Logo depois de ter mergulhado nas minhas boas lembranças do Sítio do Pica-Pau Amarelo, meu caro amigo José do Carmo me alertou para ler o gossip de Mônica Bérgamo na sua coluna da Folha de S. Paulo divulgando a existência de carta até então inédita em que Monteiro Lobato elogia a deplorável Ku Klux Klan.
Não tenho o menor apreço por esse tipo de jornalismo(?) de frivolidades que poderia ser denominado de Colunismo Daslu ou de Mexericos da Candinha.
Todavia, não se deve — como faziam os reis de antanho — matar o mensageiro da má notícia. E não duvido que Lobato possa ter escrito e pensado aquilo em algum momento de sua vida. Como homem, ele estava muito longe da beatitude. Era um tipo polêmico, irritadiço, muitas vezes injusto.
Minha filha Carolina, que também leu e admira (ou admirava) Monteiro Lobato, manifestou sua decepção no comentário que fez no post abaixo.
É, pois, para ela e para todos aqueles que sentiram o mesmo (é claro que também fiquei chocado), que faço essa breve reflexão.
Longe de pretender justificar os elogios de Lobato àquela organização criminosa e repugnante, creio que isso não desqualifica a sua obra literária e sua importante participação na vida nacional.
Reconheço que nem sempre é fácil ou possível separar o homem do autor ou artista. Temos a tendência natural de imaginar como heróis ou exigir que o sejam aqueles cuja obra nos alimenta a alma, esquecendo-nos da sua limitada dimensão humana, que a obra, se verdadeiramente extraordinária — e por isso mesmo —, sempre haverá de superar. É isso o que ocorre com Monteiro Lobato, e torna ainda maior a sua magnitude de escritor capaz de se despir de idiossincrasias e preconceitos para falar tão docemente ao coração das crianças.
O delicioso Jorge Amado de Gabriela, cravo e canela e Dona Flor e seus dois maridos é o mesmo que antes escreveu laudas e mais laudas laudatórias do déspota e facínora Stálin, em cuja conta são debitados pelo menos 20 milhões de mortes, a quem se referiu com “sábio dirigente dos povos do mundo na luta pela felicidade do homem sobre a Terra”, chegando a louvar até mesmo os seus bigodes: “Stalin, o dos longos bigodes, aquele que tem um sorriso de criança inocente na face serena de sábio e de condutor de homens”. Pablo Neruda (para mim um poeta superestimado) também elogiou a “simplicidade” de Stalin e se encantou com suas mãos poderosas, das quais nasciam cereais e tratores. Ezra Pound, que redefiniu o conceito de poesia, colaborou com revistas antissemitas e foi locutor de um programa radiofônico para o governo de Mussolini, em que amaldiçoava os judeus e louvava Il Duce e o Führer, conclamando os italianos à destruição das raízes judaicas da Europa. Picasso praticou inúmeras canalhices contra suas mulheres e seus amigos, mas nos legou Guernica. Fernando Pessoa chegou a manter um namoro com o regime do tirano Salazar e também se acusa Carlos Drummond de Andrade de participar do governo do ditador Vargas. O grande Nelson Rodrigues sempre foi um oceano tempestuoso de contradições. E por aí vai. Os exemplos são inesgotáveis.
Há, porém, uma pergunta que não quer calar: Por que justamente agora, quando se pretendeu censurar a posteriori a obra infantil de Lobato e houve forte reação a esse desatino, aparecem do nada tais cartas inéditas que deslustram a memória dele e o mostram como racista?