muito gostoso.
    Perdoem discordar nesse momento de alguns pontos de tão altos e eloquentes conhecedores, viu?
    Bjs.

    • Antonio Carlos
      02/06/09 at 9:54

      Sonia, você tem todo o direito, e deve fazer isso sempre que quiser, de discordar das minhas opiniões. Penso no blog como uma obra coletiva, um diálogo com aqueles que o leem e dele participam, como você. E agora também com a riqueza dos comentários de meu pai, que finalmente se dispôs a sair da toca, para meu regozijo e de quem o ler. Como disse no post, reconheço as qualidades do Roberto, seu carisma e o fascínio que desperta (especialmente nas mulheres). Afinal, ninguém é rei, e por tanto tempo, por acaso.
      Ah,as velhas marchinhas de carnaval… Merecem um post, que talvez venha escrever.
      Um beijo

  4. bellgama
    02/06/09 at 10:46

    É impressionante… somente duas pessoas causaram tanta discórdia e comentários tão rápidos neste blog: Chico Buarque e Roberto Carlos. Completamente diferentes e até rivais durante a Jovem Guarda, ainda despertam interesse absurdo das pessoas. Isso por si já é um mérito. Neste ano, vou para a Feira Literária de Paraty (que delícia) e fiquei de plantão nesta segunda-feira para tentar comprar ingressos a mesa literária que o Chico participa. Não consegui. Em menos de uma hora, assim como aconteceu no mega show da Madonna, todos os ingressos estavam esgotados. Aproveito para contar outro episódio. Neste carnaval, fui ao Rio de Janeiro participar dos blocos de acontecem no maravilhoso bairro de Santa Teresa. Diferente do que o vovô pensa, o carnaval lá, ainda é sim todo realizado com músicos ao vivo, de camisas listradas tocando marchinhas. Uma delícia. Um carnaval de verdade. Mas saí de Santa Teresa para ir a um bloco novo e especial. Chama-se “Exalta Rei” e acontece nas belas ruas da Urca. Acreditem ou não, o bloco foi feito por jovens (até mais jovens que eu) para cantar as músicas do rei em forma de marchinhas. A fantasia, eram as roupas da Jovem Guarda. Ao chegar na frente da casa do Rei, ele saiu na varanda, emocionado e beijou o estandarte enquanto milhares de jovens cantavam: Pápara, parara parara… Foi lindo!

  5. carol
    02/06/09 at 17:03

    Pai, q delícia de POST..amei. Olha, de tantas coisas em comuns – q eu só faço descobrir dia-a-dia, temos mais uma que acabei de saber: eu também odeio a Vanessa da Mata.
    Vamos fazer a camiseta e sair num cordão, batendo as panelas…ainda bem q ela não trucidou, com sua vozinha, alguma música do Rei
    beijo, Carol

  6. Lilian
    03/06/09 at 13:39

    Eu simplesmente ADORO o Rei! E como súdita fiel, lhe rendo todas as homenagens, inclusive indo a todos os shows que ele já fez em Ribeirão. Outro dia, li na internet que as mulheres falam do Chico (Buarque) mas cantam é Roberto. E isto dito pelo Caetano!
    São artistas totalmente diferentes e, portanto, incomparáveis. Mas, entre o show de um ou outro, eu sempre optaria pelo Roberto! É magia pura uma “noite de encontro com o Rei” (num show, claro! rsrs) somente comparável aos sonhos mais bonitos que alguém poderia ter. Por isto, não perco suas apresentações quando vem à nossa cidade; foram momentos muito bonitos, inesquecíveis, que guardo em meu coração. Sei que muitos não entenderão; só quem é fã pode saber como é. Não é algo que se conte; é pra sentir…
    Roberto Carlos, eu te amo!
    PS: não assisti ao programa (devia estar vendo algum filme…)

  7. sonia kahawach
    09/06/09 at 9:16

    Lilia, fã tão ardorosa tinha que assitir ao show de domingo, menina!
    Deve sair em DVD completo, com todas as cantoras que não foram inseridas na apresentação e só apareceram ao final para cumprimentá-lo. Pelo que já li, houve muita reclamação com relação a seleção que a Glob fez para colocar no ar. Bjs.

    • Antonio Carlos
      09/06/09 at 16:11

      Sônia,

      Você tem toda razão. A Globo, até quando acerta, nunca deixa de fazer das suas. Dá uma no cravo e outra na ferradura! Como cortar as participações de cantoras e artistas maravilhosas como Marina Lima, Marti’nália e Adriana Calcanhoto?

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