Acode-me Camões

 

 

 

 

 

 

                                   Tanto de meu estado me acho incerto,

                                   Que em vivo ardor tremendo estou de frio;

                                   Sem causa, juntamente choro e rio;

                                   O mundo todo abarco e nada aperto.

 

                                   É tudo quanto sinto um desconcerto;

                                   Da alma um fogo me sai, da vista um rio;

                                   Agora espero, agora desconfio,

                                   Agora desvario, agora acerto.

 

                                   Estando em terra, chego ao Céu voando;

                                   Nua hora acho mil anos, e é de jeito

                                   Que em mil anos não posso achar ua hora.

 

                                   Se me pergunta alguém porque assim ando,

                                   Respondo que não sei; porém suspeito

                                   Que só porque vos vi, minha Senhora.

 

                                                                                                              Luís de Camões

 

 

            Na madrugada insone, ao folhear a lírica de Camões, esse soneto ― já conhecido e que em voz alta releio ― me invade e entra pelos tímpanos como o repique toante dos sinos de uma aldeia.

            Essa a magia do poema excelso: ressoa na lembrança e de novo soa, límpido e fresco como um primeiro alvorecer.

            Amanheço.

 

 

 

6 comentários

  1. 14/12/11 at 15:03

    E que madrugada sublime e bem acompanhado, meu bom amigo poeta Antonio Carlos Augusto!

    forte abraço do leitor,

    c@urosa

  2. 14/12/11 at 18:12

    Não importa quantas vezes lemos o mesmo poema. Se o amamos, a sensação será sempre a de lavar o rosto pela manhã…
    Sua escrita é outro poema, Antonio.

    Beijocas!

  3. sonia k.
    14/12/11 at 19:48

    “O mundo abarco e nada aperto” – quantas vezes essa sensação nos assola!
    “Estando em terra chego ao céu voando” – inúmeros vôos demos dentro do infinito dos sentimentos.
    “….em mil anos não posso achar ua hora” – e quantas horas buscamos dentro de nossas almas sedentas de uma presença que não se faz.
    Acordar e ficar assim lendo, querido, é uma bênção. Jamais uma noite insone.
    E sonhando, que pena que amanhece.

  4. Lilian
    18/12/11 at 1:37

    Eu quero falar na línguagem de Camões…
    Aquela inculta e bela, arrastando milhões consigo,
    derramando sentimento por onde passa.
    Camões não é para os fracos,
    para os submissos ou tímidos.
    Há que ser forte para compor o elo entre as palavras!
    Eu quero falar na linguagem de Camões.

  5. 18/12/11 at 15:42

    Pois é meu bom Antonio Carlos Augusto, para muitos um pouco não e nada… e para poucos um pouco é muito…coisas de Deus, e , nós vamos vivendo como ele querer! Muito bom!

    forte abraço

    c@urosa

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