— Babu, Babu, presente!!!
Acordo com os gritos de Manuela — como trinados de um bando de passarinhos ao alvorecer — enchendo meu quarto da sua alegria.
Não que seja tão cedo assim. Depois de vinte anos saltando da cama às seis horas da matina para as aulas na faculdade de Direito, tenho me dado o direito de dormir até mais tarde, agora que me tornei um professor em recesso (creio que permanente). Ainda porque, com ou sem aulas, jamais consigo me deitar antes da meia-noite, e muita vez mais tarde ainda.
Ela nem espera que eu me levante, sobe com esforço na cama, atrapalhada com uma sacola quase do tamanho dela, a repetir excitada:
— Presente, Babu, presente!!!
O aniversário de dois anos dela, dia 4 de março, está próximo e sou eu quem ganha o presente, não bastasse o presente maior da presença dela.
Acesa a luz e com ela saltitante ao meu redor, abro a sacola, desfaço o embrulho e… Crocs, Crocs…
— Igual Manuela, me diz orgulhosa, exibindo-me o pezinho. Põe, põe!
Claro que calço, e vejo que os tais de Crocs são mesmo deliciosamente confortáveis.
Sequer sabia que adultos também usavam, até que no carnaval vi o jovem pai de um amiguinho da Manuela com um, e comentei com minha filha Carolina que deveriam ser ótimos.
Agora que calcei, ela me diz para tirar, descalça os dela e quer que troquemos. Enfia os meus e sai arrastando os pés pelo corredor:
— Vem, Babu…
Ela me trata como se tivéssemos a mesma idade e o mesmo tamanho.
Talvez tenha razão.