A paisagem roubada

 

 

  

                      Sempre que estou no Rio de Janeiro não resisto a  rever o  banco, à altura do Posto 6 em Copacabana, onde se instalou desde 2001 a estátua de Drummond, sentado de costas para o mar. Na base do banco acha-se gravado o verso: No mar estava escrita uma cidade.

                        A estátua de bronze, confeccionada pelo também mineiro Leo Santana, retrata com impressionante semelhança a figura do poeta, nas suas feições,  na sua postura retraída e meditativa, no seu olhar melancólico:

 

                                   O homem atrás do bigode

                                   é sério, simples e forte.

                                   Quase não conversa.

                                   Tem poucos, raros amigos

                                   o homem atrás dos óculos e do bigode.

 

                        Todavia, ao contrário do que supunha, o poeta deixou muitos e muitos amigos. O local vive cheio de gente, pessoas que se sentam perto dele, sussurram-lhe ao ouvido, acariciam-no, oferecem-lhe flores, tiram fotografias ao seu lado (como eu mesmo fiz). Uma das cenas mais comoventes a que assisti foi a de um mendigo que permaneceu largo tempo sentado próximo de Drummond, a lhe dizer coisas que somente os dois podiam entender (creio que ninguém ousou se aproximar e atrapalhá-los, como costuma acontecer). Finalmente, o mendigo se levantou, beijou a cabeça do poeta e se foi com seu sorriso banguela, por certo feliz com o que dissera e ouvira.

                        Já sem o bigode da mocidade, alguns imbecis insistem em também tirar do poeta os óculos, o que tornou a acontecer agora, pela oitava vez!

                        A bem de ver nenhum poeta precisa de óculos, já que os poetas veem com os olhos de dentro e não com os de fora. 

                        Mas o que farão os larápios com os óculos arrancados do poeta? Não acredito que guardem de recordação ou como um troféu, o que de modo algum justificaria o ato de vandalismo, mas pelo menos lhe emprestaria algum significado. É quase certo que vendam para ser derretidos e com o dinheiro possam se derreter nas pedras de crack.

 

                        Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,

                        mas a areia é quente, e há um óleo suave

                        que eles passam nas costas, e esquecem.

 

 

 

 

Um comentário

  1. Lilian
    31/12/09 at 9:22

    Vejo este fato como mais uma das tristes notícias a que temos acesso no dia a dia. Mas já conheci pessoas que furtam os mais variados tipos de objetos apenas por… prazer, fetiche, mania de colecionador? Sei lá, algum tipo de doença assim. O que me intriga, nesses casos de pessoas doentes (cleptomania, se não me engano) é a destinação dada aos referidos objetos. Será que possuem um “quartinho” só de objetos furtados, prestando-lhes eventual culto? Muito estranho…
    Mas no caso do Drummond, pode ser apenas vandalismo, puro e simples, num país em que os bons costumes se subvertem assustadoramente.

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