O cinema argentino tem produzido excelentes filmes, a maioria de baixo custo, com roteiros muito bem elaborados, histórias sensíveis e tocantes, reflexões sobre o seu passado recente, os tempos da ditadura e as crises econômicas, ótimos diretores e atores.
Talvez fosse esse o caminho a ser seguido pelo cinema brasileiro, que, com algumas exceções, tem optado por filmes grandiloquentes ou apologéticos, como Dois filhos de Francisco, Lula, o filho do Brasil, Chico Xavier (que está vindo por aí) ou besteiróis com artistas globais, visando acima de tudo ao sucesso comercial.
Segundo tenho lido, O segredo dos seus olhos (El Secreto de sus Ojos), que concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro, dirigido por Juan José Campanella, que também elaborou o roteiro juntamente com o autor do romance no qual foi inspirado, faz uma engenhosa combinação de gêneros — um filme noir permeado com o drama de um romance frustrado —, narrando em dois tempos uma história de amor, obsessão, sede de vingança, que viaja do presente ao passado, tocando em feridas da história argentina como tema de fundo, mas sem jamais se afastar do veio principal.
As sinopses apresentam o protagonista Benjamín Espósito, vivido pelo grande ator Ricardo Darín (que já havia trabalhado antes com Campanella em O Filho da Noiva e Clube da Lua), como um antigo oficial de justiça no Tribunal Penal argentino (no sistema judiciário do Brasil ele seria um escrivão ou secretário, já que oficial de justiça tem outras atribuições aqui).
Após a aposentadoria, com todo o tempo livre, ele pode se dedicar a realizar o sonho antigo de se tornar escritor, e começa a escrever um livro baseado num caso em que trabalhou na década de 70, investigando um brutal assassinato. Ao fazer isso, relembrando dos fatos da época, Benjamín percebe alguns equívocos que cometeu e como aquele momento teve uma forte influência no caminho que ele seguiu para o resto de sua vida. Retoma, também, o contato com seu grande amor irrealizado, a juíza com quem trabalhava.
O diretor Juan José Campanella esteve nos últimos anos nos EUA, atuando como assistente de direção em diversas séries de televisão, entre as quais a cultuada House.
Uma longa sequência já se tornou famosa e tem deixado os críticos e amantes do cinema tão entusiasmados quanto estupefatos: a tomada começa de muito longe e do alto, vai se aproximando pouco a pouco, revelando uma multidão em delírio e depois que se trata de torcedores nas arquibancadas de um campo de futebol (creio que seja La Bombonera), em pleno desenrolar de uma partida, até se fixar em Benjamín que está ali com seu companheiro em perseguição a um suspeito. Tudo sem nenhum corte. Ninguém sabe como Campanella fez.
Soube de tudo isso por matérias de revistas, jornais e canais de TV (em que vi a sequência acima), porquanto embora o filme já tenha estreado no circuito brasileiro, ainda não chegou a Ribeirão Preto, que continua muito provinciana nesse aspecto, exibindo os novos filmes com muito atraso, quando chega a fazê-lo.
Acabei encomendando o romance de Eduardo Alfredo Sacheri, La Pregunta de Sus Ojos, em que o filme se baseou, na sua edição argentina, pois não encontrei edição brasileira. O pior é que, segundo a Livraria Cultura, o recebimento do livro pode demorar mais de trinta dias, por ser importado.
Assista ao trailer oficial do filme aqui, em que infelizmente não há a extraordinária sequência mencionada.