Posts from dezembro, 2011

Anos dourados

 

 

 

  

 

                              8 de dezembro de 1994

                              8 de dezembro de 2011

                              17 anos da morte de Antônio Carlos de Almeida Brasileiro Jobim.

                              Nunca chegará de saudade.

                              Tom disse certa vez, numa entrevista a Clarice Lispector, que “a morte não existe”.

                              Para ele e sua obra certamente não.

 

 

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A hard day's night

 

 

 

 

                                                                      8 de dezembro de 1980

                                                                      8 de dezembro de 2011

                                                                      31 anos da morte de John Lennon.

                                                                      Saudade!

                                                                       Never more!

 

 

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Veio de noite

 

 

 

 

 

 

            Que triste e desconcertante coincidência!

            Passo a semana aborrecido e sob o impacto do poema noturnal de Unamuno, que me acompanha no dia a dia, até que resolvo traduzi-lo, quase que para me libertar.

            Virá de noite!

            E de noite veio para meu hoje distante amigo Sócrates, Brasileiro, como o outro Antônio Carlos.

            Crescemos juntos em Ribeirão Preto, morando na mesma rua, em casas fronteiriças, onde hoje ainda habitam a mãe dele, nossa querida Dona Guiomar, e meu pai, ambos viúvos agora.

            A casa do Seu Vieira e da Dona Guiomar — como uma Paris ribeiropretana — sempre foi uma festa permanente, com a fieira de filhos, os tantos amigos e a parentada que por lá passavam. Muitos ficavam, acolhidos generosamente enquanto estudavam, até que se formassem e ganhassem independência. Mas logo eram substituídos por outros, nas mesmas condições.

            Uma das maiores dádivas que a vida me concedeu tem sido a convivência com pessoas muito especiais, como a família Vieira.

            Sócrates, seus irmãos, outros moleques da vizinhança e eu jogávamos futebol no meio da larga rua das casas paternas (na época, ele era torcedor do Santos, como eu; mas já era botafoguense, e eu, comercialino). Mais tarde, fui adversário dele nos jogos universitários, na disputa de futebol de salão (como se chamava então, ao tempo da bola pesada), ele no time da Medicina, eu, no do Direito. Eram dois timaços, mas perdemos, por obra dele.

            Tomamos alguns pileques juntos, passamos ao lado alguns velhos carnavais nos salões da veneranda Sociedade Recreativa e de Esportes de Ribeirão Preto.

            Sua primeira mulher, Regina, era amiga da minha irmã, e não saía da nossa casa, de onde começaram a paquera.

            Terminei a faculdade antes dele, logo passei no concurso de ingresso ao Ministério Público de São Paulo, e mergulhei nas novas responsabilidades. Ele se tornou jogador profissional, foi para o Corinthians, e o resto da história todos sabem.

            Embora distanciados, toda vez que me via, da ampla varanda da casa dos pais (onde passava os dias a beber e celebrar durante os momentos de folga), nos bares da vida ou em qualquer outro local, fazia questão de vir ao meu encontro e me cumprimentar efusivamente, sem máscara alguma, como se ainda fôssemos os dois moleques vizinhos (e éramos).

            Embora não concordasse com tudo o que pensava e dizia, não se pode deixar de lhe admirar e respeitar a coragem de pensar e dizer, a inteligência, a arte do seu futebol, a generosidade, a integridade, a paixão pela vida, que me lembra muito a de Vinicius de Moraes.

            Quando soube que estava novamente internado, e com infecção generalizada, disse à minha mulher que dificilmente venceria mais essa batalha pela vida. Mas cheguei a ter esperança quando o noticiário informou que ele se achava estável, o que em tal situação é promissor.

            Hoje, ao me levantar, soube que havia morrido por volta das quatro horas da madrugada.

 

                                   “Vendrá de noche cuando todo duerma;

                                   vendrá de noche cuando el alma enferma

                                   se emboce en vida;

                                   vendrá de noche con su paso quedo;

                                   vendrá de noche y posará su dedo

                                   sobre la herida.”

                                   […]

                                   “será de noche mas que sea aurora;”

 

 

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Virá de noite

 

 

 

Para o Gilberto, que me salvou da semana.

 

  

 

            Eta semanazinha ranzinza esta!

            Ainda bem que se vai indo, e já vai tarde…

            Contratempos, contragostos, contrariedades, contrafeitos.

            Nada de grave, apenas chateações que gostaria não mais ter de aturar a esta altura da vida.

            Mas assim é a vida…

            Eis que me vem às mãos um pequeno ensaio sobre Miguel Unamumo, escrito e a mim enviado por Gilberto Kujawski.

            Ao longo do primoroso ensaio (que deverá integrar um livro em gestação), deparo com um poema impressionante de Unamuno que me cai como um relâmpago a iluminar a noite.

            Não bastassem a beleza e a força do poema, creio que meu estado de espírito se acha propício a ele. Fala da morte, ou da espera da morte, sem mencioná-la uma vez sequer.

            Embora não pretenda morrer tão cedo, o poema me ficou na cabeça todos esses dias. Reli-o inúmeras vezes, e a cada leitura mais me extasiava.

            Um poema dessa qualidade há de ser lido, e sentido, na sua própria língua. A tradução de qualquer obra literária é sempre problemática (Tradutore, traditore! — dizem os italianos), mas a de um poema, especialmente um bom poema, é ainda pior, talvez até mesmo impossível.

            Todavia, como o lutador de Drummond, insistimos nessa luta vã, mal rompe a manhã.

            Apesar do meu trôpego espanhol, meti-me a besta e perpetrei uma versão do poema, muito mais para me consolar de não o ter escrito, e da falta de talento para jamais o escrever.

            Procurei ser fiel ao texto e sentido originais, mas me vi obrigado a algumas licenças poéticas, que espero não tenham desfigurado o poema.

            A mais evidente e duvidosa delas talvez seja o tempo verbal. “Vendrá” é “futuro simple” ou “futuro imperfecto” do verbo “venir”, que possivelmente melhor se traduza no presente do subjuntivo do nosso verbo “vir”: “venha; que venha”.

            Comecei a versão usando esse tempo verbal, mas depois de algumas estrofes senti que o poema (não bastasse a incompetência do tradutor) perdia muito da sua força. Decidi-me, então, pelo futuro do indicativo ou futuro do presente, “virá”, que me pareceu expressar mais adequadamente o misto de anseio e de certeza do poeta, isto é, de como ele gostaria ou imagina que venha aquilo ou aquela (“él, ella o ello?”) que fatalmente virá. Não sem razão, uma das mais conhecidas obras da vasta produção de Unamuno intitula-se “Do sentimento trágico da vida”.

            Há algumas outras estrepolias, como por exemplo utilizar “elo” (não seria a morte o nosso elo com algo mais ou com os demais?) à falta de um vocábulo em português como o neutro “ello” (aquilo?) espanhol.

            Se muito me explico é porque pouco me fio, e o fiasco prenuncio.

            Mesmo assim, aqui vão o belíssimo poema e sua tosca versão.

 

 

VENDRÁ DE NOCHE

 

  

Miguel de Unamuno

 

  

Vendrá de noche, cuando todo duerma;

vendrá de noche, cuando el alma enferma

se emboce en vida;

vendrá de noche, con su paso quedo;

vendrá de noche y posará su dedo

sobre la herida.

  

Vendrá de noche, y su fugaz vislumbre

volverá lumbre la fatal quejumbre;

vendrá de noche,

con su rosário; soltará las perlas

del negro sol que da ceguera verlas,

¡todo un derroche!

  

Vendrá de noche, noche nuestra madre,

cuando a lo lejos el recuerdo ladre

perdido aguero;

vendrá de noche; apagará su paso

mortal ladrido, y dejará al ocaso

largo agujero…

  

¿Vendrá una noche recogida y vasta?

¿Vendrá una noche maternal y casta

de luna llena?

Vendrá viniendo con venir eterno;

vendrá una noche del postrer invierno…

noche serena…

  

Vendrá como se fué, como se ha ido

— suena a lo lejos el fatal ladrido —,

vendrá a la cita;

será de noche mas que sea aurora;

vendrá a su hora, cuando el aire llora,

llora y medita…

  

Vendrá de noche, en una noche clara,

noche de luna que al dolor ampara,

noche desnuda;

vendrá… venir es porvenir…, pasado

que pasa y queda y que se queda al lado

y nunca muda….

  

Vendrá de noche cuando el tiempo aguarda,

cuando la tarde en las tinieblas tarda

y espera al dia;

vendrá de noche, en una noche pura,

cuando del sol la sangre se depura,

del mediodía.

  

Noche ha de hacerse en cuanto venga y llegue,

y el corazón rendido se le entregue,

noche serena,

de noche ha de venir… ¿él, ella o ello?

De noche ha de sellar su negro sello,

noche sin pena.

  

Vendrá la noche, la que da la vida

y en que la noche al fin el alma olvida,

traerá la cura;

vendrá la noche que lo cubre todo

y espeja al cielo en el luciente lodo

que lo depura.

  

Vendrá de noche, sí, vendrá de noche,

su negro sello servirá de broche

que cierra el alma;

vendrá de noche sin hacer ruido,

se apagará a lo lejos el ladrido,

vendrá la calma…

vendrá la noche….

 

 

 

 

VIRÁ DE NOITE

 

 

(versão pessoal)

 

  

Virá de noite, quando tudo dorme;

virá de noite, quando a alma enferma

se esmaece em vida;

virá de noite, com seu passo quedo;

virá de noite e pousará seu dedo

sobre a ferida.

  

Virá de noite, e seu fugaz vislumbre

volitará o lume do fatal queixume;

virá de noite

com seu rosário; derramará as contas

do negro solstício que enceguece,

tanto desperdício!

  

Virá de noite, nossa mãe soturna,

quando ao longe a lembrança açoite

com seu agouro;

virá de noite; apagará seu passo

o mortal gemido, e deixará no ocaso

a amplidão do abismo…

  

Virá uma noite recolhida e vasta?

Virá uma noite maternal e casta

de lua cheia?

Virá vindo num vir eterno;

virá uma noite do póstumo inverno…

noite serena…

  

Virá como foi, como havido

— ressoa ao longe o fatal gemido —,

virá ao encontro marcado;

será de noite mas que seja aurora;

virá na sua hora, quando o ar chora,

chora e medita…

  

Virá de noite, em uma noite clara,

noite de lua que a dor ampara,

noite desnuda;

virá… vir é porvir…, passado

que passa e para e ao lado fica

e nunca muda…

  

Virá de noite quando o tempo aguarda,

quando a tarde nas trevas tarda

e espera o dia;

virá de noite, numa noite pura,

quando do sol se depura o sangue

do meio-dia.

  

Noite há de se fazer enquanto venha e chegue,

e o coração rendido se aconchegue,

noite serena,

de noite há de vir… ele, ela ou elo?

De noite há de selar sua negra estampa,

noite sem pena.

  

Virá a noite, a que dá a vida,

e naquela noite infinda que a alma olvida,

trará a cura;

virá a noite que tudo encobre

e espelha no céu a luzente lama

que o depura.

  

Virá de noite, sim, virá de noite,

seu negro selo servirá de broche

que encerra a alma;

virá de noite sem fazer ruído,

se apagará ao longe o gemido,

virá a calma …

virá a noite ….