Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio;
O mundo todo abarco e nada aperto.
É tudo quanto sinto um desconcerto;
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.
Estando em terra, chego ao Céu voando;
Nua hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar ua hora.
Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.
Luís de Camões
Na madrugada insone, ao folhear a lírica de Camões, esse soneto ― já conhecido e que em voz alta releio ― me invade e entra pelos tímpanos como o repique toante dos sinos de uma aldeia.
Essa a magia do poema excelso: ressoa na lembrança e de novo soa, límpido e fresco como um primeiro alvorecer.
Amanheço.