Posts from abril, 2011

Monteiro Lobato e a Ku Klux Klan (O homem e a obra)

 

 

 

 

              Logo depois de ter mergulhado nas minhas boas lembranças do Sítio do Pica-Pau Amarelo, meu caro amigo José do Carmo me alertou para ler o gossip de Mônica Bérgamo na sua coluna da Folha de S. Paulo divulgando a existência de carta até então inédita em que Monteiro Lobato elogia a deplorável Ku Klux Klan.

              Não tenho o menor apreço por esse tipo de jornalismo(?) de frivolidades que poderia ser denominado de Colunismo Daslu ou de Mexericos da Candinha.

              Todavia, não se deve — como faziam os reis de antanho — matar o mensageiro da má notícia. E não duvido que Lobato possa ter escrito e pensado aquilo em algum momento de sua vida. Como homem, ele estava muito longe da beatitude. Era um tipo polêmico, irritadiço, muitas vezes injusto.

              Minha filha Carolina, que também leu e admira (ou admirava) Monteiro Lobato, manifestou sua decepção no comentário que fez no post abaixo.

              É, pois, para ela e para todos aqueles que sentiram o mesmo (é claro que também fiquei chocado), que faço essa breve reflexão.

              Longe de pretender justificar os elogios de Lobato àquela organização criminosa e repugnante, creio que isso não desqualifica a sua obra literária e sua importante participação na vida nacional.

              Reconheço que nem sempre é fácil ou possível separar o homem do autor ou artista. Temos a tendência natural de imaginar como heróis ou exigir que o sejam aqueles cuja obra nos alimenta a alma, esquecendo-nos da sua limitada dimensão humana, que a obra, se verdadeiramente extraordinária — e por isso mesmo —, sempre haverá de superar. É isso o que ocorre com Monteiro Lobato, e torna ainda maior a sua magnitude de escritor capaz de se despir de idiossincrasias e preconceitos para falar tão docemente ao coração das crianças.

              O delicioso Jorge Amado de Gabriela, cravo e canela e Dona Flor e seus dois maridos é o mesmo que antes escreveu laudas e mais laudas laudatórias do déspota e facínora Stálin, em cuja conta são debitados pelo menos 20 milhões de mortes,  a quem se referiu com “sábio dirigente dos povos do mundo na luta pela felicidade do homem sobre a Terra”, chegando a louvar até mesmo os seus bigodes: “Stalin, o dos longos bigodes, aquele que tem um sorriso de criança inocente na face serena de sábio e de condutor de homens”. Pablo Neruda (para mim um poeta superestimado) também elogiou a “simplicidade” de Stalin e se encantou com suas mãos poderosas, das quais nasciam cereais e tratores.  Ezra Pound, que redefiniu o conceito de poesia, colaborou com revistas antissemitas e foi locutor de um programa radiofônico para o governo de Mussolini, em que amaldiçoava os judeus e louvava Il Duce e o Führer, conclamando os italianos à destruição das raízes judaicas da Europa. Picasso praticou inúmeras canalhices contra suas mulheres e seus amigos, mas nos legou Guernica. Fernando Pessoa chegou a manter um namoro com o regime do tirano Salazar e também se acusa Carlos Drummond de Andrade de participar do governo do ditador Vargas. O grande Nelson Rodrigues sempre foi um oceano tempestuoso de contradições. E por aí vai. Os exemplos são inesgotáveis.

              Há, porém, uma pergunta que não quer calar: Por que justamente agora, quando se pretendeu censurar a posteriori a obra infantil de Lobato e houve forte reação a esse desatino, aparecem do nada tais cartas inéditas que deslustram a memória dele e o mostram como racista?

 

 

 

O furacão da Botocúndia

 

 

 

                       Eles estão logo ali, à minha frente e no alto, numa prateleira que mandei afixar na parede para que pudessem descansar de tanta lida e de tanto lidos.

                       Sem me dar conta disso, coloquei-os como sempre esteve o seu autor: à frente e acima do seu tempo.

                       Subo numa pequena escada e contemplo de perto os 30 volumes das “Obras Completas de Monteiro Lobato”. São 13 de “Literatura Geral”, e 17 de “Literatura Infantil”, em bela encadernação marrom, com filigranas douradas nas lombadas e o título na capa também em letras douradas.

                       Apanho o primeiro volume da coleção infantil, “Reinações de Narizinho”, e levo um susto: a edição é de 1947, da Editora Brasiliense Limitada, com ilustrações de André Le Blanc. Ainda nem tinha nascido!

                       Ganhei os livros infantis de meu avô materno, Vô Tufy, que manteve com ele os de literatura geral, que mais tarde também me repassou.

                       Li todos os dezessete volumes infantis dos 8 aos 10 anos — pouco mais, pouco menos —, a princípio tropeçando em algumas palavras, perguntando ou indo ao dicionário, depois com maior fluência, mas sempre absolutamente deslumbrado.

                       Além das travessuras de Narizinho, Pedrinho, Emília, Visconde de Sabugosa, Rabicó,  das histórias de Dona Benta, das iguarias de Anastácia, aprendi muito, e gostosamente, sobre gramática, aritmética, geografia, história, as grandes invenções, o petróleo (obsessão de Lobato). Tomei contato ainda com a mitologia grega e com D. Quixote, que se tornaria um dos meus livros prediletos.

                       Os velhos livros resistem bravamente, mas alguns exemplares estão bastante desgastados. Além das minhas, passaram por diversas mãos e cabeças (foram muito emprestados), entre as quais as das minhas três filhas, que não chegaram a ler todos, creio eu. Agora, esperam Manuela, e que delícia vai ser reler com ela…

                       Encontro anotações a lápis no volume de “Reinações de Narizinho”, que está com várias folhas e a contracapa soltas. Na página 12, logo acima do item “IV — O bobinho”, uma letra infantil assinala: “Vou começar aqui”. Não sei se é minha, de alguma das meninas ou de outra criança leitora. Mas fico intrigado, por que começar dali? Ou seria recomeçar?

                       E o que me leva agora recorrer o passado?

                       José Bento Monteiro Lobato nasceu no dia 18 de abril (que em razão disso foi consagrado, desde 2002, como o “Dia Nacional do Livro Infantil) do ano de 1882, embora ele insistisse que nascera de fato em 1884.

                       Consta de algumas biografias que foi batizado como José Renato Monteiro Lobato, mas em 1893 resolveu adotar o nome do pai porque desejava usar uma bengala que pertencera a ele, cuja empunhadura trazia as iniciais “JBML”.

                       Perdeu o pai aos 16 anos e, aos 17, a mãe, ficando a partir de então sob a tutela do avô materno, o Visconde de Tremembé. Formou-se em Direito por vontade do avô, porque preferia ter cursado a Escola de Belas-Artes.

                       Chegou a exercer a promotoria de justiça na cidadezinha de Areias, abandonando o cargo para ir cuidar da fazenda que herdou do avô, situada no município de Buquira, que depois o homenageou adotando o seu nome. Foi naquela fazenda que presenciou as queimadas feitas pelos jecas tatus, que tanto o indignaram.

                       O autor que soube encantar as crianças, tratando-as de igual para igual, era um homem cético, ranzinza, polemista e visionário. Brigou com muita gente e fez muitos inimigos. Criticou acerbamente Oswald de Andrade e Anita Malfatti, e chegou por isso a ter a “morte” decretada por Mário de Andrade, num artigo publicado no jornal “A Manhã”. Todavia, na década de trinta, depois de regressar dos EUA, reconciliou com eles e passou a defendê-los, chegando a afirmar em carta enviada a Flávio Campos que “Mário, pelo seu talento no analismo criticista, tem direito a tudo, até de meter o pau em você e em mim”.

                       Na mesma época, em carta enviada a Érico Veríssimo, ao comentar o novo livro deste, anotou: “Escrever bem é mijar. É deixar que o pensamento flua com o à vontade da mijada feliz.”

                       Enfrentou muitos problemas nos EUA (para onde foi em 1926, como adido comercial da embaixada brasileira) com o seu livro profético “O Presidente Negro e o Choque de Raças”, uma história que relata a vitória de um candidato negro à Presidência daquele país, que, apesar disso, continuou a admirar.

                       Regressou dos EUA entusiasmado com as riquezas naturais do Brasil e  nossa capacidade de produzir petróleo, tornando-se um dos maiores defensores de uma política que entregasse à iniciativa privada a extração do petróleo em solo brasileiro. Chegou a remeter uma carta veemente a Getúlio Vargas na qual denunciava o interesse estrangeiro em negar a existência do “ouro negro” no Brasil, em razão do quê acabou detido no presídio Tiradentes, de onde enviou a seus amigos em todo o país cópias da carta que Getúlio havia considerado “ofensiva”. Voltou a ser preso pelo mesmo motivo em 1941, e sua luta pelo petróleo acabaria por deixá-lo pobre, doente e desiludido.

                       Ainda hoje continua vítima da coragem de sempre defender com destemor suas ideias, sendo tachado entre outras coisas de politicamente incorreto e racista pela forma de se referir à negra Anastácia e ao caipira indolente e predatório personificado por Jeca Tatu. Cogita-se até mesmo reescrever trechos de sua obra, para adequá-la à sanha atual do politicamente correto, como o fazia o Big Brother de Orwell com a novilíngua.

                       Ele mesmo, em vida, pediu desculpas ao caipira, reconhecendo que era vítima de doenças endêmicas e da falta de educação, responsabilizando por isso o Poder Público.

                       Foi ele quem lançou as bases da indústria nacional do livro, ao fundar em 1908 a “Monteiro Lobato e Cia”, a primeira editora brasileira. Antes disso, todos os livros eram impressos em Portugal.

                       Progressista ferrenho (ao contrário do que muitos dizem), escreveu a respeito daqueles que são contrários às coisas novas: “O grande erro dessa casta de homens é confundir corrupção com evolução. Condenam as formas novas de vida, que se vão determinando em consequência do natural progresso humano, em nome das formas revelhas. Logicamente, para eles, o homem é a corrupção do macaco; o automóvel é a corrupção do carro de boi; o telefone é a corrupção do moço de recados.”

                       No final da vida, lamentava não ter escrito mais para as crianças, afirmando que não valia a pena escrever para gente grande. Sobre ele e o sua obra, escreveu Oswald de Andrade (o mesmo que ele havia criticado de início), quando dos 25 anos do lançamento de “Urupês”: “Você foi o Gandhi do modernismo brasileiro, jejuou e produziu, quem sabe, nesse e noutros setores, a mais eficaz resistência passiva de que se pode orgulhar uma vocação patriótica. No entanto, martirizaram você por falta de patriotismo.”

 

 

Ouça abaixo um trecho da última entrevista concedida por Monteiro Lobato ao jornalista Murilo Antunes, da Rádio Record. em 1948. Dois dias depois, Lobato faleceu, vitimado por um derrame.

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=JXkUdCdQrrU&feature=related] 

 

 

                     

 

                       O macaco, o Direito e a macaquice, nas Pílulas.

 

Viver é perigoso

 

 

 

 

                       Muros altos, cercas elétricas, portão automático, grades nas janelas.

                       Condomínios fechados, guaritas inexpugnáveis, elevadores inteligentes, câmeras por toda parte (sorria, você está sendo filmado).

                       Carros blindados, vidros escuros, tanques de guerra pelas ruas e avenidas congestionadas.

                       Não abra a janela, não dê carona, não pare na pista, mantenha a distância, direção defensiva.

                       Banho cronometrado (frio, é melhor para a saúde). Abrace as árvores. Ame os animais, não coma seus cadáveres (só o verde e o orgânico). Proibido fumar, até mesmo na sua casa (logo, logo os fumantes serão abatidos a pauladas em plena praça pública). Não beba (só uma taça de vinho), e se beber não dirija. Manteiga faz mal, margarina também, açúcar é veneno (o mascavo é pior, adoçante nem se diga). Corte o sal! Ovo só uma vez na semana, olhe o colesterol! Tome pelo menos dois litros de água por dia.

                       Durma cedo, no mínimo oito horas por noite. Não veja TV, desligue o computador e o som, poupe energia, só leia à luz do dia (de preferência um livro de autoajuda, Deus nos acuda!). Por falar nisso, não reze, ore (ora, bolas!).

                       Não tome remédio sem orientação médica, nem faça nada antes de consultar um advogado.

                      Fique longe das crianças, não brinque com elas, nem as beije ou abrace, você pode ser denunciado como pedófilo. Tampouco lhes cante “atirei o pau no gato” (quanta maldade!), ou que o “cravo brigou com a rosa” (que mau exemplo!). 

                        Meça as palavras. Não se refira a uma pessoa como deficiente, ela é portadora de deficiência ou, melhor ainda, de necessidades especiais (quem não é?). Aquele que tem mais melanina na pele é afro-descendente, veja lá se não ofende (Neguinho da Beija-Flor é Afro-descendentezinho da Beija-Flor). Velhice é a melhor idade (melhor em quê?). Judiar é um termo que afronta aos judeus, e denegrir, aos negros, desculpem, afro-descententes. Ninguém é feio, apenas infeliz na aparência. E os anões são apenas verticalmente prejudicados.

                        Pense positivo. Tristeza faz mal (pode “fazer” um câncer ou um infarto).

                       “Viver é muito perigoso…”, dizia Guimarães Rosa, referindo-se à aventura imanente à própria existência humana, e reescrevendo o imperativo categórico de Nietzche: “Vive perigosamente!”

                        Ultimamente, porém, viver está se tornando apenas muito chato (ops…).

 

 

 

Poesia no Ar

 

 

                        A Cooperativa Cultural da Periferia (Cooperifa), criada em 2000, promove em São Paulo, todas as quarta-feiras, um sarau no bar do Zé Batidão (Rua Bartolomeu dos Santos, 797, Chácara Santana, zona sul), reunindo artistas que fazem da literatura e da poesia instrumento de cidadania.

                        Quarta-feira passada, a Cooperifa realizou uma edição especial do sarau, denominada “Poesia no Ar”, soltando balões de gás hélio com poesias pelo céu paulistano.

                        Que maravilha! Poesia a voar como passarinho, espalhando seu canto por todos os cantos. Benfazeja poluição.

                        Lembrou-me mestre Mário Quintana, que deve estar a voar pelo paraíso:

 

 

             Poeminha do contra

 

Todos estes que aí estão

Atravancando o meu caminho,

Eles passarão.

Eu passarinho.

 

 [youtube=http://www.youtube.com/watch?v=9YVM84PZEN0&feature=player_embedded]

 

 

 

Paradoxo III

 

 

                            Aqueles que não morreram

                            então hoje ainda vivem.

                            Mas se morreram

                            então vivem naqueles

                            que hoje ainda vivem.

 

 

 

Dia do beijo

 

 

 

                       13 de abril.

                       Dia do beijo?

                       Que arrepio…

                       Escolha o seu.

                       Beija eu!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=LKZYZCfeGFE&feature=related]

 

  

 

                        Nas Pílulas, mais uma sarna do Sarney.

 

 

Paradoxo II

 

 

  

               O silêncio é um lenço

                                                 que

                                                            cai

                                                num chão de algodão.

 

                Mas se disso fazes alarde,

                já é tarde: ele partiu

                como ave de arribação.

 

 

 

Aquele abraço

 

 

                       Depois de um dia de tanta tristeza e perplexidade, de tamanho horror, não apenas para o Rio de Janeiro, mas para todo o Brasil, para todos que amam a vida, mesmo sem compreender os seus absurdos, a estátua do Cristo Redentor nos redime e acalenta nesse abraço simbólico.

                       Com direção de Fernando Salis, solução visual de Visualfarm, criação e idealização da de Casanova Comunicação, o vídeo fez parte do lançamento da campanha “Carinho de Verdade”, de combate à violência e exploração sexual de crianças.

                       Para simular o abraço  — uma ilusão de ótica provocada por projeção de luzes e imagens  —, foram utilizados oito projetores, que cobriram a estátua com imagens do Rio, sobrevoos de asa-delta, florestas e até mesmo o trânsito.

                       Ao som de Bachianas Brasileiras n.º 7, de Villa Lobos, e animação em 3D, a estátua parece fechar os braços, no maior abraço do mundo.

                        O meu abraço — infinitamente menor, mas de todo o coração — aos cariocas, em especial às vítimas e seus familiares.

 

 [youtube=http://www.youtube.com/watch?v=PNzi5JS46U8]