“Tudo vai, tudo volta; eternamente gira a roda do ser.
Tudo morre, tudo refloresce, eternamente transcorre o ano do ser.
Tudo se desfaz, tudo é refeito;
eternamente fiel a si mesmo permanece o anel eternamente constrói-se a mesma casa do ser.
Tudo se separa, tudo volta a se encontrar; do ser.
Em cada instante começa o ser; em torno de todo o “aqui” rola a bola “acolá”.
O meio está em toda parte. Curvo é o caminho da eternidade.”
(Friedrich Nietzsche, Assim falou Zaratustra)
Não posso alegar surpresa, nem ignorância.
Ela se anunciava fazia tempo. Há muito tempo trazia ela comigo. Se o tempo é um continuum, com seu eterno retorno, e se passado, presente e futuro são apenas referências arbitrárias que estabelecemos para nos situarmos no mundo, ela sempre esteve e sempre estará comigo.
Apesar disso, e do tempo que tive de me aprontar, quando enfim ela chegou percebi que nenhum preparativo é possível, nenhuma disposição se cumpre, nenhuma experiência vale.
Talvez seja assim o encontro marcado com a morte, a indesejada das gentes, mesmo sendo a mais fiel companheira da gente.
Mas não é da morte que falo, e sim da vida, de uma explosão de vida, que, mesmo esperada e desejada, sobreveio-me num delicioso assombro, pondo-me a vida em suspensão e suspense.
E é tudo novo de novo. E é preciso recomeçar. E é preciso aprender tudo de novo.
Assim me sinto diante desses pequeninos olhos, nariz, boca, orelhas, braços e pernas, mãos e pés, contidos em menos de 3 quilos e de 50 centímetros, que súbito tenho diante de mim e tomo nos braços, nos quais quase desaparece (mas como me aquece!).
Converso ternamente com ela, dizendo-lhe do meu amor, das nossas travessuras e aventuras futuras. Ela fixa o olhar em mim e chega a franzir o cenho, tentando compreender minhas sandices.
Como tamanha pequeneza pode me preencher tanto?
Como tanta fragilidade pode ser tão forte e me fazer tão frágil?
Consta que em algumas tribos indígenas, após o parto, é o varão quem fica de resguardo.
Sábios índios! Como os compreendo agora, no meu resguardo de avô.
Recolhido nessa minha nova circunstância, cumpro maquinalmente minhas obrigações e compromissos de trabalho, sem conseguir me concentrar em nada mais que não ela. Até mesmo deste blog, que tem sido meu refrigério nos últimos tempos, uma ponte com os navegantes que aqui aportam, me fiz distante. E também das minhas estantes, cujos livros apenas remexo, para pôr de lado num instante.
Nada mais justo do que as licenças maternidade e paternidade, mas urge institucionalizar uma licença para os avós perplexos com seus sentimentos complexos. Aliás, se os avós são pais em dobro, sua licença deve ser dobrada.
Fica aqui lançada, pois, a propositura e conclamo a adesão de meus pares e ímpares para alcançarmos o quantum necessário para a apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular para a criação da licença avoenga, de no mínimo doze meses.
Se os avós, como dizem, são pais com açúcar, corro então sério risco de me tornar diabético.
Tudo por obra e graça da doce Manuela.
De Nietzsche a Drummond:
“Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
E ele não pesa mais que a mão de uma criança.”