“Considero-me legítimo herdeiro de Edmundo Bettencourt e de Menano, que são os homens do fado de Coimbra. Toda a grande música que se faz hoje e que está preocupada em não abandonar a matriz da música tradicional começou em Coimbra, dentro das universidades. A que nasceu fora das universidades desembocou numa desgraça, mas isso é outra coisa, é música de feira”. (Fausto)
Foi graças a uma amiga portuguesa que tive a ventura de conhecer pela internet e me dá a honra de acessar este blog, Teresa Pinheiro Castro, Bibliotecária da Escola Profissional do Rodo, Peso da Régua, que tomei conhecimento da obra de altíssima qualidade daquele que é considerado por muitos como o maior compositor vivo da música popular portuguesa: Carlos Fausto Bordalo Gomes Dias, ou simplesmente Fausto, nome artístico que adotou.
Nascido em novembro de 1948, a bordo de um navio que navegava pelo Atlântico entre Portugal e Angola, onde passou grande parte da infância e adolescência, Fausto iniciou sua aprendizagem musical a partir de ritmos africanos que lhe foram apresentados por um amigo angolano. Não obstante, os valores da cultura portuguesa, sobretudo os da Beira Baixa (de onde a sua família é natural) sempre estiveram sempre presentes na sua vida.
Tornou-se um dos ícones da resistência à dolorosa agonia do processo revolucionário no pós 25 de Abril, integrando-se a artistas que empreenderam centenas de espetáculos por todo o país, época em que também passou a atuar como arranjador e produtor para outros cantores.
Apaixonado pela temática dos Descobrimentos Portugueses, o seu álbum “Histórias de Viageiros” (1979) é o primeiro reflexo desse novo rumo da sua obra, cujo ápice se dá com o lançamento de “Por Este Rio Acima” (1982), em que traça um retrato da sociedade portuguesa, procurando os pontos de confluência entre a época das naus e caravelas e os dias de hoje. A esse propósito, afirma: “Canto o lado do povo anónimo que ia nos barcos, não o dos heróis. Canto o outro lado da História, o lado mais humano. Não falo do passado. Falo da actualidade e curiosamente há pontos em comum”.
O disco, duplo, alcançou um êxito sem precedentes e deu origem a um novo ciclo da música popular portuguesa. Houve quem dissesse que seria impossível fazer algo melhor, com o que Fausto nunca se conformou: “Habituei-me à presença incómoda dessa obra. Mas acuso o espírito conservador dessas pessoas. Quem nos amarra não é mais que uma geração, as outras descobrem coisas novas”.
Convidado a prosseguir no tema, impôs um longo período de trabalho entre cada registro da trilogia da diáspora marítima portuguesa, que se completa com “Crónicas da Terra Ardente” (1994) e “Em Busca das Montanhas Azuis” (2011).
No interregno entre os álbuns do tríptico, editou diversos outros, como “O Despertar dos Alquimistas” (1985), grande painel sonoro sobre o tema da realidade e da utopia; “Para Além das Cordilheiras” (1987), em que percorre uma estrada musical entre Lisboa e Berlim, numa viagem simbólica do regresso de Portugal à Europa; “A Preto e Branco” (1989), com as canções africanas da sua adolescência angolana. Em 1996, sintetizou os temas fundamentais da sua obra no álbum duplo “Atrás dos Tempos Vêm Tempos”, em que 27 das suas principais canções são apresentadas regravadas e rearranjadas, com a colaboração de músicos da nova geração.
Cognominado por alguns de “Cantor Maldito”, em razão das causas e ideias que defende com ardor, Fausto revela-se verdadeiramente extraordinário — como o nosso Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim — seja na criatividade e maestria dos poemas, seja na dimensão rítmica e melódica das composições e dos arranjos, como é o caso exemplar da maravilhosa canção “Porque Não Me Vês” (que integra o primeiro álbum da trilogia, “Por Este Rio Acima”), aqui interpretada pela voz límpida da não menos excepcional cantora portuguesa Né Ladeiras (Maria da Nazaré Azevedo Sobral Ladeiras).
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Meu amor adeus
Tem cuidado
Se a dor é um espinho
Que espeta sozinho
Do outro lado
Meu bem desvairado
Tão aflito
Se a dor é um dó
Que desfaz o nó
E desata um grito
Um mau olhado
Um mal pecado
E a saudade é uma espera
É uma aflição
Se é Primavera
É um fim de Outono
Um tempo morno
É quase Verão
Em pleno Inverno
É um abandono
Porque não me vês
Maresia
Se a dor é um ciúme
Que espalha um perfume
Que me agonia
Vem me ver amor
De mansinho
Se a dor é um mar
Louco a transbordar
Noutro caminho
Quase a espraiar
Quase a afundar
E a saudade é uma espera
É uma aflição
Se é Primavera
É um fim de Outono
Um tempo morno
É quase Verão
Em pleno Inverno
É um abandono
E a saudade é uma espera
É uma aflição
Se é Primavera
É um fim de Outono
Um tempo morno
É quase Verão
Em pleno Inverno
É um abandono
Miinha nossa!!!! que coisa linda. Vou correr atrás dessa Né…e do Fausto…
Ando a procurar autores contemporâneos portugueses e lhe apresento, modestmente, um cara chamado João gomes de Almeida, um livreto dele com poesias de amor e um “manifesto contra a racionalidade” é uma coisa boa, mas igual a canção do Fausto e da Né que me sensibilizou, está longe. imagino.
Viva esses portugueses vivos e que nos dão, ou melhor , continuam a nos ensinar o Viver.
Com a benção da Madre de Deus.
Obrigado , Gama, pela apresentação.